de Thereza Rocque da Motta
LIRA XXIII
Passou, passou o dia,
passou como nuvem,
branca e imensa
que cobre a montanha
e a faz desaparecer.
Passou o trinta de maio,
passou o dia de minhas bodas,
caiu a promessa por terra,
caíram os homens feridos,
caíram as cabeças de tantos
que passaram.
Fiquei reclusa em meu quarto,
fiquei presa no tempo,
fiquei retida entre os versos
não escritos,
palavras entre meus lábios
que eu não disse.
Nada mais foi dito,
nada mais houve.
Passei ao dia seguinte
como o primeiro passo
para dentro da morte,
aquela que seria
o resto de minha vida.
Nada mais vi
senão teus olhos claros,
nada mais ouvi
senão tua voz
em tuas liras
que serão lidas
para sempre.
Fui tua musa,
tua bela Marília,
a Marília de tuas liras
tão amadas.
Que mais serei
senão aquela
que te amou,
que foi a noiva idílica
de teus poemas?
Nunca fui outra,
nunca fui
senão eu mesma:
Marília branca,
Marília pura,
Marília noiva,
Marília silenciosa,
Marília única de teus versos.
Deste-me um anel que se perdeu.
Deste-me tua palavra que se foi.
Deste-me teu olhar que se lançou
no horizonte.
Partiste, e fiquei a te esperar,
mesmo sem nunca mais ver-te.
Para mim, jamais partiste.
Para mim, tu voltaste.
Para mim, nunca me deixaste.
---
Ouro Preto, 30/05/2013 – 20h50m, dia marcado para o casamento de Marília e Tomás Antônio Gonzaga, preso cinco dias antes acusado de fazer parte da Inconfidência Mineira, em 1789.
in "As liras de Marília", de Thereza Rocque da Motta, Ibis Libris, 2013.