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30
Jul22

Mulheres de Atenas: entenda a crítica de Chico Buarque (escute a música)

Talis Andrade

Mulheres de atenas: entenda a crítica de Chico Buarque

 

Você conhece a música Mulheres de Atenas, de Chico Buarque? Descubra o que o autor queria realmente criticar por meio desta obra e como as cidadãs gregas, que inspiraram a composição, viviam no passado

 

Em primeiro lugar, precisamos nos lembrar que Chico Buarque compôs a música Mulheres de Atenas no ano de 1976, durante o período do Regime Militar. Portanto, ele não tinha a liberdade de expressão que temos hoje.

Por isso, nem ele nem outros artistas daquela época expressavam suas críticas ou opiniões abertamente, em público. Muitos deles usavam metáforas para falar do que não concordavam, fosse na sociedade ou no governo do país.

Portanto, embora em toda a música o autor conclame as pessoas a imitarem o exemplo das mulheres de Atenas, ele etá na verdade fazendo uma crítica. Ele está mostrando que, naquele momento, vivíamos em uma sociedade patriarcal em que a mulher não tinha voz nem direitos, onde seus desejos eram anulados.

Veja alguns trechos e as ideias que eles transmitem:

  • submissão: vivem para os seus maridos, se perfumam, se banham com leite e se arrumam; quando fustigadas não choram: se ajoelham, pedem e imploram; não têm gosto ou vontade, defeitos ou qualidades (despersonalização); têm medo, apenas; não têm sonhos, só tem presságios;
  • supremacia masculina: os maridos são chamados de “orgulho e raça”, “poder e força”, “bravos guerreiros”, “heróis e amantes” de Atenas;
  • atuação exclusivamente doméstica: quando eles embarcam, soldados, elas tecem longos bordados (inclui a noção de futilidade, já que bordado é um “enfeite”);
  • servidão sexual: guardam-se para seus maridos, ficam em quarentena quando eles embarcam, estão à disposição quando retornam, suportam traições;
  • procriam para alimentar a guerra: geram para seus maridos os novos filhos de Atenas;
  • sofrem perdas devido à guerra: temem por seus maridos, jovens viúvas marcadas, gestantes abandonadas, vivem o luto, se conformam e se recolhem às suas novenas;

Portanto, de forma até irônica, Chico Buarque se refere à sociedade patriarcal. Ele canta o exemplo das mulheres de Atenas mas, na verdade, está criticando um mundo em que não existe direitos iguais para pessoas de gêneros diferentes.

Porém, essa é a crítica feita no primeiro plano. Em segundo plano, temos uma ainda mais forte. Esse homem poderoso e autoritário representa também o Estado, a ditadura militar.

Veja que ele não fala para as mulheres se inspirarem nas mulheres de Atenas. O convite dele é para todos, não existe um único destinatário.

O que ele diz, com isso, é que a ditadura impunha a todos os brasileiros uma situação semelhante às das atenienses. Os cidadãos eram maltratados e não tinham o direito de chorar, não tinham gosto ou vontades. Seus sonhos haviam dado lugar aos presságios. Como canta na música, “tinham medo, apenas”.

E não é só isso: assim como a guerra, a ditadura levava maridos que lutavam pela liberdade, e que nunca mais retornavam. Quantas mulheres, nesse período, viram seus filhos serem torturados, mortos e desaparecidos depois de enfrentarem as forças de repressão? Portanto, a crítica social e política estão camufladas na letra.

 

Mulheres de Atenas: a História por trás da música

 

Vale lembrar que esse tipo de música nos faz criar paralelos entre o presente (no caso de Chico Buarque) e o passado (as verdadeiras atenienses). Então, nada melhor que descobrir como elas viviam.

Dificilmente, alguma mulher da atualidade gostaria de ter vivido na sociedade grega. Existia uma distinção clara entre os gêneros, com papéis sociais e políticos muito bem definidos.

Enquanto os homens tinham acesso ao poder e à glória — eles eram os políticos, os guerreiros e comerciantes — as mulheres tinham uma vida totalmente submissa. Elas sempre ficavam sob a tutela de um membro da família do sexo masculino, fossem eles seus pais, maridos ou filhos, caso ficassem viúvas.

Mesmo dentro de casa, as meninas eram separadas de seus irmãos e permaneciam em uma área isolada da casa: o gynaikeion. Elas raramente saíam à rua e, para que isso acontecesse, deviam ser acompanhadas dos maridos ou pais, sempre vestidas da cabeça aos pés.

 

A mulher grega e o casamento

Mulheres de atenas

O único destino possível para a mulher era o casamento. Aliás, tratava-se de um dever religioso e cívico: ao formarem uma família, elas tinham o privilégio de procriar para gerar novos soldados para o país. Caso a esposa fosse infértil, o homem tinha o direito de se divorciar. Caso ela o traísse, ele poderia exigir a separação ou mesmo matar a infiel em público.

Do lado masculino, tudo era diferente. Eles não só tinham o direito de trair suas esposas, mas de manter relacionamentos extraconjugais tanto com mulheres quanto com outros homens. Aliás, o envolvimento entre um homem maduro e um jovem — uma prática chamada pederastia — era até incentivada pela sociedade.

A única outra alternativa para mulheres na Grécia era a prostituição. Sólon, um dos governantes do país, criou um dos primeiros bordéis públicos. A situação da mulher era realmente complicada. Um filósofo ateniense deixou registrado que os homens gregos tinham “cortesãs para dar prazer, concubinas para as necessidades diárias e esposas para dar filhos legítimos e guardar fielmente os lares”.

Sempre vale a pena lembrar que julgar antigas culturas e costumes a partir de nossos próprios valores não é o mais adequado. Embora algumas dessas situações sejam inadmissíveis hoje (embora algumas ainda aconteçam), é importante verificarmos que o momento histórico era outro.

Portanto, a cultura que temos hoje e a nossa compreensão desses fatos é resultado de um longo processo histórico. Os cidadãos daquele tempo não tinham os mesmos conceitos e valores que possuímos na atualidade. Portanto, suas ações refletem o que era comum, aceitável e até mesmo admirável em sua época.

E você, já conhecia a música Mulheres de Atenas? Sabia que ela se referia a um contexto social e político, sendo uma crítica velada não só à estrutura patriarcal, mas também à ditadura militar? Entenda melhor por que é tão importante discutir a posição da mulher brasileira na sociedade.

[As mulheres gritaram nas ruas 'ele, não'. 

As mulheres gritaram nas ruas 'fora genocida!']

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Ele não, na Cinelândia, Rio

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No Paraná, 65 mil pessoas dizem #elenão em mais de 20 | Cidades

Ele não, em Curitiba

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Ele não, no Largo do Batata, em São PauloEstudante do interior do Ceará vê sua criação viralizar como símbolo da  campanha #EleNão - 28/09/2018 - Ilustrada - Folha

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