A OMS manteve-se muito cautelosa antes de admitir que a epidemia de coronavírus se tornasse uma pandemia, termo empregado em caso de propagação internacional de uma doença, ao menos dois continentes.
O termo pandemia não deve ser usado em qualquer situação, já que quando empregado pode gerar uma ideia equivocada de que o combate está perdido, gerando sofrimento e mortes inúteis. Assim, descrever uma situação como pandemia não muda a avaliação da ameaça imposta pelo COVID-19. Muito pelo contrário, é sinal máximo de alerta especialmente para os mandatários tomarem as medidas essenciais, especialmente quando o vírus já tomou proporções globais, com presença em quase todos os países, como no caso do coronavírus.
A OMS sustenta que, passando de epidemia para pandemia, as mensagens-chave da luta contra o COVID-19 permanecem as mesmas, ou seja, os países devem se preparar e estar prontos, o que significa detectar, proteger e tratar, reduzir a transmissão, inovar e aprender. Tais ações são dependentes de decisões governamentais emergenciais.
As decisões e estratégias erráticas do Governo Bolsonaro caminham em sentido contrário ao que determina a OMS que denominou a pandemia no Brasil de apocalíptica, mas há uma conduta que encontra tipificação na legislação penal brasileira ainda mais grave.
O crime de Epidemia, inserido no âmbito dos Crimes contra a Saúde Pública, no artigo 267 do Código Penal pátrio, estabelece: “Causar epidemia, mediante a propagação de germes patogênicos: Pena – reclusão, de dez a quinze anos. § 1o Se do fato resulta morte, a pena é aplicada em dobro. § 2o No caso de culpa, a pena é de detenção, de um a dois anos, ou, se resulta morte, de dois a quatro anos.”
O crime se consuma com a propagação da doença, mesmo que dela não advenha casos de morte. O crime de epidemia, quando praticado de forma intencional tem pena que varia entre 10 e 15 anos. Em caso de morte, todavia, a pena é dobrada e considera-se o crime como hediondo, previsto no art. 1º, VII, da Lei nº 8.072/90, intitulada “Lei dos Crimes Hediondos”, cujo inciso foi incluído pela Lei nº 8.930/94.
Observe-se que o “crime de epidemia” é praticado por qualquer pessoa que contribua para espalhar um germe patogênico. Trata-se de um crime contra a saúde pública, que atenta contra a saúde da coletividade em geral.
E quando o crime é praticado pelo chefe do Poder Executivo de um país, em meio a um contexto de “pandemia” assim enquadrado pela máxima instituição internacional dedicada às questões de saúde, a OMS?
Ao que tudo fortemente indica, Bolsonaro está contaminado. Sua comitiva aos EUA foi praticamente toda atingida e o hospital não divulgou justamente dois nomes. Seu motorista também não escapou. Mesmo sem os sintomas, esteve em manifestações, entrevistas e reuniões sem qualquer preocupação. Pela transparência, deveria divulgar o seu resultado. Ao se omitir, está claramente assumindo o risco de contaminação de todos os que entram com ele em contato.
O direito internacional dos direitos humanos age como proteção dos indivíduos contra o poder soberano. Os responsáveis pela elaboração das políticas relativas à saúde pública devem se deixar guiar por normas universalmente reconhecidas em matéria de direitos humanos, essas normas devendo ser partes integrantes das ações nacionais de luta contra o COVID-19 em todos os aspectos e deve, sobretudo, respeitar os protocolos de isolamento, seja para salvar as vidas do seu entorno, mas sobretudo como referência e respeito ao direito à vida.
Quais as consequências para um chefe do executivo que comete crime de pandemia? É possível que siga impunemente no poder?
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Carol Proner, Larissa Ramina e Gisele Ricobom, Professoras de Direito Internacional