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22
Out20

Bolívia tem o direito de punir golpistas

Talis Andrade

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Vitória nas urnas é só o começo. Para restaurar a democracia, após um ano de terror de Estado, país precisará reformar a Polícia e as Forças Armadas, punir criminosos e reconstruir a soberania nacional, longe de interferências da OEA

 

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As eleições bolivianas parecem caminhar para um desfecho mais do que previsto: a vitória de Luis Arce, do MAS, mesmo partido do ex-Presidente Evo Morales, já em primeiro turno. Mesmo antes do fim da apuração, até a atual presidente golpista, Jeanine Áñez, e o principal adversário do vitorioso, Carlos Mesa, já reconheceram a acachapante derrota. Se tudo correr bem, será o triunfal retorno da esquerda ao poder boliviano apenas um ano após o violento golpe militarizado que a direita liberal deu no país.

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O resultado das urnas também deve ser visto como uma grande resposta às dúvidas falsamente levantadas no pleito de 2019. Dúvidas que sequer deveriam existir, é verdade, já que o relatório da OEA que apontava fraudes na vitória de Evo já havia sido desmascarado tempos atrás como mentiroso e com objetivos de favorecer a direita boliviana. Provavelmente com mais de 50% dos votos na eleição do último fim de semana, o MAS parece ter conseguido ampliar ainda mais a vantagem sobre os rivais. Basicamente, o povo boliviano acaba de mostrar ao mundo que Evo Morales fora a verdadeira vítima do golpe de 2019.

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Mas, se estas eleições trouxeram muitas respostas, também é certo que deixam o país com uma série de novas dúvidas. Primeiro porque, após um ano sob um regime militarizado extremamente violento, é difícil crer que a volta do MAS será aceita de forma pacífica pelos setores mais radicais da direita. Vale lembrar que as forças de segurança pública e as Forças Armadas do país desempenharam um papel fundamental no golpe do ano passado.

Além disso, mesmo que aceitos os resultados das urnas e mesmo com o MAS assumindo o poder de fato, restam algumas pontas soltas que não podem ser ignoradas, tanto nacional quanto internacionalmente.

O último ano para o povo boliviano não foi nada bom. Além da crise social e econômica vista de forma geral, o regime chefiado por Áñez cometeu uma série de abusos e violações contra o povo boliviano. O terrorismo de Estado tomou conta do país, que viu oposicionistas e manifestantes sendo presos, torturados e assassinados de forma impune. Com tudo isso, resta a pergunta: o Governo Boliviano poderá exercer seu legítimo direito de punir assassinos, torturadores e golpistas sem que a OEA e grandes potências o acusem de autoritarismo?

É preciso que a soberania da Bolívia seja respeitada, garantindo ao país o seu direito de “rearrumar a casa” para se ver livre de novos movimentos golpistas e garantir o legítimo direito à reparação das vítimas da Ditadura. Seria absurda a ideia de que a comunidade internacional fizesse o povo boliviano engolir uma anistia geral e irrestrita que perdoasse assassinos e torturadores. Já vimos este filme acontecer no Brasil, no pós-Ditadura Militar, e cá estamos três décadas depois com este mesmo fantasma nos assombrando de novo.

Vale lembrar, ainda, o exemplo venezuelano. Hugo Chávez, então Presidente legítimo do país, chegou a ter armas apontadas para sua cabeça na rápida deposição que sofreu através do golpe de 2002. Com a força do povo, que saiu às ruas indignado, voltou ao poder horas depois. Figuras da direita profundamente envolvidas no golpe, como Capriles e Leopoldo López, chegaram a ser punidas, mas acabaram perdoadas após pressão internacional. Essas mesmas figuras nunca mais deixaram de agir sistematicamente para minar qualquer chance de democracia e desenvolvimento no país, agora ao lado de novos atores como Guaidó.

Por isso é importante deixar claro que a soberania boliviana, no atual momento, não pode se limitar ao resultado das urnas. Não basta derrotar o golpismo nas eleições, é preciso que o povo boliviano tenha sua autodeterminação respeitada no que diz respeito ao próprio combate ao golpismo daqui para frente. E isso vai para além da punição a torturadores e assassinos.

Isso porque o Governo Boliviano, sob a chefia do MAS, deve ter respeitado o seu necessário direito a reformar as instituições do país. Conforme já dito, as polícias e as Forças Armadas tiveram um papel essencial no golpe de 2019. Armados e estratégicos, seria inadmissível que a comunidade internacional e a imprensa repudiassem a interferência política nestes setores. Eliminar o golpismo das instituições armadas do país é mais do que uma necessidade, é um verdadeiro direito do povo e do Governo da Bolívia, que não podem nem devem viver como reféns.

Por fim, após tudo o que já foi revelado, que papel terá a OEA? Após claramente ter patrocinado mais um golpe na América Latina, a organização continuará impune e com voz? Almagro não será responsabilizado? A OEA seguirá tendo carta-branca para ingerências no lado sul do continente? Ou será enfim extinta para colocar um fim em suas políticas imperialistas para a América?

A vitória eleitoral da esquerda na Bolívia não foi meramente eleitoral. Ela apenas foi possível pois, neste um ano sob o regime violento e militarizado da direita liberal, o povo seguiu organizado e mobilizado nas ruas, enfrentando toda sorte de repressões. Foi uma vitória Política com “P” maiúsculo, sendo a urna apenas uma consequência. Ainda assim, a vitória foi apenas de uma batalha. Muitas lutas ainda se seguem, não só para a Bolívia, como para toda classe trabalhadora da América Latina. Para vencê-las, o povo boliviano deve exercer o seu direito soberano de extirpar o golpismo de seu próprio país.

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