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O CORRESPONDENTE

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27
Abr21

A corrupção da Lava-Jato

Talis Andrade

Moro-Cego.jpg

 

 

Carlos Frederico Barcellos Guazzelli /Sul21

O Código Penal Brasileiro denomina “corrupção” ao suborno do funcionário público, em razão de suas funções, por particular – prevendo em dois dispositivos diferentes as modalidades “ativa” e “passiva” destas condutas criminosas. Como aquela, no artigo 333, caput, define o comportamento de “…oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício…” – estipulando para sua prática a pena de reclusão de dois a doze anos, mais multa. Já a segunda contempla os atos, definidos no artigo 317, caput, de “…solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem…”, puníveis com as mesmas penas.

A acepção técnico-jurídica do termo, restrita a estes dois tipos penais, não impediu, no entanto, na linguagem e no senso comuns, sua extensão a todas as distintas ações criminosas praticadas por servidores públicos, em conluio com terceiros, contra a administração pública, e o erário, em especial. Mesmo no âmbito político ou acadêmico, os atos de corrupção, assim genericamente compreendidos, são encarados como formas de expressão do patrimonialismo, isto é, da relação espúria entre o público e o privado – que se costuma atribuir, comodamente, e não sem alguma dose de cinismo, às heranças de nosso passado ibérico…

Importa aqui destacar o sentido original e histórico da corrupção, entendida como fenômeno sociológico, antes que jurídico – para melhor compreendê-la e, sobretudo, identificar alguns usos discursivos a que ela se presta, com conhecidos propósitos e resultados nefastos. Segundo diversos estudiosos, até pouco tempo, historicamente falando, a palavra em questão não designava os atos referidos nos parágrafos anteriores – mas, isto sim, as suas consequências. Assim, mais importante que tais condutas, consideradas em si mesmas – o que certamente é essencial para fins jurídicos – releva considerar o efeito que causam no corpo social: a corrupção consiste, nem tanto nelas, e mais propriamente na degeneração que causam. Por isso, a adoção do termo: “corrupção” é sinônimo de putrefação, apodrecimento, corrosão – e este é, na origem, o seu significado pleno.

Aliás, é exatamente devido ao estado corrompido que provocam nas instituições do Estado, que aquelas ações e omissões são previstas como “crimes contra a Administração Pública”. O que se procura defender com sua incriminação – aquilo que em direito se chama o “bem juridicamente tutelado” – é justamente a integridade das instituições estatais, impedindo que estes comportamentos as apodreçam ou corroam, isto é, que as “corrompam”.

A invocação das distinções semânticas ora aludidas, como anunciado acima, parece pertinente nestes dias, diante das novas, e mais detalhadas revelações do escândalo conhecido como “Vaza Jato” – os inúmeros e espantosos diálogos, gravados por um “hacker”, entretidos em redes sociais por Moro, Dallagnoll e o restante da corte curitibana da justiça federal, antes tão incensada por suas ações repressivas, seletivas e abusivas, a pretexto de “combater a corrupção”.

A simples leitura, ou escuta, destas conversas absolutamente escabrosas, permite concluir, sem maiores dificuldades, que as tropelias cometidas por seus interlocutores – os membros da famosa “força tarefa da operação lava-jato” – importaram em verdadeira corrupção do sistema judicial. De fato, as gritantes ilegalidades praticadas durante suas famosas investigações, contra réus, indiciados ou meros suspeitos – muito especialmente contra seu principal alvo, o ex-presidente Lula – provocaram efeitos deletérios que se estenderam, e se estenderão por muito tempo, projetando-se além de suas vítimas imediatas.

O rol destes abusos merece ser sempre lembrado: desde a condução coercitiva do líder petista, e a quebra e divulgação ilícita de seu sigilo telefônico, até sua condenação absurda, em processo nulo, por corrupção passiva com a confessada ausência de “ato de ofício determinado”; passando pela insólita instalação do “juízo universal” de Curitiba, para todas as ações penais envolvendo supostos casos de corrupção na Petrobras – e, sobretudo, pelo manifesto conluio entre juiz, procuradores e policiais federais, que agiam de forma coordenada e combinada, escolhendo investigados, forjando provas, acertando movimentos, planejando prisões para obter “colaborações premiadas”.

