Denúncia contra Greenwald reforça debate sobre ataques à liberdade de imprensa
"Típico caso em que se culpa o mensageiro e se ignora a mensagem"
Procurador Wellington Divino de Oliveira, treze anos militar aliado de Bolsonaro
Portal Imprensa - A denúncia feita nesta terça, 21, pelo Ministério Público Federal contra o jornalista americano Glenn Greenwald, fundador do site The Intercept Brasil, por envolvimento no hackeamento de mensagens de autoridades, vem reforçando o debate sobre os ataques à liberdade de imprensa no Brasil.
Tendo recebido os diálogos de fonte anônima, Glenn foi denunciado sob acusação de associação criminosa, interceptação de comunicações e invasão de dispositivo informático. Se a Justiça receber a denúncia, o jornalista vira réu.
Segundo a denúncia, um diálogo demonstra que Glenn auxiliou, incentivou e orientou o grupo que invadiu as contas de Telegram na prática de crimes.
No diálogo, Luiz Molição, considerado porta-voz do grupo acusado, pergunta se deveria guardar ou apagar os arquivos das conversas hackeadas.
Glenn responde: “nós já salvamos todos [os arquivos], nós já recebemos todos. Eu acho que não tem nenhum propósito, nenhum motivo para vocês manter (sic) nada, entendeu?”
Para os defensores da liberdade de imprensa, o jornalista cumpriu a obrigação ética de proteger suas fontes e a escolha sobre apagar as mensagens coube ao grupo.
Segundo a denúncia do Ministério Público, porém, Glenn não respondeu "de maneira direta à questão levantada por Molição”, mas buscou “subverter a ideia de proteção a fonte jornalística em uma imunidade para orientação de criminosos”.
Porém, recente relatório da Polícia Federal sobre o caso afirmou que não havia evidência de participação de Glenn na ação dos hackers. O documento também é baseado no diálogo usado por Oliveira.
Sobre sigilo da fonte, o artigo quinto da Constituição diz que “é assegurado a todos o acesso a informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”.
Repercussão
As conversas obtidas por Glenn originaram uma série de reportagens conhecida como Vaza Jato, sobre desvios de conduta de autoridades e o uso político da operação Lava Jato.
Além do Intercept, outros veículos participaram da apuração e publicaram reportagens sobre as mensagens vazadas.
Juristas, entidades representativas da imprensa e veículos internacionais se solidarizam a Glenn e viram na atuação do MPF uma tentativa de ameaçar o jornalismo e a liberdade de imprensa.
Além de ter inspirado um editorial do New York Times nesta quarta (22), que classificou a acusaçãoc omo "típico caso em que se culpa o mensageiro e se ignora a mensagem", a denúncia do MPF foi criticada pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
Membro do MPF desde 2014, o procurador Wellington Oliveira, autor da denúncia, pode estar na mira do Conselho Nacional do Ministério Público. A investigação de conduta seria motivada pela tese de que o jornalista foi acusado sem abertura de inquérito ou depoimento prévio, o que infringiria normas do Ministério Público de oferecimento de denúncias.
Além disso, a denúncia de Oliveira ignora recente liminar do ministro Gilmar Mendes que blindou Greenwald de investigações no caso das mensagens vazadas.
Alinhado a Bolsonaro, Oliveria serviu ao Exército por 13 anos antes de ingressar no MPF. Em dezembro último, denunciou o presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Felipe Santa Cruz, sob acusação de calúnia contra Moro.