ASSASSINOS EM SÉRIE INVESTIGAÇÃO POLICIAL

III - O PERFIL PSICOLÓGICO DOS ASSASSINOS EM SÉRIE E A INVESTIGAÇÃO CRIMINAL
por GUIMARÃES, Rafael Pereira Gabardo
3. Investigação:
"Toda arte e toda investigação, assim como toda ação e toda escolha, tem
em mira um bem qualquer; e por isso foi dito, com muito acerto que o
bem é aquilo que as coisas tendem"
Aristóteles
Os crimes praticados pelos assassinos em série possuem um roteiro, de acordo com a natureza de cada um deles, já que nem todos atuam da mesma forma, porém, todos querem o mesmo fim: matar.
O ciclo do crime do assassino em série, tem um começo, meio e fim, alocado nas seguintes fases:
- fase aura: o serial killer começa a se distanciar da realidade.
- fase de busca: o assassino inicia a seleção da possível vítima.
- fase de caça: a vítima foi selecionada e o assassino faz contato com ela.
- fase da captura: momento em que a vítima é subjugada pelo assassino.
- fase do assassinato: assassino dá vazão ao seu instinto sádico e homicida.
- fase da depressão: após toda emoção do crime, a tensão homicida é reduzida e em seguida algum agente estressante faz reiniciar todo o ciclo do crime.
A explicação psicológica para que um assassino em série repita o ciclo é a de que o mesmo, ao cometer o crime, apenas ritualiza e fantasia a vítima como se fosse a representação de alguém que o humilhou no passado, a ausência do pai, um abuso sofrido na infância. Mas após matar a vítima, o passado, que durante a realização do crime estava sendo “vingado”, continua o mesmo após a morte da vítima.
A tortura e a morte da vítima não liberam o assassino de seu estigma, ao contrário, fazem-no reviver sua trajetória pessoal. Dessa maneira, fica estabelecida como causa do crime a relação do sujeito com suas fantasias assassinas. Em um dado momento, para manter viva sua fantasia, o assassino em série necessita vivê-la. Internamente começa a se debater pensando que talvez consiga levar adiante sua fantasia; finalmente esse diálogo termina no inexorável momento (TENDLARZ; GARCIA, 2013. p. 212).
É tendo ciência dessa compreensão do ciclo homicida e de que ele voltará a se repetir que a investigação criminal poderá obter êxitos se forem aplicados os métodos necessários e adequados. Estes métodos serão abordados a partir de agora.
3.1 Análise do Crime:
A conservação da área onde foi cometido o crime é providência que deve ser observada para a investigação de qualquer espécie de crime, por óbvio. Nesse local serão observados elementos e avaliados objetos que possibilitem a reconstrução da sequência dos atos do assassinato, bem como, evidências que identifiquem a vítima e o agressor.
Aqui, o investigador deve buscar pensar como o assassino para entender como e porquê se deu o evento. Portanto, a preservação do local do crime é de suma importância, do contrário, qualquer alteração do estado das coisas pode interferir negativamente na conclusão final.
A consequência da não preservação do local do crime seria a contaminação do mesmo. A subtração ou modificação de objetos e corpos do local do crime interferem diretamente na análise do que ocorreu ou na coleta de evidências. Certamente uma perícia será insuficiente ou mesmo induzida a erro se essa situação de alteração do ambiente e estado das coisas for permitida, de modo que o estabelecimento de conexões com outros crimes, identificação de testemunhas e de suspeitos e a verificação do modus operandi destes últimos restariam prejudicados.
Um local contaminado pode levar à condenação de pessoa inocente ou até absolvição do autor do crime por falta de provas. Essas possibilidades indesejadas levaram o legislador a incumbir à autoridade policial a tarefa de imediatamente, assim que souber da ocorrência do delito, preservar o local do crime, conforme dispõe o artigo 169 do Código de Processo Penal:
Art. 169. Para o efeito de exame do local onde houver sido praticada a infração, a autoridade providenciará imediatamente para que não se altere o estado das coisas até a chegada dos peritos, que poderão instruir seus laudos com fotografias, desenhos ou esquemas elucidativos.
Parágrafo único. Os peritos registrarão, no laudo, as alterações do estado das coisas e discutirão, no relatório, as conseqüências dessas alterações na dinâmica dos fatos (BRASIL, 1941).
