Mandato de pai para filho: por que sobrenome ainda deve contar nestas eleições
Filhos de Bolsonaro, Kátia Abreu, Eduardo Cunha, Sérgio Cabral e Marcelo Crivella tentam vagas no Senado e na Câmara nas eleições de outubro
por Nathalia Passarinho
BBC
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Em comum, eles têm sobrenomes conhecidos no mundo político e a ambição de seguir os passos dos pais. Contam, além disso, com a "sorte" de poder sonhar alto - dão seus primeiros passos nas urnas já tentando vagas na Câmara e no Senado.
Centenas de filhos, maridos, esposas e netos de políticos registraram suas candidaturas na Justiça Eleitoral até o dia 15 de agosto - a data limite.
São muitos os estreantes. João Campos (PSB), 24 anos, filho do ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos, morto em um desastre aéreo quando concorria à Presidência em 2014, vai encarar sua primeira eleição já como candidato a deputado federal.
Danielle Dytz Cunha, filha do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, que está preso, também não pensou "pequeno" e estreia na política disputando vaga na Câmara dos Deputados pelo MDB do Rio de Janeiro.
Já Marcelo Crivella Filho conta com o apoio do pai, que é prefeito do Rio de Janeiro, para alcançar uma vaga de deputado federal. É a primeira eleição dele.
Eduardo Bolsonaro, filho do candidato à Presidência Jair Bolsonaro, tenta se reeleger como deputado federal.
O irmão mais velho dele, Flávio Bolsonaro, está no grupo dos que tentam alçar voos maiores que em 2014: quer saltar direto de deputado estadual no Rio de Janeiro para senador.
Irajá Abreu, filho da senadora Kátia Abreu, que é vice na chapa de Ciro Gomes à Presidência, vive situação parecida e tenta trocar a Câmara dos Deputados pelo Senado.
Pais e filhos
Enquanto tenta se eleger governador de Alagoas, o senador Fernando Collor quer garantir um sucessor no Congresso, seu filho Fernando James Collor, candidato a deputado federal.
Os dois vão percorrer o Estado nordestino juntos para tentar derrotar outra dupla de pai e filho com tradição na política: Renan Calheiros (MDB), que tenta a reeleição ao Senado, e Renan Filho, que quer se reeleger governador de Alagoas.
No Pará, outro político tradicional do MDB, Jader Barbalho, candidato ao Senado, percorre o Estado em campanha com o filho Helder Barbalho, que tenta se eleger governador. Os dois lideram as intenções de voto.
E, enquanto o ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral segue preso, acusado de comandar um esquema de corrupção, o filho dele, Marco Antônio Cabral, faz campanha para se reeleger deputado federal.
Sistema político que favorece eleição de parentes
Dados referentes à última eleição indicam que, para a Câmara, o sobrenome contou, e muito, na última disputa. Levantamento feito pelo Transparência Brasil, instituto voltado ao monitoramento de órgãos públicos, revelou que 49% dos deputados eleitos em 2014 eram filhos, netos, esposas ou maridos de políticos com mandato - um aumento de cinco pontos percentuais em relação aos eleitos em 2010.
Entre os deputados federais com até 35 anos, 85% dos eleitos em 2014 são herdeiros de famílias políticas.
Para especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, o sistema político-eleitoral brasileiro continuará a favorecer candidatos que tenham fortes ligações com lideranças partidárias, ainda que haja uma rejeição popular à política e a políticos tradicionais.
Mas como os clãs políticos surgiram e se perpetuaram?
Segundo Carolina da Paula, o compadrio e a transmissão de mandatos de pai para filho sempre existiram no Brasil e remontam à época em que o país era colônia de Portugal. O território foi dividido em capitanias hereditárias, cada qual administrada por alguém nomeado pela Coroa portuguesa. O controle da terra, como o próprio nome dizia, era passado de pai para filho.
"Acredito que essa cultura tem a ver com esse aspecto da transferência hereditária de poder e terras, que remonta à história colonial", afirma.
Ela destaca que, historicamente, ao assumir um mandato, muitos políticos articulam a nomeação de parentes no gabinete e de aliados - o chamado nepotismo cruzado - ou em postos de visibilidade nas bases eleitorais, pavimentando o caminho para que esses familiares sejam eleitos no futuro.
Nas regiões mais pobres, o clientelismo reforça a manutenção de famílias no poder, na medida em que os eleitores vinculam o voto à manutenção de benefícios pontuais, como bolsas e vales. [Transcrevi trechos]