O Moro que sai de vítima do governo é o mesmo Moro que pariu Bolsonaro
II - A hegemonia da crueldade: Como uma elite raivosa enfiou uma faca no coração da democracia
por Maria Inês Nassif
- - -
A Lava Jato que prometia acabar com a corrupção do país se mostrou apenas um instrumento político das elites brasileiras, encerrada em si mesma: não existe Lava Jato para além da armação destinada a tirar o PT do poder, encarcerar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e permitir a ascensão da direita. O resto é fake news.
Esse processo termina agora numa cisão entre facções de classe e uma situação extremamente perigosa em que o grupo vitorioso é um exército de lumpens comandado por um Napoleão de sanatório que tem apoio das Forças Armadas, dos corpos policiais nacional e estaduais e das milícias que corroem a dignidade da população pobre nas periferias da grandes cidades (normalmente sob a liderança de egressos das forças policiais e militares). E encerra uma verdade incontestável: o Moro que sai de vítima do governo é o mesmo Moro que pariu Bolsonaro. A vítima é o algoz. Ambos são a mesma coisa. Não existe Moro sem Bolsonaro. Não existe Bolsonaro sem Moro. A operação Lava Jato foi a mensageira da destruição de um país que um presidente cruel quer completar. O STF, hoje atacado pela horda bolsonarista, é parte: rasgou a Constituição em 2005, quando passou a ser cúmplice do desastre que se avizinhava com o forjamento de um senso comum segundo o qual os governos do PT eram intrinsicamente corruptos e que o lugar da esquerda era na cadeia – a original saída de condenar sem provas pelo instituto do “domínio do fato” ficará na história da mais alta corte brasileira, marcada em brasa na sua pele. O ministro Teori Zavaschi – o relator da Lava Jato que dava substância jurídica às investigações do caso artificialmente montado por um obscuro juiz de primeira instância do Paraná que ganhou notoriedade nacional – morreu em um acidente aéreo em 2017, e a partir dessa tragédia a máscara do Judiciário caiu completamente: o STF deixou de ser uma corte constitucional para tornar-se o carrasco que leva à forca qualquer um que se configure obstáculo à volta dos donos de poder de fato ao poder de direito. A cruel elite brasileira conquistou a maioria do Supremo Tribunal Federal (STF) antes de embarcar com armas, bagagens e financiamentos de campanha na eleição da extrema-direita, em 2018.
Não por outro motivo pareceu tão natural que Moro, juiz concursado, no governo Bolsonaro, fosse escolhido ministro de Bolsonaro nas primeiras horas após a declaração da vitória eleitoral do representante da extrema-direita. (Continua)