Casara: Procuradora que queria “atingir” a cabeça de Lula deixou claro que delações da Lava Jato foram fajutas
“Definir o escopo do acordo é escolher aquilo que precisa ser dito pelo delator para o acordo ser fechado. Negocia-se, então, com os valores “liberdade” e “verdade”, sacrificando-se esta sempre que necessário ao atendimento do escopo do inquisidor”.
O juiz Rubens Casara é um dos autores mais importantes no campo jurídico brasileiro.
Ele escreveu Estado Pós-Democrático: neo-obscurantismo e gestão dos indesejáveis, no qual argumenta que o Direito foi capturado pela lógica do neoliberalismo.
Publicou também Sociedade sem lei: pós-democracia, personalidade autoritária, idiotização e barbárie, ambos pela Civilização Brasileira.
Para Casara, na mensagem em que a procuradora Carol Rezende enviou a colegas da operação Lava Jato em 5 de março de 2016, há mais que o desejo de vingança expresso na frase “atingir Lula na cabeça”.
Um dia antes, o ex-presidente tinha sido alvo de condução coercitiva determinada pelo juiz federal Sérgio Moro.
Na mensagem, a procuradora disse que a Lava Jato não deveria assumir muitas brigas ao mesmo tempo.
“Se tentarmos atingir ministros do STF, por exemplo, eles se juntarão contra a Lava Jato, não tenho dúvidas”, escreveu, sugerindo que em vez disso a operação deveria se voltar, se tanto, contra o ministro mais novo do STJ.
Segundo a mensagem, na opinião de Carol o ex-presidente Lula e o senador Renan Calheiros eram alvos absolutamente prioritários naquele momento.
Por isso, ela queria “definir melhor o escopo” das delações premiadas que estavam sendo negociadas com a Odebrecht.
Para Casara, a frase da integrante do MPF é reveladora: “Definir o escopo do acordo é escolher aquilo que precisa ser dito pelo delator para o acordo ser fechado. Negocia-se, então, com os valores “liberdade” e “verdade”, sacrificando-se esta sempre que necessário ao atendimento do escopo do inquisidor”.
O juiz é crítico da maneira como as delações premiadas foram “importadas” para o Brasil.
“A delação premiada, em especial diante da importação acrítica desse instituto e da utilização pervertida no Brasil, é uma espécie de fórmula mágica para gerar condenações sem provas. Valores historicamente ligados a uma visão minimante democrática de jurisdição, como a “liberdade” e a “verdade”, tornaram-se negociáveis. E isso é muito grave, porque a delação não passa de um negócio entre um imputado, muitas vezes um criminoso, e órgãos estatais que envolve vantagens para o primeiro em troca da informação considerada útil pelos segundos. E, no Brasil, tem-se considerado informação “útil” apenas aquela que confirma a hipótese acusatória e as certezas prévias dos inquisidores”, disse Casara em entrevista ao Consultor Jurídico /VioMundo