Saltar para: Post [1], Comentar [2], Pesquisa e Arquivos [3]

O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

O CORRESPONDENTE

27
Nov20

Desinformação e violência na política: as armas contra Manuela D'Ávila

Talis Andrade

manuela e filha.jpg

Revolução Laura: Reflexões sobre maternidade e resistência | Amazon.com.br

 

Helena Martins

Manuela D'Ávila (PCdoB), que despontou nestas eleições como favorita na disputa pela prefeitura de Porto Alegre, enfrenta mais um momento desafiante em sua trajetória política. De acordo com pesquisa Ibope divulgada nesta terça-feira, 24, Sebastião Melo (MDB) tem 49% e Manuela, 42%. Quando considerados os votos válidos, são 54% e 46%, respectivamente. A margem de erro, os sempre imponderáveis últimos dias de campanha e o resultado concreto das urnas podem levar a mudanças, claro. Mas contra Manuela, que terminou o primeiro turno apenas 2% atrás do adversário, pesam as campanhas de desinformação com teor explicitamente misógino.

Nas redes, crescem ataques pessoais combinados a conteúdos que buscam gerar medo na sociedade, a partir da mobilização de temas como o comunismo. O machismo fica nítido ao se observar o que circula em plataformas como o WhatsApp contra Manuela, imagens que opto por não expor aqui para reduzir a circulação da desinformação, ainda que sejam facilmente encontradas na internet. Muitas expõem e manipulam fotos da candidata, com ênfase em seu corpo e rosto. A aparência é o foco dos ataques. Tenta-se imputar a ideia de irresponsável. Em uma montagem são acrescidas tatuagens com rostos de líderes como Che Guevara e Lênin e uma frase que questiona o que seria a prefeitura liderada por ela. É feito também contraponto com o que seria a mulher ideal. Manuela tem tido sua imagem frequentemente comparada à de Michele Bolsonaro. Esta, sim, é apresentada como "recatada e do lar".

Uma postagem afirma que Manuela trocou 'o crucifixo no ânus por um escapulário católico' e agora, apenas por ser campanha eleitoral, vale-se de 'roupas recatadas'. Há ainda uso de uma fotografia de Manuela aos 15 anos, acompanhada do seu pai, insinuando que se tratava de seu namorado. Em outra, aparece a adolescente sozinha. A exposição vem acompanhada de uma legenda dizendo que Manuela odeia a foto, e convidando os outros a divulgá-la com o intuito de atacar a sua aparência "Só de marra vamos compartilhá-los ao máximo", diz o texto.

No Twitter, circula áudio atribuído à coordenação da campanha de Sebastião Melo (MDB), que lidera as pesquisas de intenção de voto no segundo turno da disputa à prefeitura de Porto Alegre, em que Manuela é chamada de "vadia". Divulgado pelo ativista Luiz Muller e por veículos como a Fórum, no áudio diz-se que: "Se entrar essa vadia ai vai ser um problema muito sério para a cidade". A autoria não foi confirmada.

Ataques envolvendo corrupção, suposta ditadura venezuelana e atrocidades atribuídas a regimes comunistas são lançados contra a candidata. Exemplo disso, circula boato de que ela teria sido presa por conta da delação da Odebrecht, processo já arquivado pelo Ministério Público. Com mais de 130 mil visualizações em apenas sete horas de disponibilização na segunda, 23, vídeo do canal Giro de Notícias intitulado "A PRISÃO DE MANUELA D'AVILA, O MAIOR ATAQUE DA MÍDIA NO BRASIL, POLÍCIA FAZ LIMPEZA". O conteúdo também está sendo compartilhado no WastApp, de acordo com o Radar da agência de verificação Aos Fatos.

