Exclusivo DCM: mensagens mostram que Lava Jato montou anteprojeto ilegal que beneficiaria Deltan e atentaria contra o MP
Gustavo Badaró, doutor em Direito Processual pela USP, criticou a tentativa de legalização de provas ilícitas em dezembro de 2015 em um artigo no Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, o IBCCRIM. Especialistas consultados pelo DCM comentaram o teor desses diálogos.

Roberto Tardelli é advogado e ex-procurador de Justiça de São Paulo. Tornou-se conhecido no Ministério Público ao cuidar da acusação de Suzane Von Richtofen e dos irmãos Cravinhos.
“Qualquer categoria profissional pode se mobilizar por melhores condições de trabalho. Pode querer melhorar a qualidade de vida daqueles que exercem essa profissão de procurador. É absolutamente dentro da regra do jogo que procuradores, promotores e juízes se mobilizem para garantir vitalicidade, aumentar salário, criar melhor infraestrutura. Isso está na regra do jogo democrático”, diz.
“O que não está na regra do jogo democrático é essa categoria profissional se organizar para criar uma brecha que contraria a essência dela. Digo o seguinte: O MP tem assento constitucional. Na Constituição, o Ministério Público tem o dever de manter a ordem jurídica. Essa ordem jurídica é composta, entre outras coisas, de um conjunto de direitos fundamentais que estão no artigo quinto. Eles são as nossas joias, os nosso diamantes jurídicos”.
Para Tardelli, “eles não podem organizar um projeto de lei que atente um dos princípios mais caros à Constituição que é a inadmissibilidade das provas ilícitas. Isso não diz respeito somente à interceptação telefônica, diz respeito à tortura, integridade física da pessoa que fica absolutamente comprometida, desprotegida, porque não existiria mais nenhum tipo de proibição de informação falsa ou verdadeira desse tipo de colheita de prova”.
O ex-procurador prossegue: “Os procuradores simplesmente não podem fazer isso. Quando eles demonstram que querem fazer isso, eles traem o compromisso mais evidente e basilar do Ministério Público. Se a gente for acusado de toda a forma, não vamos nos livrar de acusação alguma. O atributo de processar alguém, que só o MP tem, está sujeito a uma série de regramentos. Eles vivem um delírio. Esse delírio de megalomania, de superioridade moral, jamais ventilou que eles pudessem ser alvos dessa caça. Na verdade isso era para tirar a mordaça da alcateia de lobos. Era para que a gente vivesse num Estado de terror. Profundo Estado de terror. Que eles liderariam.”
Segundo Tardelli, “se as provas ilícitas fossem legalizadas, Dallagnol e companhia estariam, pelo menos, utilizando uma tornozeleira eletrônica. Eles queriam a criação de uma ordem autoritária que acabaria punindo eles mesmos. Há evidente conflito de interesses nessa ideia.”
O jurista Lenio Streck, advogado e professor da Unisinos, acrescenta que “procuradores não são deputados, mas poderiam oferecer sugestões e anteprojetos desde que não sejam inconstitucionais e imorais. O que eles fizeram é moralmente inadmissível, antirrepublicano e deslustra a história do MP. Que feio!”
“Ainda bem que o projeto foi ‘chumbado’ no parlamento. Seria uma vergonha para o mundo admitir prova ilícita em processo. O Ministério Público é o guardião dos direitos e não pode ser o algoz. Quem propôs essa monstruosidade deveria fazer uma autocrítica porque é uma violação ética forte”.
E finaliza:
“Propor inconstitucionalidade é violar a própria República. É como o Papa propor a revogação da Bíblia”.
Precedente perigoso
De acordo com uma reportagem publicada em setembro de 2019 de Leandro Demori, do The Intercept Brasil, e de Reinaldo Azevedo, da BandNews, o advogado Modesto Carvalhosa entrou com dois pedidos de impeachment contra o ministro Gilmar Mendes: um em abril de 2018 e outro em março de 2019.
O texto dos pedidos de impedimento contra Gilmar foi escrito pela procuradora Thaméa Danelon e revisado por Deltan Dallagnol. A atitude dos dois procuradores, em conluio com um advogado, foi retratada na época como “imoral” e também “ilegal”.
Aquele foi um dos exemplos de como figuras impulsionadas pela Lava Jato estavam tentando influenciar o debate público para suas pautas, afrontando os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e a própria Constituição.