Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

O CORRESPONDENTE

13
Jun18

Que pode oferecer uma mulher além da flor do sexo

Talis Andrade

penelope.png

 

 

 

PENÉLOPE

1

Dia após dia

as mãos hábeis

de Penélope

teciam o silêncio

a solidão

 

Dia após dia

as mãos de Penélope

varriam a casa

a vida vazia

 

2

No início

era assim

 

a casa lavada

e arrumada

 

a roupa lavada

e passada

 

o corpo lavado

e perfumado

 

como se de repente

o amante entrasse

quarto a dentro

 

3

A fidelidade uma cobrança

Ulisses como recompensa

a resguardasse com os antigos olhos

que a descobriram

entre tantas moças

Os penetrantes olhos

postos em suas coxas

Os antigos olhos

que a desnudaram

no primeiro instante

tornando-a mulher

em cada dobra do vestido

em cada curva do corpo

em cada devaneio inibido

 

4

O medo

uma constante

à vida vivida

sob a mira

do proibido

 

Desde criança

os passos contidos

A casa  

a escola

a igreja

marcavam

o espaço

permitido

 

Algumas vezes

os sonhos

transpunham

o limiar

da porta

os olhos

se perdiam

por estranhos

territórios

 

Um copo de vinho

podia ser o passe

para uma caminhada

mais distante

Uma música lenta

de amor ardente

podia acordar os sentidos

mas os desejos

vinham e iam

quais marés

sonolentas

 

5

Que pode oferecer

uma mulher

além da flor

    do sexo

 

Do homem a vantagem

o mistério das cicatrizes

a coroa de herói

a legenda de mártir

inscrita nos cárceres

 

De Penélope a sina

de tecer tecer

o que nunca termina

O fazer refazer

das obrigações femininas

 

De Penélope a submissão

da espera

O homem lhe complete

a vida vazia

 

6

Na imprensa nenhuma notícia

Na polícia tudo corria

em segredo de justiça

Com o passar dos dias

o esvaecer da esperança

Nem no aniversário

compensa tecer as tranças

de azul pintar

     os olhos

tomar um banho

     de perfumadas rosas

amainar o corpo

      nos ventos alísios

Não havia alegria

em vestir um vestido novo

Os desejos passaram a dormir

no fundo de um poço

 

7

Ouvira os padres profetizarem

um outro mundo

o marido falar

de um mundo novo

As palavras as palavras  

não podiam tudo

Havia o testemunho

do espelho de prata

a dor de não saber

guardar o verdor do corpo

perante o tempo corrosivo

 

Nenhum deus poderia impedir

os dias devorassem

os belos traços do rosto

os peitos pendessem

como frutos podres

 

 

 

---

Talis Andrade, O Enforcado da Rainha, ps  154/160 

Mais sobre mim

foto do autor

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Arquivo

  1. 2023
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2022
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2021
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2020
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2019
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2018
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2017
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
Em destaque no SAPO Blogs
pub