Prisões-espetáculo violam frontalmente o Estado de Direito
Decapitação de São João Batista, de Caravaggio
Prisão e espetáculo
A regra reconhecida pelo Estado Democrático de Direito é a liberdade. Excepcionalmente se admite prisão.
Isto precisa ser cotidianamente lembrado ao ‘jornalismo mundo cão’, à parcela da sociedade civil sedenta de sangue e vingança e, sobretudo, aos juízes que decretam as prisões-espetáculo.
Nenhuma prisão é feita pela polícia. Toda prisão é determinada e/ou mantida pelo poder judiciário.
A polícia apenas executa a ordem expedida. Portanto, toda prisão ilegal é de responsabilidade dos juízes.
No Brasil somente estão autorizadas as seguintes prisões:
1) Prisão em flagrante, com fundamento no art. 301 do CPP que diz:
“Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito”.
Tal prisão apenas subsiste até a apresentação do preso à delegacia e à audiência de custódia. Não sendo decretada a prisão preventiva a pessoa retoma seu status de liberdade.
2) Prisão em decorrência de sentença penal condenatória transitada em julgado.
Dispõe a Constituição em seu art. 5º que:
“LXI – ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei”.
Prisão para impedir que o condenado em segunda instância participe de processo eleitoral é ilegal.
3) Prisão provisória para investigação (temporária) ou para garantia do processo (preventiva).
Dispõe o Código de Processo Penal em seus artigos 311 e 312 que: Art.
“Art. 311. Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial”.
“Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado”.
Portanto, as prisões exemplares fundadas na moralidade, decretadas para promoção do espetáculo midiático e as decretadas como expressão de vingança contra quem seja considerado inimigo são ilegalidades que violam frontalmente o Estado de Direito.
O espetáculo é incompatível com a institucionalidade da ordem jurídica que se pretende democrática.
Se o que pretendemos é o linchamento, sem processo e sem respeito à institucionalidade própria do Estado de Direito, entreguemos o poder de punir aos sentimentos transitórios das multidões.
Em tempo no qual os cristãos comemoram o nascimento do seu Deus, seria adequado que cada qual, que crê em tal divindade, pensasse o que fez a turba sedenta de sangue e vingança contra quem nem mesmo o representante do Império Romano viu falta alguma.
Sou João Batista e quero manter minha cabeça colada ao corpo.
Por isto, escrevo abstratamente sem qualquer alusão a fatos ou processos. Qualquer semelhança é mera coincidência.