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02
Nov19

“Contaminação por óleo no Nordeste deixará sequelas no ecossistema marinho, na saúde e economia local”

Talis Andrade

Geocientista e biólogo explicam como os componentes químicos do óleo são capazes de matar espécies marinhas, impossibilitar pesca e turismo e causar graves doenças, como câncer, nos seres humanos

 

Jovem retira na terça-feira o óleo que atingiu praia de Itapuama, no litoral sul de Pernambuco.

Jovem retira na terça-feira o óleo que atingiu praia de Itapuama, no litoral sul de Pernambuco.TERESA MAIA

 

pesadelo ambiental que o Nordeste brasileiro vive provavelmente se estenderá pelos próximos anos. O petróleo derramado no oceano Atlântico atinge o litoral há quase 60 dias e tem potencial para danificar, em alguns casos de forma permanente, tanto o ecossistema marinho como a economia local e a saúde humana. É o que explicam, em entrevista ao EL PAÍS, o geógrafo e geocientista Tiago Marinho, doutorando da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), e o biólogo André Maia.

Os especialistas consultados por El País acreditam que o Brasil já vive a maior tragédia ambiental de sua história. "O nível de contaminação química do petróleo é gritante, altíssima. Em águas isso se torna ainda pior, porque é conduzida para outros locais por causa das correntes marinhas. Essa é a maior preocupação", explica Marinho, que estuda a influência dos elementos no ecossistema e na vida do ser humano, além de ser ativista da ONG Greenpeace. "Vamos entrar agora numa fase de monitoramento dos ambientes costeiros, algo que demora de seis a nove meses de investigação. Ao menos durante esse tempo é recomendável evitar as áreas que tiveram contato com o óleo", alerta. Nesta quinta-feira, o Governo de Pernambuco anunciou que vai investigar, em conjunto com oceanógrafos da UFPE, a extensão do dano causado pela tragédia. Além dessa tarefa investigativa, há algo ainda mais urgente a ser feito: tentar evitar que o piche chegue a outros lugares, como o santuário de Abrolhos ou Fernando de Noronha, explica o geocientista.

O petróleo é um combustível fóssil que possui mais de 200 hidrocarbonetos. O benzeno, por ser cancerígeno, é considerado o mais tóxico de todos. Ainda que o piche que chega às praias seja retirado, esses componentes químicos continuam circulando pela corrente marítima sem que ninguém perceba a olho nu. "O cenário otimista é que algumas dessas áreas não tenha a presença do benzeno, mesmo as que tiveram algum contato com o óleo", explica Marinho. "O pessimista é a contaminação por benzeno. O ser humano não pode tomar banho se houver 0,7 mg por litro de água. A praia ficaria então imprópria para banho e para a pesca". Somente o processo investigação poderá definir o nível de contaminação de cada praia afetada. Assim, os danos ambientais no litoral no Nordeste ameaçam se estender para o turismo, a pesca e a culinária, pilares fundamentais da economia local. O desastre ambiental pode facilmente se tornar econômico e social.

Diante da lentidão das autoridades, milhares de pessoas vêm enfrentando o trabalho quase impossível de limpar as praias com as próprias mãos, muitas vezes sem qualquer tipo de proteção. Em Pernambuco, muitas delas tiveram que buscar clínicas e hospitais por causa de sintomas de intoxicação. "A curto prazo, essas toxinas causam dor de cabeça, náuseas, vômitos, dificuldade respiratória, dermatites e doenças de pele", explica o biólogo André Maia. O problema maior, porém, é que o benzeno é conhecido sobretudo por ser cancerígeno. "A longo prazo, essas pessoas podem ter problemas de origem respiratória, neurológica, circulatória e câncer. Essas pessoas deverão ser monitoradas pelo Governo pelos próximos 20 anos, para que se saiba os impactos do vazamento na saúde pública", opina.

O contato imediato com o óleo também faz com que espécies marinhas como corais, mariscos e peixes morram sufocados. “Pela quantidade de óleo que cai, é muito difícil salvar as estruturas que vivem nos corais. O que se percebe de morte na praia é uma pequena parte, uma proporção de 1 para 10”, explica Maia, que trabalha com a reabilitação e soltura de animais silvestres através de seu projeto, o Trilogiabio, e em parceria com órgãos ambientais e estaduais. “Isto é, se uma espécie morre no litoral, significa que 10 estão sofrendo ações piores em alto mar”, completa.

Outras espécies, mesmo que não morram, vão absorver o benzeno e outras toxinas liberadas na água. "Quando não morrem, seres como ostras, mariscos ou sururu, muito comuns em Pernambuco, filtram todo esse material, que vai se acumulando. Uma pessoa que se alimenta pode ter um problema de saúde sério associado a essa contaminação", explica Marinho. Maia complementa e explica como toda a cadeia alimentar pode acabar intoxicada: "Os animais que morrem intoxicados afundam em alto mar. Só que há outras espécies que se alimentam desses seres mortos. E aí esse produto começa a entrar na cadeia alimentar, realizando um processo que chamamos de biomagnificação [acúmulo progressivo de substâncias]", explica. E exemplifica: "Uma alga contaminada é comida por um peixe pequeno contaminado, que é comido por um peixe maior também contaminado, e assim sucessivamente. O final da cadeia é onde vai se acumular a maior quantidade de toxinas. E o final dela somos nós".

Leia mais: Como lidar com a contaminação

 

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