Uma operação policial fruto de um ano de trabalho de investigação, inteligência e cooperação que culmina, não com a prisão, mas com a morte de um foragido peça-chave em casos que movimentam a República. Isso é um grande azar ou um caso de queima de arquivo.
O sociólogo e estudioso das milícias, José Cláudio Souza Alves, aponta para evidências de que a morte do ex-capitão do Bope, Adriano Magalhães da Nóbrega, durante operação conjunta das polícias da Bahia e do Rio de Janeiro, no domingo (9), seja um exemplo da segunda hipótese. Uma queima de arquivo.
Acusado pelo Ministério Público de ser chefe do grupo miliciano que atua na região de Rio das Pedras, zona oeste do Rio, Nóbrega estava foragido havia um ano. Localizado na Bahia, ele estava num sítio no município de Esplanada, no interior do estado.
Na versão das polícias, o ex-PM teria reagido com tiros à ordem de prisão. Ferido, foi levado ao hospital, onde não teria resistido aos ferimentos. Uma funcionária do hospital, no entanto, disse à Folha de S.Paulo que Nóbrega já chegou morto ao local.
"Uma operação de cerco lida mais com paciência, espera, controle e dissuasão do que com um confronto direto", avalia Alves, que é professor da UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro) e autor do livro "Dos Barões ao Extermínio - Uma História da Violência na Baixada Fluminense" (APPH, 2003), em que remonta as origens das milícias do Rio de Janeiro a partir dos grupos de extermínio que funcionam da região desde os anos 1960.
"Estamos falando de um quadro simplificado: um cerco a uma casa no campo. Investiram recursos públicos para desembocar naquilo que é o oposto do desejável. É inacreditável."
Por que a morte de Adriano é suspeita de ter sido um caso de queima de arquivo?
Ele não estava em Rio das Pedras, na zona oeste do Rio, armado até os dentes e cercado de outros milicianos do seu grupo. Ele não está numa favela, um território com alta complexidade onde não existe nitidez sobre quem é quem, numa configuração espacial urbana que dificulta a operação. Ele estava numa residência em um espaço rural no interior da Bahia.
Como o fator surpresa estava nas mãos dos investigadores, se o objetivo fosse prendê-lo, os policiais poderiam eleger o momento ideal para isso e fazer um cerco. Não há plausabilidade na situação descrita pela polícia de que ele teria reagido, se ferido e acabado morto. Na minha visão, é uma operação suspeita.
O Adriano era um cara com ampla experiência nesta área. Atuou no Bope. Numa condição de cerco, ele saberia que não teria chance alguma e se entregaria. Tudo indica, portanto, que partiram de um plano para eliminá-lo.
Mas ele pode ter, ainda assim, reagido...
Esse procedimento de cerco lida mais com paciência, espera, controle e dissuasão do que com um confronto direto. E estamos falando de um quadro simplificado, numa casa no campo, e não numa favela ou numa malha urbana, com milhares de variáveis.