Cabe enfatizar aqui: todos estes comportamentos, por violarem frontal e irreparavelmente as garantias constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, tiveram como resultado – além das evidentes injustiças praticadas contra dezenas, senão centenas de pessoas, a começar, diga-se sempre, por Lula, o principal visado – a corrosão parcial do sistema de justiça. Tratam-se, pois, no seu sentido amplo, que se buscou resgatar no início do artigo, de verdadeiros atos de corrupção de um novo tipo: a corrupção institucional. Este estado de contaminação do aparato judicial é fruto direto e imediato do uso ilegal que Moro, Dallagnoll & Cia fizeram das instituições estatais, a fim de promover, escorados nos poderes externos e internos que os sustentaram, os escusos propósitos de destruir o “sistema político”.

Por mais censuráveis que sejam, e de fato o são, os atos praticados por esta turma – que o ministro Gilmar Mendes prefere chamar de “gangue” – não podem ser encarados apenas como “desvios de conduta” de servidores e agentes de estado; na verdade, eles revelam uma distorção institucional anterior e grave.

Como já se teve oportunidade de salientar neste mesmo espaço, em mais de uma oportunidade, desde o ano de 2015, as ações abusivas da famosa “força tarefa” curitibana foram ensejadas e legitimadas pelos tribunais superiores – malgrado não tenham faltado inúmeras advertências de advogados, professores e, mesmo, magistrados, do país e até do exterior. Como se demonstrou naquelas colunas, tais ilegalidades deitam raízes na forma inusitada com que o próprio Supremo conduziu a Ação Penal 470, o caso batizado indevidamente como “mensalão”.

Ademais, ao longo dos processos deflagrados contra a maior liderança popular brasileira – cuja destruição política, se não pessoal, diga-se sempre, constitui o objeto declarado das investigações conduzidas pela “República de Curitiba” – em diversas oportunidades as instâncias superiores, inclusive a Suprema Corte, trataram de legitimar os denunciados abusos perpetrados pelos investigadores conluiados, embalados pela massiva e sistemática campanha midiática, que os erigiu como heróis perante a audiência vidiotizada pela articulação discursiva do “combate à corrupção”. E isto em nome da “excepcionalidade” dos fatos, ou de sua “gravidade”, tudo a recomendar a adoção de critérios também “excepcionais” – mesmo que isso importasse no afastamento de princípios constitucionais e regras legais…

A troca de mensagens entre os “jovens turcos” de Curitiba, não deixa margem a dúvidas quanto ao seu objetivo escancarado de criminalização do PT e seus aliados e, principalmente, a prisão de Luís Inácio – a quem tratam injuriosamente de “nine” – e seu consequente afastamento do processo eleitoral, o qual, por isso mesmo, redundou na assunção à presidência da República de um completo despreparado. Este propósito foi-se evidenciando a cada ilegalidade praticada, e a maior parte da comunidade jurídica – de modo particular os constitucionalistas e penalistas – empenhou-se em destacá-lo em inúmeros artigos, palestras, entrevistas e atos públicos, sem encontrar eco nos tribunais.

Importa destacar que todos o fizeram – inclusive o autor destas linhas – não por serem dotados de poderes divinatórios, ou mesmo por informações privilegiadas e coisas do gênero; mas apenas porque, mercê dos instrumentos da razão e da experiência, descortinaram as ações do ilegal do consórcio estabelecido na 13ª Vara Criminal de Curitiba, a partir do exame de seus resultados evidentes. Utilizando-se, pois, do método racional do cientista que, estudando a manifestação externa de um fenômeno, deduz a ocorrência dos fatores causais responsáveis por sua produção. Da mesma forma, a ampla e permanente visibilidade dos atos de investigação, sistematicamente “vazados” às grandes redes de rádio e televisão, permitia-lhes inferir a forma abusiva e ilegal com que foram produzidos – agora amplamente revelada para pasmo geral.

Se é verdade que a revelação das malsinadas conversas traz alguma satisfação intelectual aos que denunciavam, à época de sua prática, as barbaridades jurídicas perpetradas pelo ex-juiz camicia nera e seus acólitos, pela inédita confirmação de sua ocorrência – inclusive de seus detalhes sórdidos e escatológicos – não se pode deixar de registrar que elas provocam, sobretudo, um misto de indignação e asco, pela maneira com que o sistema de justiça não apenas permitiu sua produção, como até mesmo as legitimou e ampliou.

 

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