Tal preocupação, como se vê, foi inclusive expressa na legislação, tamanha importância para a investigação e solução dos crimes. Contudo, mesmo com toda essa preocupação legal e certamente cuidado observados pelos profissionais atuantes, em certas situações, quando da localização da cena do crime, algumas considerações devem ser feitas, especialmente quando o local a ser analisado for aberto e sujeito a interferências de ordem variável, como, por exemplo:
- atuação da própria natureza pode mexer nas evidências e localização original de objetos e corpos (ex: vento, chuva, animais);
- a presença das próprias pessoas investigando, jornalistas, podem contaminar a cena, de modo que, é prudente permitir o acesso ao local somente de pessoas que sejam necessárias ali;
- deve haver paciência na coleta de indícios, seja por eles serem frágeis ou por poderem passar despercebidos.
Destarte, num primeiro momento, o investigador deverá contemplar a cena do crime em sua totalidade, sem tocar em nada. Tirará fotos e fará anotações referente a disposição e postura do corpo da vítima e localização de objetos. Em seguida, os objetos relacionados ao crime deverão ser recolhidos e acondicionados de forma a serem preservados para futura análise pericial, caso necessário. Também recomenda-se que sejam tiradas fotos dos objetos recolhidos, marcando-se o dia e a hora.
Obviamente que, a despeito da imperiosa necessidade de preservação do local do crime para a obtenção de provas com o fim de elucidação do crime e identificação dos criminosos, existirão situações em que deverá ocorrer a modificação do ambiente ou entrada de pessoas antes da realização de perícia. São elas:
- prestar primeiros socorros às pessoas feridas;
- perseguição e prisão de suspeitos;
- evitar que outros tipos de situações perigosas ocorram, como vazamento de água, incêndio, busca por explosivos e etc, ou seja, tudo o que possa danificar o ambiente e provas deve ser impedido justamente para preservação do local;
- se a situação perniciosa já está em andamento, os objetos e corpos devem ser removidos do local do crime, pois assim algumas evidências importantes podem ser salvas e ainda serem de utilidade para a perícia;
- remoção de corpos e objetos que impeçam o acesso ao local do crime ou outras evidências (exemplo: telhado desaba sobre parte do local do crime e os detritos devem ser removidos para permitir acesso às provas ainda intactas).
Vale ser ressaltado que mesmo nessas hipóteses, devem haver cautelas para contaminar o mínimo possível do local do crime, ou seja, somente se altera o estado das coisas daquilo que for necessário, bem como, é prudente que se tenha como norte a segurança dos profissionais e auxiliares que realizarem tais condutas.
Mas quais são as principais observações que devem ser extraídas dessa investigação sobre o local do crime? São três: a organização do crime, modus operandi e assinatura.
A organização do serial killer é um reflexo da sua personalidade, portanto ao se trabalhar sobre a cena do crime, pode-se traçar que tipo de pessoa está envolvida no evento. Basicamente, a organização se verifica quando o assassino tenta dificultar o trabalho da polícia, ocultando o cadáver e objetos relacionados ao ato, enquanto o assassino desorganizado não demonstrará nenhum tipo de cuidado. Os assassinos psicopatas tendem a se encaixar na categoria dos organizados enquanto os psicóticos no lado dos desorganizados.
Um serial killer organizado geralmente possui as seguintes características: tenta esconder o corpo da vítima, limpa a cena do crime, segue as notícias relativas ao crime que cometeu, demonstra controle durante a execução do crime, tem como alvo pessoas desconhecidas e consegue estabelecer relações sociais aparentes e sabe ser simpático. Por outro lado o assassino em série desorganizado é socialmente imaturo (geralmente sem trabalho), descuidado com as atitudes e aparência, não se preocupa com os vestígios deixados na cena do crime, mata pessoas conhecidas.
Porém, cabe observar que essa distinção não se estabelece de forma absoluta:
Novamente devemos relativizar essa visão e tomá-la como apontamento em outras ocasiões, em termos estatísticos, porque nem todos os assassinos organizados são encantadores, nem todos assassinos desorganizados carecem de carteira de habilitação. Sempre existem exceções. Por isso alguns preferem falar de assassinos predominantemente organizados e de assassinos predominantemente desorganizados (RÁMILA, 2012, p.61).
