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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

20
Fev21

Manuel Domingos: livro de Villas Boas representa uma geração militar maldita

Talis Andrade

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247 - O professor Manoel Domingos Neto, docente visitante da Universidade Federal do Piauí (UFPI) e um dos maiores especialistas na análise das Forças Armadas no Brasil, falou à TV 247 sobre o livro do general Eduardo Villas Bôas - "General Villas Bôas: conversa com o comandante".

De acordo com Domingos Neto, Villas Bôas faz parte de uma geração podre de militares, a qual classificou como “geração Bolsonaro”, que articula a volta de uma ditadura militar no país. “O que nós estamos vivendo será compreendido a posteriori em toda sua profundidade. O que nós já compreendemos é estarrecedor. Se trata de um plano articulado por uma geração, por uma safra infeliz de oficiais, gerados nos anos 1970 e início dos anos 1980”.

O especialista disse que o general é o líder de tal geração de “subversivos” que colocou o Brasil no colo de Bolsonaro após impor sucessivas e tramadas derrotas à esquerda. “Quem sentou com o Villas Bôas como eu sentei em mais de uma ocasião se impressiona por sua simpatia, seu jogo de cena, e você até se ilude. É um líder. Ele é digno desse Exército, é digno desse presidente. Ele é a fina flor de uma geração de subversivos sem qualquer sensibilidade social, sem qualquer senso de responsabilidade histórica, e jogou o país na situação em que nós estamos, jogou o país na incerteza, ou na certeza de que estamos enfrentando dias ruins e poderemos enfrentar dias catastróficos, mais catastróficos ainda”.

Para Domingos Neto, todo livro citado “é um ataque à esquerda” e atenta contra a democracia. “Esse livro é um livro de um militante político radical e irresponsável. É de um subversivo. Esse livro é o livro da subversão militar. As Forças Armadas estão subvertidas, elas agem como um poder de subversão sem escrúpulos. Essa história de negar a possibilidade da esquerda é a negação da democracia. É isso. Um militar que chega e diz: ‘a esquerda não pode voltar ao poder’, o que ele está dizendo? Ele está dizendo: ‘nós precisamos de ditadura’. Essa geração dos anos 70 é uma geração maldita, está prejudicando muito o Brasil”.

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21
Jan21

Grupo Prerrogativas: Nota de apoio e desagravo ao advogado Marcelo Feller

Talis Andrade

Grupo Prerrogativas | Coordenação: Marco Aurélio de Carvalho

 

É insuportável. É inaceitável. É afrontoso.

Jamais tivemos, na História de nossa República, um Ministro da Justiça que chegasse ao nível da mediocridade de se comportar como um cão de guarda de um Presidente da República, que passou seus dias estimulando que uma catástrofe sanitária assumisse ares de uma maldição, imposta pelo negacionismo mais primitivo, nunca autorizado a um Chefe de Poder, por mais ignaro que fosse.

Marcelo Feller é um advogado que representa o melhor de uma nova advocacia, altiva e garantista, que não se dobra aos temores reverenciais garantidores de tantas iniquidades e, nessa qualidade, teceu as críticas que se fazem ao Presidente em qualquer canto desse país que o elegeu. As críticas foram feitas dentro da regra democrática e do respeito, não se valendo o advogado de nenhum meio que colocasse em risco a segurança institucional do país, desafiada, sim, por Jair Bolsonaro, diuturnamente.

A iniciativa do Ministro da Justiça e Segurança Pública em requisitar inquérito policial contra Marcelo Feller é das mais baixas que se poderia ter e revela apenas o viés obscurantista de uma troupe que não consegue administrar a própria mediocridade.

Nós, INTEGRANTES DO GRUPO PRERROGATIVAS, nos solidarizamos expressamente a nosso colega, MARCELO FELLER, repudiando a atitude ministerial e adiantando que provocaremos a OAB para que tome as medida criminais contra esse rugido fascista, que repudiamos com toda a veemência!

Marcelo Feller nos representa!
Marcelo Feller, presente!
Prerrogativas, presente!

