A Arte de Furtar
por Gustavo Krause
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Arte de Furtar é leitura recomendável para os dias atuais.
É um tesouro de sabedoria e “uma joia literária sob qualquer critério” escreve João Ubaldo Ribeiro, na apresentação do livro, edição Clássicos da Nova Fronteira, 1992.
A história do livro começa com uma burla: até hoje não é possível apontar com certeza quem é o autor do livro: o Padre Manoel da Costa ou o Padre Antônio Vieira, autor profético
Prevalece Manoel da Costa. A data da primeira edição (1652) é precária. Em 1744, a edição impressa em Amsterdã não encerra a polêmica sobre a data e autoria, tanto que o leitor na composição da capa é advertido pela atribuição de “Anônimo”.
As dúvidas sobre datas e autoria são irrelevantes: o conteúdo é precioso.
A dedicatória a D. João IV adverte: “Não ensina ladrões o meu discurso, ainda que se intitula Arte de Furtar, ensina só a conhecê-los, para os evitar”.
Identifica os “ladrões por natureza”, como a pior espécie, pois: con arte e con engaño, vivo la mitad del año; y con engaño y arte vivo la outra parte, recitava um dos mestres da ladroagem.
Os maiores ladrões tomam por ofício se livrar de outros ladrões e criam varas de justiça, guardas, meirinhos, almotaceis, rendeiros e terminam por “fortalecer a todos com provisões, privilégios e armas”.
Com olhar atento, o autor recorre à metáfora das “unhas” para definir quarenta tipos de “unhas para furtar”. Entre elas, “os que furtam com unhas reais” e “os que furtam com unhas políticas”.
O autor cuida da política degenerada que nasce, como ratos da “matéria pútrida”: a mãe é a “Razão de Estado” e o pai “o Amor-Próprio”. De ambos, brota a “Dona Política” cuja máxima é: “bom para mim e mau para vós”.
O caso brasileiro é inesgotável fonte de inspiração. Tome-se “furtar” com a amplitude que vai além do tipo penal. Resulta da cobiça que, como o fogo, nunca diz basta à riqueza, ao poder e às honras da glória.
Por aqui, conhecemos todos os tipos de unhas e esconderijos. Assumem formas de revestimento de cuecas e supositórios, em dinheiro vivo, ou de crime organizado pronto para lavar a grana. Na praga da Covid-19, apareceram as tenebrosas unhas assassinas.
Isso mesmo, unhas que esganam vítimas da pandemia até a morte porque subtrai o dinheiro que salvaria vidas.
As tesouras do Estado, vigiar, reprimir e punir, estão enferrujadas.