Os brasileiros sem direitos
Quase dois terços da população estão excluídos da educação, da moradia adequada, do saneamento, da proteção social e da internet; com a violência policial, o Estado também nega o direito à vida
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Eles estão assegurados na Constituição ou em legislações específicas, mas 64,9% da população brasileira não têm pelo menos um dos seguintes direitos garantidos: à educação, à proteção social, à moradia adequada, aos serviços de saneamento básico e à internet. Os dados foram extraídos das Pesquisas Síntese dos Indicadores Sociais do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) 2017 e 2018. Os números podem ser piores, já que o relatório trabalha com o conceito de autodeclaração e só inclui os brasileiros que tenham domicílios, excluindo, portanto, moradores de rua. A situação de mulheres pretas ou pardas, sozinhas, e com filhos pequenos, é muito mais preocupante: atinge 81,3% delas. Entre os idosos, a gravidade da exclusão é praticamente a mesma: 80% deles estão à margem de tais direitos.
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É o caso de Júlia Marques, de 89 anos, e Pedro Leôncio de Sousa, de 87 anos. Ela mora às margens da BR-135, entre os povoados de Ponta da Ilha e Curva, no Maranhão. Ele mora na Rocinha, a maior favela do Brasil, localizada no Rio de Janeiro. Dona Júlia está no contingente dos sem direitos ao saneamento básico: não têm esgoto, água encanada e sua casa, construída de pau a pique, não é contemplada por coleta de lixo . Seu Pedro está no grupo populacional dos sem direitos à educação: é analfabeto. Figura entre os 7% dos brasileiros de 15 anos ou mais que não sabem ler e escrever, segundo o IBGE. Na categoria dos sem direito à educação, também são incluídos, além dos analfabetos, crianças e adolescentes de 6 a 14 anos que não frequentam a escola e pessoas de 16 anos ou mais que não têm o Ensino Fundamental completo. Ao todo, 28,2% estão enquadrados nela.
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Entre os estados, o Amapá é o que concentra o maior número de brasileiros sem direitos, com 95,7% da população excluída, praticamente em empate técnico com Rondônia, com 95,6%, seguido do Pará, com 95%. Clay Luiz Nascimento Cirilo, de 38 anos, está entre os paraenses sem moradia adequada. Ele tem 38 anos e mora com a mulher, Mirian Neves Aquino, de 24, e as duas filhas, Rebeca e Raiane, de 8 e 6 anos, em uma casa de um cômodo construída na ocupação Laércio Barbalho, localizada na Rodovia do Tapanã, bairro afastado do centro de Belém.

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Já entre os estados com o menor número de excluídos, incluindo a capital, está o Distrito Federal, com 41,7% da população sem ao menos um direito, seguido de São Paulo, com 42,9%, e do Rio de Janeiro, com 52,3%. Para dar rosto a essas pessoas que vivem à margem do que a Constituição assegura, o #Colabora, a Amazônia Real e a Ponte Jornalismo foram a três regiões do país. E decidimos criar uma sexta categoria: os sem direito à vida, vítimas da violência policial que assola o país. Segundo a Anistia Internacional, a polícia brasileira é a que mais mata no mundo. No Complexo da Maré, uma das maiores favelas do Rio, conversamos com Bruna Silva, mãe de Marcus Vinicius, de 14 anos, morto pelas forças da intervenção federal no Rio quando estava a caminho da Escola Estadual Vicente Mariano, em 20 de julho de 2018. Ele vestia uma camiseta do colégio no dia em que foi baleado. “O direito de vê-lo crescer me foi negado pelo Estado”, diz Bruna
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Leia aqui reportagem de Adriana Barsotti, com Carolina Moura, Catarina Barbosa, Edu Carvalho e Fausto Salvadori/ Fotos e vídeos: Daniel Arroyo e Yuri Fernandes / Infografia: Fernando Alvarus