Os filhos de Itaipu
A prostituição no bairro entrou em decadência com o fim das obras e o avanço da aids. Os antigos bordéis hoje funcionam como residências, mercearia, oficina mecânica, marmoraria e até uma casa paroquial. Foto: Jean Pavão para o Intercept Brasil
II - OS FILHOS ESQUECIDOS DE ITAIPU

Três dias de fervo
O BAIRRO TRÊS LAGOAS concentrou o maior número de prostíbulos da fronteira no auge das obras de Itaipu. “Tinha umas 25 casas grandes, fora os botecos. Dava umas 30, 35, entre tudo”, diz Dalva Alves Pereira, 63 anos, de codinome Regina quando gerenciou boates no lugar. O número de mulheres variava conforme o tamanho da casa. “Chegou a ter mais de 700, porque tinham as que moravam e as que vinham de fora fazer ponto. Ficavam uma semana, duas, um mês, dois. Tinha mais de 700, 800, contando tudo”.
Poucas casas eram de alvenaria e tinham piscina, um atrativo de luxo para seduzir a clientela. A maioria era de madeira, onde a sala de estar servia de pista de dança, ligada a um corredor que dava para os quartos. Era o lugar mais movimentado da fronteira, de dia e de noite, daí o apelido de “Paraíso da prostituição” dado pela imprensa local.
A empresa deu prioridade à contratação de solteiros, porque os dormitórios coletivos ficavam no interior do canteiro de obras. “Foram 12 mil empregados solteiros sob a responsabilidade da Unicon, empresa responsável pela administração e distribuição dos barrageiros nos alojamentos”, aponta a geógrafa Patrícia Claudia Sotuyo em seu mestrado sobre segregação urbana em Foz do Iguaçu no período da construção da usina.

Dalva Alves Pereira era conhecida como ‘Regina’ quando gerenciava boates. Foto: Jean Pavão para o Intercept Brasil
Os barrageiros passavam a semana batendo laje e nos dias de folga iam aos bordéis para aliviar as tensões de um extenuante trabalho controlado com rigor militar. “Existia um interesse por parte da empresa em que os funcionários fossem extravasar suas angústias, neuroses, desejos, na zona do meretrício”, afirma o historiador Luiz Eduardo Catta no seu mestrado sobre o cotidiano na fronteira durante a construção da usina. Estima-se que, ao longo dos 10 anos das obras, ao menos 10 mil mulheres trabalharam nas mais de 30 casas de prostituição de Três Lagoas.
Os dias de pagamento na obra ocasionavam preparativos frenéticos nos bordéis, prevendo a chegada de ônibus e carros com os barrageiros. Itaipu pagava o salário em dinheiro, em um envelope com as cédulas. Parte disso ia parar na zona ou nos bailinhos espalhados pela cidade. “Os caras desciam daquele caminhão com o dinheiro na mão. Aí tomava [bebia] um pouco, ia botar no bolso e tinha um punga que levava o dinheiro. Era uma loucura”, recorda o policial aposentado Genésio Aparecido da Silva, que prendeu muitos barrageiros metidos em confusão na zona. “Era bem agitado nos dias de pagamento”.
O ex-barrageiro João Carlos Chaves reservava parte do salário para se divertir nos bordéis de Três Lagoas. “Na metade do mês, eu ia para lá e não queria nem saber. A farra era boa”, lembra. “Passava a noite lá e às vezes nem vinha no domingo”, disse, às gargalhadas. “Às vezes vinha na segunda”. (Continua)