No tocante ao modus operandi, quando da análise da cena do crime, deve-se visualizar se há algum tipo de arma no local ou identificar qual foi utilizada (revólver, faca, pedra, corda...), local selecionado pelo agressor e outros elementos que identifiquem a forma de agir. O modus operandi nada mais é do que o padrão utilizado pelo assassino no cometimento dos seus crimes. É a escolha do método por ele utilizado quando pratica o crime: como ele escolhe a vítima, a sequestra, subjuga, tortura, mata, esconde o corpo.
Quando se nota um certo padrão, é possível identificar quem foi o assassino e inclusive relacionar o crime investigado com outros antecedentes.
Contudo, é preciso prudência na compreensão desse elemento, uma vez que com o tempo, o assassino pode refinar seus métodos, seja por ganhar confiança e expertise, seja por querer mudá-lo para obter mais emoção:
O modus operandi de um serial killer costuma evoluir ao longo do tempo conforme ele fica mais confortável com suas matanças, tenta despistar a polícia ou simplesmente fica entediado com um tipo de homicídio e tenta variar um pouquinho. (SCHECHTER, 2013, p.304).
Essa é uma questão importante a ser observada para que não se deixe de conectar crimes do mesmo assassino em série ou mesmo o contrário, não identificar que aquele crime faz parte de uma série de assassinatos cometidos pelo mesmo indivíduo.
Por fim, a assinatura refere-se a uma característica do assassinato que reproduza alguma particularidade psicológica do assassino em série. A imensa quantidade de filmes, livros e séries sobre o tema criou no imaginário popular de que o serial killer sempre deixa alguma marca nos crimes, seja escrevendo algo no corpo da vítima ou deixando algum objeto peculiar na cena do crime (uma flor, uma carta, um inseto...).
Na verdade a minoria dos assassinos em série realiza tal ato ostensivo, geralmente sendo aqueles que buscam satisfação através do alarde na mídia ou provocação à polícia. No entanto, a maioria prefere ser deixada em paz para continuar sua matança sem ser incomodado. Nesses casos, a assinatura é o tipo de violência exercida e o ato de profanação da vítima vai qualificar como sendo a assinatura do assassino.
São consideradas assinaturas a forma como o assassino dispõe o corpo da vítima, geralmente chocante; utilização de certas palavras ou roteiro verbal em todos os assassinatos; específicos tipos de tortura ou mutilação das vítimas. Observe-se que, a assinatura é a ritualização que expressa o psicológico do assassino e não aspectos físicos da vítima.
Conforme se vê, há uma aparente semelhança entre o modus operandi e a assinatura, mas são conceitos diferentes:
Um criminoso que manda as pessoas tirarem a roupa durante sua ação está utilizando um MO inteligente, pois todos terão de se vestir antes de chamar a polícia e ninguém sairá correndo nu atrás dele. Agora, um criminoso que faz o mesmo, mas fotografa as pessoas em poses eróticas, já demonstra ter uma ‘assinatura’, porque está alimentando suas fantasias psicossexuais. Apesar de o MO ter muita importância, ele não pode ser utilizado isoladamente para conectar crimes. Já a “assinatura”, mesmo que evolua, sempre terá o mesmo tema de ritual, no primeiro ou no ultimo crime, agora ou daqui a dez anos (CASOY, 2014, p. 63).
3.2 O perfil criminal e a psicologia investigativa:
Como o assassino em série é um indivíduo com distúrbios mentais, ora se apresentando como um psicopata, ora com um psicótico, nada mais evidente do que concluir que uma análise psicológica seja de grande utilidade para a investigação criminal.
No entanto, cada cabeça de um serial killer é um mundo diferente e é um desafio para o profissional identificar com precisão o homicida. Portanto, cabe ao profiler (perfilador criminal), através da análise das informações levantadas na cena do crime, vítima, laudos periciais, resultado da autópsia, e com base nessa composição dos dados local do crime busca auxiliar na captura do assassino.
Contra a crença comum, os perfiladores não costumam ir às cenas dos crimes, não ao menos num primeiro momento. Trabalham em seus escritórios, nos quais chegam todos os documentos solicitados. No caso americano é o FBI que forma esses especialistas. Em sua base em Quantico lhe é ensinado a despertar o seu lado crítico e racional, as bases dessas metodologia. O agente deve aprender a extrair todos os dados possíveis da cena do crime e do cadáver por meio da observação e dedução (RÁMILA, 2012, p.194).
