Serpentário
Coronel do Exército Paulo Malhães, cruel e covarde torturador de Miriam Leitão em um quartel de Vila Velha, edifício tombado como patrimônio histórico. Paulo Malhães, famoso pelo famigerado apelido de dr. Pablo, morreu assassinado, numa possível queima de arquivo que seus cúmplices comparsas de farda jamais ousaram investigar
O Brasil precisa se contaminar desse gesto de solidariedade a Míriam Leitão
por Carol Proner
“Seres humanos não precisam concordar entre si, mas comemorar o sofrimento alheio é perder de vez a humanidade”, disse o ex-Presidente Lula na manifestação de solidariedade à jornalista Míriam Leitão, que foi vítima de ataques fascistas por parte do deputado Eduardo Bolsonaro.
A jornalista agradeceu, dizendo que a manifestação de Lula reflete "valores fundamentais da democracia, o respeito entre pessoas, mesmo quando divergem, e a empatia que deve prevalecer entre seres humanos”.
O filho da jornalista, Matheus Leitão, também agradeceu com as seguintes palavras: "presidente, muito obrigado. Como filho, me emociono. Sua voz branda e firme é muito importante para o país neste momento".
De todo esse episódio repugnante de violência e desrespeito, eu quero chamar a atenção para este aspecto: o da reação convergente no sentido de repudiar o monstruoso gesto do filho do Presidente da República que simboliza os valores da família e do clã bolsonaristas: a defesa da tortura com perversidade qualificada.
Esta, sabemos, não é a primeira fala que remete à violência contra as mulheres. A misoginia e a perversidade sexual presentes na “cultura do estupro” fazem parte do manual político do fascismo bolsonaristas. Ninguém pode dizer que se surpreende, e as mulheres têm demonstrado sua rejeição nas sondagens eleitorais.
O que merece ser destacado é a reação de repúdio unânime entre forças políticas completamente divergentes. Os demais pré-candidatos também não hesitaram em se manifestar em apoio à jornalista referência do capitalismo neoliberal, assim como também estrelas do Partido dos Trabalhadores, a ex-Presidenta Dilma Rousseff, que também foi vítima de tortura, e a Presidenta do PT, a deputada Gleisi Hoffmann.
Este é um episódio simbólico do que veremos daqui para a frente, nos meses que antecedem as eleições deste ano, a polarização entre política e antipolítica, ou a política adversarial versus a política do inimigo.
O Brasil precisa se contaminar desse gesto de solidariedade a Míriam Leitão e do respectivo acolhimento manifestado por ela, destacando o respeito e a empatia como valores altruístas e de unidade. Mas ainda há os que, na hipótese de um 2º turno polarizado entre a democracia ou o serpentário, defendam escalar o enorme muro da falsa neutralidade.
A incansável busca de um filho pela história dos pais
Desde pequeno, Matheus Leitão ouvia as expressões “perseguição”, “prisão” e “porão” sussurradas por seus pais, os jornalistas Marcelo Netto e Míriam Leitão. A assustadora palavra “tortura” apareceu bem mais tarde. Movido pela curiosidade de compreender o passado, o jovem perguntador passou a recolher retalhos de uma história dolorosa, que se iniciou em 1972, no Espírito Santo, quando os pais militavam no PCdoB. Delatados por um companheiro, foram presos e torturados. Na ocasião, Míriam estava grávida de Vladimir, o primeiro filho do casal.
Matheus também seguiu a carreira de jornalista, dedicando-se a reportagens sobre direitos humanos e ditadura. Em nome dos pais é resultado de suas incansáveis investigações, que começam pela busca do delator e seguem com a localização dos agentes que teriam participado das sessões de tortura de seus pais. Passado e presente se entrelaçam nessa obra, que reconstitui com rigor eventos do início dos anos 1970 e, ao mesmo tempo, apresenta a emocionante peregrinação do autor pelo Brasil atrás de respostas.
Em nome dos pais, uma história sobre pais e filhos, e também sobre um país que ainda reluta em acertar as contas com um passado obscuro.