FARDADOS PASTORES FINGEM SER PMS PARA INTERNAR USUÁRIOS DE DROGAS À FORÇA EM BRASÍLIA
Parece polícia, mas é religião: grupo foi denunciado ao Ministério Público e à Secretaria da Segurança Pública do Distrito Federal em fins de julho
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FAZ SUCESSO nas redes sociais um vídeo em que carros grandes e pintados de preto, com os giroflex ligados e ocupados por homens fardados, estacionam à noite ao lado de um grupo de jovens negros na favela do Sol Nascente, em Ceilândia, periferia do Distrito Federal. Em vez de uma ordem para se virarem contra a parede, porém, os adolescentes passam a ouvir pregação bíblica.
É difícil perceber, ainda mais no escuro, mas se trata de um grupo de evangélicos que decidiram usar fardas. Eles fingem ser policiais militares para fazer pregações e convencer usuários de drogas a aceitarem internação em comunidades terapêuticas cristãs – mesmo sem indicação médica ou ordem judicial.
Os “agentes”, como se autodenominam, vestem o que parecem ser coletes à prova de balas, distintivos que imitam os de polícias e rádios para comunicação. Os carros foram adaptados para parecerem viaturas, com direito inclusive a cela para presos na traseira.
A prática é ilegal. A lei de contravenções penais estabelece nos artigos 45 e 46 que é crime fingir ser funcionário público ou usar, publicamente, uniforme ou distintivo de função pública que não exerce. A pena pode chegar a cinco anos de prisão.
Mas a Polícia Militar do Distrito Federal faz que não vê, e assim o grupo de pastores evangeliza por intimidação há quase dez anos, desde 2011. O Batalhão da Patrulha da Paz, como o grupo se intitula, só agora entrou na mira de autoridades. O grupo está sendo investigado pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara de Deputados do Distrito Federal, que também denunciou o caso ao Ministério Público e à Secretaria de Segurança Pública do DF em 29 de julho.
A denúncia contra a patrulha chegou às autoridades na quarta-feira passada, quando o grupo estava na favela do Sol Nascente. Na abordagem, a luz vermelha das viaturas ilumina um homem fardado levantando um aparelho de som que toca música gospel. Enquanto os pastores fantasiados cantam, os jovens abordados mantêm a cabeça baixa, como quem espera a revista policial.
O presidente da comissão, Fábio Felix, deputado distrital pelo PSOL, afirma que as ações se aproximam mais de “violência, coação e constrangimento” do que de uma ação evangelizadora. “Eles simulam ser uma força do estado para abordar pessoas em situação de extrema vulnerabilidade. Isso no mínimo serve para confundir as pessoas, que imaginam que eles são militares de verdade”, ele me disse.
Vídeos publicados na página do grupo e em redes sociais mostram os integrantes da patrulha fazendo treinamentos de defesa pessoal e artes marciais. Antes e depois, há orações e hinos religiosos. O pastor que lidera o grupo, Gilmar Bezerra Campos, jura que o grupo nunca aplicou as técnicas de autodefesa contra moradores de rua.
A Comissão de Direitos Humanos, porém, apurou que os agentes “realizariam ações de violência contra pessoas em situação de rua, constrangendo-as e, em alguns casos, levando de forma forçada para internação em comunidades terapêuticas para tratamento de pessoas que usam drogas”. (Continua)