Que o tempo possa resgatar aquelas reputações que a operação "lava jato", injustamente, tenha se empenhado em destruir
III - Novos ventos e um olhar crítico sobre a "lava jato", seis anos depois
Nesse atropelo processual, em 2016, o TRF4 decidiu, por maioria, que a "lava jato" constituía "caso inédito (único, excepcional) no direito brasileiro" e, por isso, poderia admitir "situações inéditas", fora do "regramento genérico, destinado aos casos comuns", ou seja, que desrespeitassem toda a ordem jurídica e constitucional do país 6. Uma invocação perigosa da teoria do estado de exceção, que coloca em xeque o próprio Estado Democrático de Direito, feita sem uma análise profunda de seus conceitos e de suas consequências, amplamente discutidos pela doutrina especializada.
Luigi Ferrajoli explica, ao tratar da emergência penal, que não importa o que se pense sobre os fenômenos criminais de gravidade excepcional 7, a lógica de um Estado de direito pressupõe o respeito às suas regras, as quais não podem ser deixadas de lado quando for cômodo. Elas devem ser cumpridas, levadas a sério, seja nos momentos fáceis ou nos difíceis, sem exceção. Esta, só poderá ser admitida como fato extra ou antijurídico, ou seja, em caso de guerra real e declarada, e não por mera liberalidade. Segundo o autor, "o abandono das regras e dos princípios jurídicos não é permitido em tempos de paz contra os cidadãos" 8 e, em matéria de justiça, não pode prevalecer a máxima de que "os fins justificam os meios", pois os meios são, justamente, as regras e as garantias, como as de "verdade e liberdade" 9.
Depois de tantas relativizações e passado tanto tempo, a operação "lava jato" continua, sem a mesma força e repercussão midiática de antes, mas com igual capacidade de causar condenações injustas, seja em Curitiba, no Rio de Janeiro ou em Brasília, como qualquer ação penal, notadamente as que vêm com um "selo" de grande repercussão.
Oxalá os novos ventos, as transformações dos últimos anos, a pandemia da Covid-19, os recentes ataques às instituições democráticas em nosso país possam trazer autocríticas, como as recentemente realizadas por veículos de imprensa, para que o tempo possa resgatar aquelas reputações que a operação "lava jato", injustamente, tenha se empenhado em destruir.
1 Confira-se em: https://www.conjur.com.br/2020-jun-28/saida-grupo-lava-jato-pgr-investigacoes-nao-serao-prejudicadas. Acesso em 29 junho 2020.
2 Essa é uma característica dos maxiprocessos, abordada por POPOVSKI, Lewis and RUDNICK, Jody A. "Joint Trials: Judicial Inefficiency?," Journal of Civil Rights and Economic Development: Vol. 5: 1990, Iss. 2, Article 5, p. 331. Disponível em: <http://scholarship.law.stjohns.edu/jcred/vol5/iss2/5>. Acesso em 29 junho 2020.
3 Confiram-se em vídeo, dentre outras, as seguintes entrevistas do então juiz Sergio Moro: Programa Roda Viva https://www.youtube.com/watch?v=DqtPZVBhfNw; TV Globo <http://g1.globo.com/politica/operacao-lava-jato/videos/t/todos-os-videos/v/em-entrevista-exclusiva-sergio-moro-fala-sobre-a-lava-jato/6225258/>; Palestra no 1º Congresso do Pacto Pelo Brasil (01/08/2017) <https://www.youtube.com/watch?v=PbYDwv7nXtg>; Palestra II Fórum Transparência e Competitividade <https://www.youtube.com/watch?v=TfwVHFm_i3o>. Acesso em 29 jun. 2020.
4 A expressão é de TORERO, José Roberto. Galantes memórias e admiráveis aventuras do virtuoso Conselheiro Gomes, O Chalaça. Rio de Janeiro: Objetiva, 2010, p. 100.
5 DALLAGNOL, Deltan. Brasil é o paraíso da impunidade para réus de colarinho branco. Publicado em 01 Out. 2015. UOL NOTÍCIAS. Disponível em <https://noticias.uol.com.br/opiniao/coluna/2015/10/01/brasil-e-o-paraiso-da-impunidade-para-reus-do-colarinho-branco.htm>. Acesso em 29 jun. 2020.
6 Confira-se em: <https://www.conjur.com.br/dl/lava-jato-nao-seguir-regras-casos.pdf>. Acesso em 29 jun. 2020.
7 FERRAJOLI, Luigi. FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. Teoria do Garantismo Penal. (Trad. de Diritto e ragione: teoria del garantismo penale). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 667.
8 FERRAJOLI, Luigi. Ibidem., p. 666.
9 FERRAJOLI, Luigi. Ibidem., p. 667.