Medicina e economia
No Brasil, médico já foi ministro da fazenda, uma esbórnia; general, ministro da saúde, uma tragédia
por Gustavo Krause
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Recentemente, três livros ajudaram a compreensão da minha extensa ignorância.
O primeiro é de autoria do renomado economista André Lara Resende – Camisa de Força Ideológica – que questiona o dogmatismo fiscalista e a ortodoxia monetária sem meias palavras: “Sem um Estado competente e responsável não há como pensar em desenvolvimento, agora com a obrigação de ser socialmente inclusivo e ambientalmente sustentável […] É imperativo encontrar uma forma de governança que impeça o mau uso pelo Estado do seu papel de credor primário, da sua faculdade de criar crédito sem lastro, mas que ao mesmo tempo não o impeça de investir no aumento da produtividade e do bem-estar".
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Ao debate, acrescenta “Uma radicalização impaciente que ameaça até mesmo as instituições e a democracia”.
O segundo livro – Para NÃO esquecer. Política públicas que empobrecem o Brasil – não é uma provocação. Pelo contrário, tem conteúdo enciclopédico; é obra de interesse público, gratuitamente disponível (Iniciativa do Insper, Brava, Autografia) e pedagogicamente instrutivo pela amplitude dos 25 capítulos, análises de 33 especialistas, sob a organização do Professor Marcos Mendes que “foca o que deu errado, o que temos de evitar, tarefa fundamental para acertarmos o passo para um futuro maior”.
Em seguida, ao iniciar a leitura de A Economia Desumana, obra parceira do economista político David Stuckler, da Universidade Bocconi, Milão, com o epidemiologista Sanjai Basu, me deparei com a frase de autoria do médico alemão, prolífico escritor e reformador social (pai da patologia), Rudolf Virchow (1821-1902) “A medicina é uma ciência social e a Política não é outra coisa senão a medicina em grande escala”.
Em 1848, recebeu a tarefa do governo da Prússia para investigar um surto de tifo numa região rica em carvão mineral e habitada por trabalhadores miseráveis. Em tom desafiador, produziu um relatório de 190 páginas, afirmando que a solução não era eliminar piolhos, matar ratos. Além das recomendações sanitárias, propôs reformas políticas, sociais, educacionais, bastante atuais: “A boa saúde não começa em hospitais e clínicas; ela inicia nas nossas casas, bairros, na alimentação, no ar que respiramos, na segurança das nossas ruas”. Para Virchow, a proximidade entre médico e população é um remédio universal.
No clima de um debate eleitoral sério sobre o futuro do País, os livros fortaleceriam o debate público, reiterando a lição de que escolhas têm consequências. E, sobre o assunto, serviria de alerta para os eleitores: no Brasil, médico já foi Ministro da Fazenda, uma esbórnia; general, Ministro da Saúde, uma tragédia.