 
 
 
 
 
15
Jan21

“É um cenário de guerra”, diz presidente do Sindicato dos Médicos do Amazonas sobre pandemia em Manaus

Talis Andrade

Mário Vianna - Pres. Sindicato dos Médicos do Amazonas (Simeam)

 

Elcio Ramalho (RFI) entrevista Mário Viana 

O Estado do Amazonas anunciou um toque de recolher de 10 dias devido ao colapso do seu sistema de saúde causado pela pandemia de Covid-19, que deixou os hospitais sem oxigênio para os pacientes. Imagens divulgadas nas redes sociais mostram pessoas levando cilindros de oxigênio para os hospitais e pacientes reclamando da falta de atendimento médico. Mario Vianna, presidente do Sindicato dos Médicos do Amazonas, falou com a RFI nesta sexta-feira (15).

 

RFI: Como está o sistema de saúde de Manaus, com a falta de oxigênio?

Mário Vianna: A situação é crítica, é um cenário de guerra. Em julho de 2019, o sistema público de saúde de Manaus já vivia um colapso, a situação estava caótica, e isso fez com que eu, junto com algumas lideranças médicas e de enfermagem, conseguisse uma audiência com o então ministro Nelson Mandetta. Audiência essa que o governador Wilson Lima, segundo o próprio ministro, tentou fazer com que não acontecesse, para não deixar que fôssemos ouvidos pelo então ministro, que inclusive é médico. Fizemos uma apresentação audiovisual de dez minutos e o ministro ficou simplesmente horrorizado. A gente terminava a apresentação pedindo naquela ocasião uma intervenção federal, já que havia falta de tudo, e além disso alguns profissionais tinham até oito meses de atraso salarial. Com a pandemia, no início de 2020, todo esse caos que já existia só poderia se agravar. Então, o cenário de guerra é resultado de uma saúde pública totalmente desorganizada, caótica, subdimensionada para as necessidades e mal gerenciada.

 

RFI: E qual seria a maior responsabilidade para ter se chegado a essa situação?

Mario Vianna: Eu acho que é falta de responsabilidade da gestão pública dos governos municipal e estadual, falta de competência e, principalmente, de transparência. Onde lê-se “transparência”, entenda-se “corrupção”. Houve desvios comprovados pela CPI da Saúde feita pelos deputados da Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas.  

 

 

RFI: O que é possível fazer, o que deve ser feito neste momento para se preservar o maior número de vidas?

Mário Vianna: União de todos, um comando central que não se está tendo, unificado, por pessoas que tratam de guerras, no caso, os militares. O meu pedido de intervenção é que as Forças Armadas assumam a coordenação de saúde do Estado. Pelo que estou vendo das notícias do resto do Brasil, como no Rio de Janeiro, que já tem taxa de ocupação de 100% das UTIs, o problema poderá infelizmente se tornar nacional. Então acredito que as autoridades devam correr, juntar pessoas com capacidade de decisão e conhecimento de situações de guerra, de catástrofe, pois eu considero que é uma catástrofe o que está acontecendo. Faltar oxigênio em uma situação normal de atendimento já é uma catástrofe; faltar oxigênio em uma situação de pandemia, onde o oxigênio é um dos principais elementos de terapêutica, é uma catástrofe ao cubo.Capa da revista ISTOÉ 15/01/2021

 

RFI: Está sendo pedido oxigênio para Estados vizinhos? Há inclusive outros países que já se dispuseram a ajudar...

Mário Vianna: O Ministério da Saúde, juntamente com o Exército e a Aeronáutica estão já trazendo alguns suprimentos de oxigênio, mas as três remessas que chegaram já foram rapidamente consumidas.

 

RFI: Não há mais oxigênio na rede hospitalar?

Mário Vianna: Alguns hospitais chegaram ontem pela manhã (14) ao quantitativo zero, como foi o caso do hospital Getúlio Vargas, que é um hospital federal e que por uma ação do governo estadual houve um acordo de transferência de 60 pacientes para esse hospital universitário, e o hospital entrou em colapso. A capacidade de oxigênio não aguentou e zerou a central de tanques, e então faleceram sabidamente pelo menos quatro pessoas. Essas pessoas morreram por hipoxemia, por falta de oxigênio. Na verdade, não morreram por causa da Covid. Morreram porque o suprimento, o medicamento que os mantinham vivos, por algum motivo faltou. Portanto, o diagnóstico correto para a causa da morte, já que eu sou legista também, é hipoxemia por falta de oxigênio. Isso é uma condição que, a meu ver, precisa ser apurada, porque tem aspecto até do ponto de vista criminal.

