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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

05
Jun20

O presidente apoiou a ditadura e elogiou o torturador coronel Ustra

Talis Andrade

Carlos Latuff on Twitter: "Weintraub compara a operação da PF ...

 

III - Comparações descabidas com nazismo desvalorizam memória do Holocausto

Paula Adamo Idoeta entrevista Avraham Milgram

 

BBC News Brasil - À medida que o tempo passa e nos distanciamos do Holocausto em si, e a memória está menos nas pessoas e mais em como os eventos são contados, o quanto isso interfere na percepção histórica e nos erros históricos sobre esse período?

Milgram - Apesar de terem passado quase 90 anos desde o início do Holocausto, a memória continua não só viva, como tem uma presença muito grande na cultura ocidental em geral, em especial nos países europeus. (...)

(Na época da Segunda Guerra), havia setores das sociedades europeias que colaboraram com o fascismo local, como na França, na Hungria, na Eslováquia, na Croácia e em outros lugares. Até hoje há polêmicas e discussões em relação a em que nível os franceses colaboraram com os alemães.

Houve países em que quem fez todo o trabalho de implementar a política de discriminação racial foram os locais. Isso correu na Hungria, na Ucrânia. É um problema central na história e na memória desses países.

Mas (sobre o distanciamento histórico) estou percebendo algo na esfera pública brasileira: que tanto a direita quanto a esquerda têm usado motivos e imagens do Terceiro Reich e da Alemanha para atacar e criticar o campo oposto. E o que falei em relação ao Abraham Weintraub critico também e recrimino em relação à esquerda. Nisso quero ser justo e ter o bom senso de dizer a ambos que, por favor, deixem as vítimas em paz e não façam comparações macabras com a única razão de desacreditar o campo oposto e inimigo.

Vejo muita ignorância nas opiniões e nas polêmicas. Não se trata tanto da memória aqui, mas da politização da memória.

A memória é fundamental para aprender do Holocausto e não repetir fenômenos que ocorreram na Europa nos anos 1930 e 40, contra a minoria judaica e outras vítimas - os judeus foram a principal, mas não foram as únicas vítimas.

As principais lições, esses políticos que estão usando e abusando da história, eles não aprenderam: a importância de uma sociedade civil, de direitos humanos, da democracia, da dignidade humana e da decência. E tomar cuidado com ofender o oponente e qualquer um.

Nisso acho que o uso do Holocausto não é o principal que está ocorrendo no Brasil, mas sim a incapacidade - ou falta de vontade - de aprender o necessário desse capítulo histórico para melhorar a vida civil e coletiva.

Associações como a feita por Weintraub (significam) que ele não aprendeu nada, pelo contrário. É simplesmente o que ocorreu na Alemanha contra judeus: desvirtuar a verdade, falta de civismo, de respeito.

Você falou antes em perigoso, mas acho que o uso de abuso da história é mais do que tudo prejudicial.

 

BBC News Brasil - Em nossa entrevista anterior, um ano atrás, o senhor falava da diferença entre o populismo e o fascismo, e das comparações feitas atualmente com o período fascista. Isso também é uma incorreção histórica?

Milgram - Acho que hoje em dia se fala mais em populismo do que em fascismo. Em geral a esquerda tem uma tendência maior em usar a palavra fascismo; a sensibilidade salta e (comparam) com o fascismo.

Mas o fenômeno de hoje em dia é mais populista do que fascista. Porque para o fascismo era fundamental destruir o sistema parlamentar, republicano, democrático e civil.

O sistema populista convive com todas essas instituições que mencionei. Convive, se baseia nele e o explora para objetivos que são antidemocráticos e anticivis, como o culto à personalidade, culto ao líder, concentração de poder, e ao mesmo tempo mantendo as instituições, mas desarmando-as e descaracterizando-as, sem eliminá-las.

O fascismo foi mais direto. Substituiu uma ordem por outra.

 

BBC News Brasil - A Folha de S.Paulo noticiou que o ministro Celso de Mello, do STF, escreveu mensagem a colegas da Corte comparando o Brasil atual ao da ascensão de Hitler: "Guardadas as devidas proporções, o 'ovo da serpente', à semelhança do que ocorreu na República de Weimar (1919-33), parece estar prestes a eclodir no Brasil. É preciso resistir à destruição da ordem democrática, para evitar o que ocorreu na República de Weimar quando Hitler, após eleito pelo voto popular e posteriormente nomeado (...) chanceler da Alemanha, não hesitou em romper e nulificar a progressista, democrática e inovadora Constituição de Weimar, impondo ao país um sistema totalitário de poder". É possível traçar paralelo entre o Brasil de hoje e aquele período?

Milgram - (...) Sobre o enfraquecimento das instituições democráticas e a criação de um clima em que a exceção, a força e o autoritarismo imperam e essa erosão da sociedade civil, há uma grande diferença entre Weimar e Brasil. Porque Weimar (como era conhecida a República alemã entre 1919 e 33) foi corroída por grupos tanto da direita quanto da esquerda que não estavam no poder e queriam atingir o poder.

No Brasil - e não só no Brasil, mas nos EUA, Israel, Hungria, Polônia, ou seja, onde há tendências políticas populistas -, a democracia, a sociedade civil e as defesas civis estão sendo corroídas não por grupos de oposição que querem tomar o poder, mas pelos grupos que estão no poder, foram eleitos democraticamente e tendem a corroer e enfraquecer as instituições democráticas.

Na República de Weimar, isso era feito para desacreditar o governo, de baixo para cima, enquanto no Brasil é de cima para baixo.

Se há algo que posso entender da declaração do ministro Celso é um alarme ao enfraquecimento, à corrosão e ao perigo da diminuição da sociedade civil e instituições democráticas, com a grande diferença que a República de Weimar e sua Constituição eram contestadas tanto pela direita quanto pela esquerda.

No Brasil, não há isso, as instituições democráticas estão sendo contestadas pelo próprio presidente e pessoas em sua volta. (...) No Brasil e nos países que eu mencionei, a incitação vem do próprio corpo governamental contra minorias (imigrantes, por exemplo) ou contra inimigos reais ou virtuais, que são chamados de esquerda ou comunista.

 

BBC News Brasil - A despeito das diferenças que o senhor está mencionando, acha que há o risco de corrosão das instituições, como foi na República de Weimar, ou vê certo exagero nessa comparação?

Milgram - Não acompanho diariamente o que acontece no Brasil, mas as ameaças e o discurso de louvar a ditadura e de voltar à ditadura parece um anúncio de uma vontade de ir em direção a isso. Nisso, o Brasil é um pouco diferente de todos os outros países (de governantes populistas) que eu mencionei.

Como mencionei, nos regimes populistas, à diferença do fascismo, não é necessário fazer golpes para instituir ditaduras, porque o sistema autoritário coexiste dentro de um formato democrático. Mas no Brasil me refiro apenas a essa música de fundo - que às vezes não é de fundo, está na frente do palco, uma vez que o presidente é alguém que apoiou a ditadura e na época do impeachment de Dilma (Rousseff) elogiou o torturador (coronel Ustra). Nesse sentido, acho que o Brasil é uma exceção nos regimes populistas antiliberais e antidemocratas de hoje em dia.

 

BBC News Brasil - Com um risco maior de recaída antidemocrática?

Milgram - Sim, considerando a grande crise que o Brasil está passando, na economia, de diferenças políticas entre blocos de esquerda e direita e, em cima disso, o problema do coronavírus. São problemas que podem ser explorados para constituir essa volta ao que era nos anos 1960, 70 e início dos 80.

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