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23
Fev20

As facetas ocultas da Lava Jato

Talis Andrade

 

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As vestes dos personagens do processo político estão coladas na pele e na mente dos atores que as portam, de tal modo que eles próprios acreditam, no geral, que são aquilo que parecem ser

por Armando Boito Jr.

Le Monde

Diversos atores, agindo institucionalmente e vinculados, de modos complexos e distintos, a diferentes interesses de classe e de frações de classe, convergiram para a criação e o apoio à Operação Lava Jato: a burocracia do aparelho de Estado, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, os movimentos da alta classe média (Vem pra Rua, MBL, Revoltados Online etc.), a grande imprensa e outros. Nenhum deles agiu de maneira aberta e transparente no processo político e, entre os próprios aliados congregados na organização e na sustentação da operação, nem sempre os objetivos de cada um estavam claros para os demais. A análise política pode revelar muita coisa ainda sobre a Lava Jato, revelação de natureza diferente daquela que consiste em trazer à luz fatos até então desconhecidos, como vem sendo feito pelas excelentes reportagens do The Intercept.

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A intransparência do processo político

Na análise do processo político, processo que é a sequência determinada – ou seja, não aleatória – de acontecimentos oriundos de conflitos de interesses e de valores os mais variados, o observador deve sempre ter em mente que os atores, no mais das vezes, atuam nas sombras ou mascarados. Dizemos que os atores atuam “nas sombras” porque parte muito importante do processo decisório tem lugar nos corredores e gabinetes da burocracia de Estado, longe dos olhos do público.

Reportagem da revista Carta Capital acaba de revelar a ocorrência de reuniões – secretas como geralmente são as reuniões dos organismos burocráticos – da cúpula das Forças Armadas com a presidência do STF para assegurar que Luiz Inácio Lula da Silva não participaria das eleições de 2018. Sabia-se do famigerado tuíte do general Eduardo Villas Bôas em abril de 2017 enquadrando o STF na véspera do julgamento do habeas corpus do ex-presidente. Começa-se a saber agora que a interferência das Forças Armadas no processo eleitoral foi algo muito mais amplo. Dizemos que os atores atuam “mascarados” porque não são o que parecem ser.

Estamos nos referindo aos partidos políticos burgueses e seus dirigentes, aos burocratas do Estado envolvidos em decisões políticas, aos órgãos da grande imprensa que funcionam como representantes políticos de interesses minoritários e às outras organizações que intervêm na política nacional. E não são o que parecem ser por sólidas razões.
 

Numa sociedade como a capitalista, em que, a despeito das enormes desigualdades de classe, todos os indivíduos são considerados iguais como cidadãos e aptos a algum tipo de participação política, os grupos minoritários, cujos interesses estão em conflito com as necessidades da maioria, necessitam esconder-se e/ou mascarar seus interesses, apresentá-los com vestes universalistas – não particularistas e egoístas como realmente são – se quiserem convertê-los em interesses aparentemente gerais. Os rentistas jamais dirão que a taxa de juros deve ser alta para que eles ganhem muito dinheiro, e sim para evitar – é o que sustentam com base em argumentos econômicos contestáveis – o retorno da inflação em prejuízo de toda a “coletividade”. O processo político na sociedade capitalista é intransparente.

Nada disso significa que os atores do processo político sejam mentirosos contumazes que manipulam os fatos e as versões ao seu bel prazer para enganar o público. Aqui, não caberia a comparação com um folião que se fantasia para o Carnaval, isto é, que escolhe livre e conscientemente um personagem e o encarna por uma breve ocasião. Não. As vestes dos personagens do processo político estão coladas na pele e na mente dos atores que as portam, de tal modo que eles próprios acreditam, no geral, que são aquilo que parecem ser. Dizemos “no geral” porque é verdade que eles podem mentir, manipular e agir hipocritamente. Porém, quando agem assim, fazem-no no “varejo”, não no “atacado”. Existe a hipocrisia. Quando o juiz Sérgio Moro enviava mensagens pelo Telegram aos procuradores coordenando a investigação e instruindo a acusação contra os réus diante dos quais ele deveria se portar como parte terceira e neutra, o magistrado, embora soubesse que estava burlando as regras do direito, procurava manter, hipocritamente, a aparência pública de imparcialidade.

Contudo, e isso faz diferença, essa hipocrisia estava a serviço daquilo que, acreditam juízes e procuradores, seria um bem maior: a suposta função do Judiciário e do Ministério Público de “combater a corrupção em defesa do interesse geral do país”. A crença na existência de uma função pública, e não de classe, do Judiciário, bem como a crença na existência de um suposto “interesse geral do país”, que estaria acima dos interesses de classe, estão na base da ação dos burocratas do Estado.

O analista precisa, então, tomar essa crença em consideração, não pode supor que ela seja um fingimento para iludir o público, mas deve ir além dela, deve analisar a coerência de tais discursos ou suas eventuais contradições, cotejando-os com a prática e examinando a coerência dessa prática. Sem lançar mão de imputações arbitrárias, o analista do processo político tem de detectar quais são os verdadeiros, e muitas vezes ocultos, motivos últimos da ação dos personagens, os fins que, muitas vezes inconscientemente, eles próprios perseguem. [Continua]

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