 

RFI: A questão da variante da Covid-19 veio piorar a situação de saúde pública no Estado; apareceram novos casos?

Mário Vianna: Parece que sim, quero dizer que eu não sou infectologista nem epidemiologista. Mas tenho acompanhado, por força do cargo que eu exerço, todas as informações e entendo que essa nova cepa seria mais virulenta, isso já foi comprovado no Japão, e aqui também pelo Instituto de Medicina Tropical, que é um instituto científico que também faz um bom trabalho. Há algumas controvérsias, mas o que parece é que as pessoas estão realmente adoecendo de uma maneira mais rápida e com uma virulência maior. As complicações pulmonares estão vindo de formas mais aceleradas. Deus queira que isso não seja totalmente verdade porque a coisa aqui está realmente muito feia e não tenho outro termo para lhe falar.

04
Set20

Delação da Odebrecht agora liberada será uma bomba contra Lava Jato

Talis Andrade

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O deputado federal Paulo Pimenta (PT-RS) afirmou que há relação entre a saída do procurador da República Deltan Dallagnol da Lava Jato com a determinação do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski, que deu 48 horas, a partir desta quarta-feira (2), para a força-tarefa liberar a Lula acordo de leniência da Odebrecht.

“Será que é por isso que Deltan Dallagnol saiu de fininho, e outros Golden Boys perderam o dono? O que temem os procuradores e Sérgio Moro ? Por que todo esse mistério?”, questionou Pimenta.

O ministro Ricardo Lewandowski determinou à 13ª Vara Federal Criminal da Subseção Judiciária de Curitiba do Paraná, da Lava Jato, que, em 48 horas, libere para a defesa do ex-presidente Lula o acesso integral ao acordo de leniência firmado entre a Odebrecht e o Ministério Público Federal (STF).

O acesso já havia sido autorizado pela Segunda Turma do STF, mas foi descumprido pela Lava Jato, que condicionou a consulta a uma “a prévia audiência do Ministério Público Federal e da Odebrecht”.

Um judiciário náufrago?

Escreveu Paulo Pimenta:

Esta história não acaba assim. Estou certa que a interrupção deste processo pelo golpe de Estado não é definitiva. Nós voltaremos. Voltaremos para continuar nossa jornada rumo a um Brasil em que o povo é soberano.

Dilma Rousseff, 2016

Passados quatro anos desde que a Constituição de 1988 foi violada por um Golpe de Estado parlamentar, chancelado pelo Judiciário e apoiado pela grande mídia, o país mergulhou numa conjugação de crises.

Rompida a soberania popular com o afastamento da presidenta Dilma Rousseff, eleita em 2014, abriram-se as portas para a construção da chamada “Ponte para o Futuro” anunciada pelo vice-presidente conspirador, o golpista Michel Temer.

O país colheu desde então uma sucessão de catástrofes:

— o atropelo dos diretos trabalhistas com a abolição da CLT;

— a demolição da previdência pública e a entrega dos idosos à sua própria sorte, com a reforma do sistema de previdência social;

— o desemprego em massa e a precarização selvagem das relações de trabalho como regra para aqueles que ainda conseguem manter seu posto na indústria, na agricultura ou nos serviços;

— a recessão econômica com o pibinho de 1,5% em 2019 e a anunciada queda 9,7% no segundo trimestre de 2020.

Governo genocida

E mais:

— a degradação social, a criminalização da política, a guerra cultural como tática de governo;

— a matança sem tréguas dos jovens negros e pobres na periferia das cidades brasileiras;

— a devastação ambiental apoiada ostensivamente pelo ministro do Meio Ambiente.

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Esse processo sinistro foi coroado desde março último pela maior calamidade sanitária da história do País: a pandemia de Covid-19, menosprezada pelo presidente da República como uma “gripezinha” e que contabiliza nestes dias o espantoso e inaceitável número de mais de 120 mil mortos.