Nessa vereda, um trabalho bem executado pelo profiler pode elucidar importantes informações para a investigação, como sexo, idade, passado, fantasias e desejos do homicida. Não obstante, existem críticas quanto a eficiência desse método, pois uma conclusão errônea pelo perfilador pode direcionar de forma equivocada e atrapalhar toda a investigação.
Porém, o que se deve ter em mente é que a utilidade de se traçar um perfil criminal é a de reduzir o leque de investigados e com isso assumir uma determinada linha de investigação.
O avanço das ciências forenses influenciou diretamente na forma de realização dos perfis criminais. David Canter, professor de psicologia da Universidade de Liverpool, na Inglaterra, com base nos seus estudos de psicologia ambiental, deduziu que um serial killer, embora possa conhecer ou não sua vítima, nunca a escolhe por acaso. Certamente a escolha do local e horário em que age transmitem informações valiosas.
Com esse ideal de psicologia investigativa, Canter criou um programa de informática denominado Dragnet, no qual são inseridas as localizações geográficas de todos os crimes cometidos por determinado suspeito. Com base nisso, o programa processa um mapa com o desenho de um círculo, sendo o seu diâmetro os locais mais distantes entre os locais dos crimes praticados. A conclusão desse programa é que o assassino se encontrará muito próximo do centro dessa circunferência. Por isso esse método é conhecido como “hipótese do círculo”.
Portanto o método de David Canter é estatístico e dentre outros fatores, dá importância a hora e local onde o criminoso escolhe para matar:
Os serial killers têm menos probabilidade de matar ou estuprar em locais não familiares, uma vez que são crimes de controle e eles não se sentirão tão seguros em um ambiente estranho. Além disso, se os crimes estão localizados em certa disposição geográfica, há grandes chances de o criminoso viver ou trabalhar nessa área. Pode também indicar o horário de trabalho dele, uma vez que o ataque à vítima se dá em sua hora de lazer ou em local legitimado pelo seu trabalho (CASOY, 2014, p. 55).
Por outro lado, há também estudiosos que buscam traçar o perfil criminal sem ser baseado em estatísticas. É o caso do cientista forense Brent Turvey, que se baseia na análise comportamental de provas denominado Behavioural Evidence Analysis (BEA). Tal método, que visa a reconstituição do crime e com base nesta interpreta o comportamento do criminoso, é dividido em quatro passos:
- análise forense questionável: uma evidência pode trazer vários significados e por isso todos estes devem ser levados em consideração;
- vitimologia: estudar a vítima, ou seja, buscar entender qual motivo levou o assassino a escolher aquela pessoa;
- cena do crime: se refere à análise do local onde ocorreu o evento, sua proximidade com outros pontos de interesse, como outros delitos e residência local de trabalho da vítima;
- características do transgressor: é a fase final do método, com criação do perfil do criminoso com base na sua compleição física, sexo, hábitos, histórico criminal, provável moradia, estado civil e raça.
O perfil montado com o método BEA é útil em duas fases distintas:
Na primeira fase investigativa, temos um agressor desconhecido de um crime conhecido: reduz o número de suspeitos; ajuda na ligação desse crime com outros que tenham o mesmo padrão, na avaliação do comportamento criminal para uma escada de violência; provê investigadores com estratégia adequadas; dá uma trilha de movimentos a serem seguidos na investigação. Na fase de julgamento, já sabendo quem é o agressor de um crime conhecido, o perfil BEA ajuda a determinar o valor de cada evidência para um caso particular; auxilia no desenvolvimento de uma estratégia de entrevista ou interrogatório, de um insight dentro da mente do assassino, compreendendo suas fantasias e motivos; relaciona a cena do crime com o modus operandi e a assinatura comportamental. (CASOY, 2014, p. 58).
Percebe-se então que a perspicaz coleta de informações, a organização e o cruzamento destas em um sistema de dados pode ser de grande valia na elucidação dos crimes.
Como exemplo disto, desde 1985, o FBI possui um programa de computador chamado de Programa de Análise Investigativa Criminal (Violent Criminal Apprehension Program - ViCAP), o qual funciona como um banco de dados criminal dos crimes violentos ocorridos naquele país, o qual organiza e analisa informações sobre casos não solucionados de homicídios em série em todo os Estados Unidos.
