NOÉMIA DE SOUSA POESIA
A MINHA DOR
Dói
a mesmíssima angústia
nas almas dos nossos corpos
perto e à distância.
E o preto que gritou
é a dor que se não vendeu
nem na hora do sol perdido
nos muros da cadeia.
AFORISMO
Havia uma formiga
compartilhando comigo o isolamento
e comendo juntos.
Estávamos iguais
com duas diferenças:
Não era interrogada
e por descuido podiam pisá-la.
Mas aos dois intencionalmente
podiam pôr-nos de rastos
mas não podiam
ajoelhar-nos.
GRÃO D´AREIA
Um só ínfimo grão de´areia
nunca imaginei
pesar tanto...
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eu depondo
no clássico ritual
sobre o nosso adeus
constrangidos torrões
à mancheias.
EM VEZ DE LÁGRIMAS
Só um choro em seco
põe no vértice da minha dor
o mais intenso
auge do luto.
INFELIZMENTE JAMAIS
No instintivo temor das ruas
Maria hesitava nos passeios
até não pressentir
o mais fugaz
presságio.
Contorno de sombra
à berma de uma além –asfalto
fatal presságio da rua
infelizmente já não
a intimida.
Cumprido o funesto prenúncio
já atravessava uma avenida
infortunadamente já nenhum risco
intimida o espírito
de Maria.
Doentiamente eu amaria ver
Maria ainda amedrontada
e nunca como depois
em que já nada a intimida.
SACRÁRIO
Ausência do corpo.
Amor absoluto.
Hosanas de Sol.
De chuva.
De areia.
E andorinhas
resvalando as asas
no consternado ombro cinzento
de uma nuvem.
E uma hérbia mantilha
teu sacrário
velando.
TE DEUM
Opressiva
a inquietude
no carrilar dos bronzes.
Libreto
de mil cactos
em mudo refrão dos desertos.
Dobre
de sinos
em solene Te Deum
de graças pela Maria.
TEIAS DA MEMÓRIA
Na baça melancolia do tecto
bilros de teia bordam solidão
enquanto meigos sussurros de sombra
no brilhante mutismo do espelho
recitam estrofes de poeira.
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Seleta Nelson Rossano