Uma hashtag #ManuzuelaNão sintetiza essa vertente de ataques. Após o assassinato de João Alberto Freitas, morto por asfixia por seguranças do Carrefour, e os protestos em repúdio à execução na última sexta-feira, 20, Manuela também passou a ser responsabilizada. É o caso do conteúdo apresentado como notícia no portal Terra Brasil Notícias, que tem como lema "Deus acima de tudo e de todos". Link que destaca o título "Irresponsável: Comunista Manuela D'Ávila usou redes sociais para convocar protestos que terminaram em violência" tem sido compartilhado, assim como post adulterado de Manuela sobre o caso, no qual ela convocaria os protestos.1 - Captura do portal Terra Brasil Notícias - Captura do portal Terra Brasil Notícias

Captura de tela da divulgação de uma notícia do portal Terra Brasil Notícias sobre Manuela Imagem: Captura do portal Terra Brasil Notícias

 

Merece destaque o uso de adjetivo não só pejorativo, como contrário ao que o patriarcalismo diz ser esperado de uma mulher (responsabilidade, cuidado). Não é o mesmo tipo de ataque que vemos, por exemplo, no caso de Guilherme Boulos (PSOL), na disputa para a prefeitura de São Paulo.

A violência de gênero é explícita - ataques a candidatos homens são diferentes

O mesmo site Terra Brasil Notícias publicou: "Boulos" vira motivo de piadas nas redes após dizer que problema da previdência é número baixo de funcionários públicos". No Twitter, ganhou repercussão tweet em que Boulos teria escrito defender abrigar moradores de rua na casa de quem tem quartos vagos, o qual foi postado por uma conta falsa. Ainda no primeiro turno, como abordado aqui, acusação falsa de que teria contratado empresas fantasmas ganhou lastro. São, pois, temas relacionados ao conteúdo político, não aos atributos pessoais, muito menos ao corpo do candidato.

Embora se tratem ambos de políticos que abraçam visões de mundo de esquerda, há uma abordagem diferente, que leva a crítica para a dimensão pessoal no caso das campanhas arquitetadas contra Manuela. É o que vemos no texto também identificado pela Aos Fatos em grupos do WhatsApp: "A comunista patricinha, no primeiro turno vinha 'pagar de boa moça', acusava os adversários de fazer campanha suja contra ela, a mesma inclusive em seus lixos de propagandas na teve, disse que ela era contra isso, pois tinha projeto. Como todo mundo sabe, ELA TRAÍ, e agora ELA vem fazer no horário eleitoral a mesma coisa que ela julgava errado antes. Assim é o PT, PSOL, PCdoB e PDT, usam mulheres, usam vidas negras, usam todo mundo para chegar no poder. E você vai cai nisso, ou vai dar um "tapa de luva" nestes lixos e votando 15 em Melo".

O compartilhamento do link e a referência à "traição" mostram ainda a retroalimentação que se dá entre as mídias e também expressa como as violências contra as mulheres na política são recorrentes e perpetuadas, inclusive pela ausência de responsabilização. Como costuma ocorrer nas campanhas de desinformação, as agressões na rede são alimentadas por amplificadores, como o candidato Rodrigo Maroni (Pros), que no último debate do primeiro turno disse que Manuela "mentia e dissimulava". "Tu é patricinha mimada, poderia estar comprando bolsa no shopping. Se eu fosse abrir a boca, eu não acabaria com a carreira, mas com tua vida, Manuela", afirmou. No primeiro debate entre candidatos, Maroni, ex-noivo da pcdobista, também havia desferido ataques machistas contra ela, acusando-a de traição, o que foi amplamente repercutido na mídia.Por Que Lutamos - Um livro sobre amor e liberdade Em Portugues do Brasil:  Amazon.es: Manuela DAvila: Libros

O impacto eleitoral das campanhas de desinformação

Dadas a opacidade das plataformas digitais e a diversidade de canais de comunicação, é difícil precisar o volume dos ataques e seus impactos. Entretanto, a resposta judicial, sempre menor do que o que realmente ocorre, pois as investigações dependem dos conteúdos serem encontrados e denunciados, permite-nos traçar contornos do quadro. Ainda no primeiro turno, quando Manuela aparecia na liderança das pesquisas de intenção de votos, a Justiça Eleitoral determinou que Facebook, Instagram, Twitter e YouTube retirassem do ar meio milhão de compartilhamentos de conteúdo falso contra ela. O somatório refere-se a apenas dez postagens denunciadas. Não é inexpressivo.