No Canadá também foi implantado um sistema de dados semelhante, denominado Viclas-Violent Criminal Linkage System, o qual é reconhecidamente superior ao sistema americano. Isso se dá em razão de que nos Estados Unidos, os policiais alimentam o sistema voluntariamente, enquanto no Canadá o acréscimo de dados por parte dos policiais é obrigatório, mantendo então sempre o sistema atualizado. Não é à toa que, desde 1995, mais de sete mil crimes foram solucionados no Canadá com o uso desse sistema (MILLER, 2015).
3.3 O uso das redes sociais:
O ser humano necessita de interação social. O serial killer, embora seja frequentemente associado a distúrbios mentais que prejudicam sua sociabilidade, também interage nas redes sociais. A internet criou um canal que facilitou as relações entre as pessoas, muito por conta de propiciar o encontro de indivíduos com pensamentos semelhantes e que tem interesse em trocar informações sem que haja necessidade de exposição física ou plena identificação.
As autoridades policiais rapidamente perceberam que as redes sociais também passaram a ser utilizadas para finalidades escusas, ou seja, cometimento de crimes. Muitos criminosos, além de usar a internet para praticar crimes, também a utilizam para se vangloriar das atrocidades que cometem.
Fotos, vídeos e comentários de um suspeito, são fontes inesgotáveis para que os investigadores colham elementos necessários para traçar um perfil criminal ou obtenham uma prova conclusiva. Assim, o investimento em programas que transmitem alertas em razão do uso de determinadas palavras, postagem de específicas fotos, certamente trazem novas formas de prevenção e solução de crimes.
Some-se a isso a própria colaboração dos usuários dessas mídias sociais, pois é comum pessoas que sabem de alguma informação sobre os fatos a compartilharem ou mesmo também solicitarem colaboração de alguém que possa dar alguma pista sobre o ocorrido.
Contudo, o uso das redes sociais tem alcançado alguns pontos que merecem algum tipo de reflexão crítica. Por exemplo, tem se tornando corriqueiro que agentes policiais criem perfis falsos na rede ou mesmo violem o perfil de algum suspeito no caso de emergência:
Policiais do mundo inteiro começaram a usar sites como o Facebook para ajudar as vítimas a identificar criminosos e suspeitos... como uma ficha policial virtual. Alguns policiais adotam uma abordagem polêmica para conduzir investigações. Criam um perfil falso e se infiltram no site para se aproximar sigilosamente dos suspeitos e adicioná-los como amigos. Um estudo revelou que 10% dos perfis do Facebook são falsos. Embora tais perfis violem os termos de uso das redes sociais, não podem ser considerados totalmente ilegais. Provas coletadas desta forma por policiais ou outros agentes da lei podem ser apresentadas em um tribunal [...] Em casos emergenciais, quando há risco palpável de violência, as autoridades não pensarão duas vezes se devem ou não obter acesso imediato às informações de um suspeito numa rede social: farão uma solicitação de emergência [...] Recentemente, nos EUA, foi feito um levantamento com 1.200 funcionários de órgãos de segurança de nível municipal, estadual e federal que haviam utilizado plataformas midiáticas para solucionar crimes. Durante o estudo, quatro a cada cinco funcionários confirmaram o uso de rede sociais para coletar informações durante a investigação. A maior parte deles admitiu que as redes sociais os ajudava a solucionar crimes muito mais rápido do que antes (PARKER; SLATE, 2015, p. 244-245)
É indiscutível, então, que o acompanhamento das interações sociais ocorridas no meio virtual merece ser vista como mais uma forma de investigação dos crimes praticados, inclusive os dos assassinos em série.
A questão da privacidade dos usuários não é absoluta e cede ao próprio interesse imperativo de segurança coletiva quando um perfil virtual é criado com fim maligno. Não se pode permitir a existência de um ambiente em que supostamente existiria liberdade irrestrita para se praticar atos criminosos.
Há inclusive, necessidade de investimento para treinamento de policiais, para que tenham habilidade técnica para se infiltrar em ambientes mais obscuros, como as denominadas deep web, darknet e dark internet, que são áreas da internet que não são acessadas pelos meios convencionais e não alcançadas pelos sites de busca tradicionais, ou seja, um campo fértil para a atuação criminosa.
Portanto, as autoridades policiais podem e devem se infiltrar em comunidades, fóruns, que tenham como objetivo a divulgação de crimes, troca de informações entre criminosos, bem como, pesquisar informações de perfis suspeitos. É uma área investigativa que merece atenção e especial dedicação.
3.4 A confissão do assassino:
Muitas vezes, a despeito de todos elementos probatórios obtidos durante a investigação, a condenação do assassino em série necessita de uma confissão.
Mas obter uma confissão não é tarefa fácil, pois normalmente um criminoso, inclusive os psicopatas, não tem a intenção de serem descobertos, prezam por sua liberdade e evitam assumir a autoria para evitar as consequências dos seus terríveis atos.
Por isso, o investigador deve saber com quem está lidando. Há uma importante exigência de que ele saiba dos detalhes do crime, da possível história por detrás dele e a constituição psicológica do suspeito.
Afinal, o serial killer é um criminoso que caminha assombrado por um turbulento passado que afeta o seu psicológico. E seguindo a lógica, nada mais sensato do que causar uma pressão psicológica para que o mesmo confesse os seus crimes.
Paul Roland descreve um roteiro a ser seguido nesses casos. Não se deve acusar o suspeito logo na primeira entrevista policial. Nesse primeiro momento o assassino estará na defensiva e dificilmente abrirá o jogo. Tanto ele quanto o investigador estarão um avaliando o outro. Por isso o assassino deve ser liberado após a entrevista, para ter a sensação de que não existe nada que o ligue aos crimes, mas obviamente, uma vigilância deverá ser posta em cima dele para evitar fugas ou cometimento de novos crimes.
Posteriormente, uma segunda entrevista com o suspeito deve ser realizada sob o argumento de serem feitas apenas perguntas de rotina. Mas desta vez o serial killer estará mais descuidado e arrogante, pois foi liberado da primeira vez e lhe foi avisado que somente seriam realizadas perguntas para complementar esclarecimentos do que foi dito anteriormente. Em razão desse novo cenário, o assassino ficará displicente e existem grandes chances de que relate algo indevido ou indique uma pista crucial.
Sugere-se, inclusive, que a segunda entrevista seja feita em condições desconfortáveis psicologicamente ao suspeito, como exemplo, a convocação para esclarecimentos durante o final do expediente, período em que psicologicamente as pessoas são mais suscetíveis à confissão em razão do cansaço. Além disso, sinalizar que está sendo trazida uma testemunha vital para o caso para ser ouvida também, mencionar que vários órgãos policiais estão investigando o caso e irão até o fim para desvendar o caso, também surtem efeito.
O uso de um cenário psicológico é tão eficiente que há inclusive sugestão de criação de um cenário teatral para ser obtida a confissão:
O cenário também pode ser colocado de forma tão dramática como se fosse um palco, com luz baixa e pilhas de arquivos sobre a mesa à qual ele estará sentado, todos etiquetados com seu nome. Mesmo que estejam vazios, darão a impressão de que há uma enorme quantidade de evidência contra ele. E para um toque final melodramático, a arma ou qualquer outro objeto significativo do caso deve ser colocado ao lado, de modo que ele tenha de virar a cabeça para olhá-lo. Se ele fizer isso, é sinal de que reconhece o objeto e que está ciente de que os detetives também conhecem o seu significado, embora não o tenham apontado ou feito qualquer referência à arma ou objeto (ROLAND, 2014, p. 140).
De outro lado, muitos investigadores, nesses casos, usam uma técnica denominada “penetrando no labirinto”. Por ela, o investigador busca ganhar aos poucos a confiança e respeito do suspeito e isso é feito através de confidências. O interrogador precisa demonstrar e convencer que está entendendo o motivo de o assassinato ter ocorrido e que está ali para ajudar o criminoso.
O entrevistador não pode demonstrar repulsa e nem que condena os atos ao ouvir as confissões, que normalmente são feitas em camadas e em pequenas etapas, pois caso contrário o laço psicológico de confiança será desfeito e a confissão prejudicada. É quase como se fosse uma conversa informal entre amigos de longa data. Muitas vezes o serial killer só quer o ouvir do investigador que ele sabe que tem problemas e a origem deles. Em razão disso é recomendado perguntas sobre fatos da infância e adolescência, pois são nessas épocas que geralmente ocorrem os eventos que dão origem ao comportamento homicida.
Em suma, como o comportamento homicida do assassino em série possui um fundo psicológico, o próprio uso da psicologia é uma das claras formas de se obter uma confissão.
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Foto militante de esquerda Devanir José de Carvalho, torturado e morto por agentes estatais em 1971