Some-se a isso ainda o fato de campanhas de desinformação contra Manuela serem antigas e permanentes. Após dividir chapa com Fernando Haddad (PT) à presidência da República nas eleições de 2018, marcadas pelo fenômeno da desinformação e intolerância nas redes sociais, Manuela chegou a criar o instituto E Se Fosse Você?, uma organização não-governamental, e lançou o livro "E Se Fosse Você? Sobrevivendo às redes de ódio e fake news".

manoela livro.jpg

 

Estas campanhas desinformativas podem ajudar a explicar a alta rejeição de Manuela - 38%, de acordo com a pesquisa Ibope de 14 de novembro, um dia antes do primeiro turno. Em uma curta campanha eleitoral, mitigar efeitos ou mesmo mudar entendimentos acerca da candidata não é tarefa fácil, ainda mais quando a artilharia inimiga não dá trégua. Essa perseguição já era apontada como empecilho para a corrida eleitoral de 2020. Em artigo publicado neste Observatório em 31 de outubro, Céli Pinto sentenciava que o segundo turno em Porto Alegre contaria com a participação de Manuela e que não seria fácil. Entre os motivos, o fato de a candidata ser vítima desse tipo de violência política.

mulher violencia.jpg

 

Não é difícil concluir, e este Dia Internacional de Luta Contra a Violência à Mulher (25/11) vem para nos alertar mais sobre isso: campanhas de desinformação permeadas por misoginia são as principais armas utilizadas contra Manuela D'Ávila. Elas representam um grande entrave para que a parlamentar, que já acumula mandatos e experiência política, consiga alcançar a prefeitura de Porto Alegre. Uma situação que evidencia a violência que atravessa as vidas das mulheres que ocupam a política. Muitas têm seus corpos enfatizados, seus atos ignorados, suas opiniões diminuídas, seus espaços cortados. Com menos de uma semana para o pleito, parece difícil que haja tempo e condições para reverter a situação, até porque ela tem raízes na cultura e nas instituições.Bahia Notícias / Cultura / Notícia / Manuela d'Ávila lança novo livro em  Salvador na próxima segunda-feira - 05/11/2019

Livros

Manuela D'Ávila tem três livros publicados. O primeiro, Revolução Laura, foi lançado em março de 2019, e consiste num relato de suas experiências pessoais e políticas, vividas desde o nascimento de sua filha. Após o lançamento, percorreu o Brasil proferindo palestras.

O segundo livro, Por que lutamos?, foi lançado pela editora Planeta em outubro de 2019. Voltado para meninas e jovens. A publicação aborda didaticamente o feminismo.

Em agosto de 2020, Manuela lançou seu terceiro livro, E se fosse você?, sobre redes de ódio e notícias falsas, contando com o prefácio de Felipe NetoNa publicação, ela aborda casos de figuras públicas alvo das redes de produção de notícias falsas e conta como lida com esse tipo de conteúdo difamatório elaborado a seu respeito.

Comentar:

Mais

Comentar via SAPO Blogs

Se preenchido, o e-mail é usado apenas para notificação de respostas.

Mais sobre mim

foto do autor

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Arquivo

  1. 2024
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2023
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2022
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2021
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2020
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2019
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2018
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
  92. 2017
  93. J
  94. F
  95. M
  96. A
  97. M
  98. J
  99. J
  100. A
  101. S
  102. O
  103. N
  104. D
Em destaque no SAPO Blogs
pub