O Brasil ficou mais submisso, mais pobre e mais desigual.

O ímpeto autoritário de Bolsonaro obedece a uma concepção que busca reduzir os instrumentos do Estado ao serviço das necessidades do clã e sua proteção contra inimigos reais ou potenciais.

Plutocracia e golpe

O ex-juiz que virou político Sérgio Moro caiu do pedestal onde fora exibido pela mídia corporativa, durante o período de preparação do golpe.

Caiu com algum ruído.

Afinal, não se pode, nem se deve, esconder um ex-juiz e ex-superministro com larga folha de serviços prestados tanto aos golpistas de 2016 quanto ao seu resultado imediato: a fraude eleitoral de 2018 que elegeu Bolsonaro.

Não custa lançar alguma luz sobre essa figura medíocre que se afasta para cultivar na sombra um eventual retorno como candidato a presidente da República. Assim se move a plutocracia brasileira.

O procurador Deltan Dallagnol procura sair de fininho… quanto menos ruído melhor, como antes dele, o procurador Carlos Fernando Santos Lima, um pioneiro em sair pela porta lateral… Um homem de visão… Escapou quando tudo ainda andava bem.

A Operação Lava Jato, a superprodução hollywoodiana vai, assim, perdendo pedaços… e deixando atrás de si um legado: uma subcultura de ação arbitrária dentro do Ministério Público.

Um órgão que deveria se ocupar da defesa dos interesses da sociedade, mas dedica a maior parte do seu tempo e recursos, em conluio com órgãos de inteligência estrangeiros, a mover ações contra adversários políticos e contra os interesses do Brasil.

Judiciário politizado

Assim funciona a Cosa Nostra. Seja no Ministério Público, seja no Judiciário: trabalha para proteger os seus, para que sigam a vida a salvo dos desconfortos de prestar contas pelos eventuais crimes que cometeram contra a sociedade e contra o país.

As absolvições ou anulações recentes de sentenças proferidas contra dirigentes do Partido dos Trabalhadores, em Tribunais de Recursos e Tribunais Superiores só confirmam o pântano em que a ação politizada do Judiciário, particularmente nos casos da Lava Jato, mergulhou o sistema de justiça do país.

O tempo se encarrega de desnudar a condução eivada de parcialidade de segmentos do Judiciário na condução daqueles processos.

Julgamento decente para Lula

Quinze anos depois do linchamento público e das condenações impostas, José Genoíno e Delúbio Soares foram absolvidos nos Tribunais de Recursos.

A judicialização da política, ainda que cometa atropelos como no caso do afastamento do governador do Estado do Rio, na última semana, foi levada a sentar-se no banco dos réus.

Na tarde de terça-feira última, o TRF- 1 absolveu o ex-presidente Lula de mais uma das ações que tramitavam contra ele.

O Judiciário brasileiro, se deseja se salvar do naufrágio e recuperar alguma credibilidade diante das sociedades civilizadas, deve um julgamento decente a este homem, encarcerado e impedido arbitrariamente de disputar, como favorito, a eleição de 2018, e também uma reparação pública àquela mulher, afastada de um mandato legítimo, sem ter cometido crime de responsabilidade.

E a frase de Rui Barbosa: “A justiça atrasada não é justiça; senão injustiça qualificada e manifesta”, nunca foi tão oportuna e atual. 

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21
Mar20

Bolsonaro e a responsabilidade nos crimes de guerra contra o coronavírus

Talis Andrade

 

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por Carol Proner

O coronavírus já inspira a liturgia da guerra em vários países. Macron foi enfático quanto ao inimigo invisível. Trump invocou ato de produção de defesa civil para garantir álcool gel e máscaras em escala militar. Merkel qualifica o vírus como o maior desafio da Alemanha desde a 2ª Guerra Mundial. Mas por aqui, na terra dos governantes de mente plana, a guerra é contra a ciência e as evidências exponencialmente confirmatórias. Os profissionais de saúde alertam que dados estão sendo falseados ou encobertos e que é iminente a catástrofe que devastará a vida de milhares de pessoas, em especial dos mais frágeis e dos socialmente mais vulneráveis.

É claro que o vírus acéfalo, que veio de avião e frequentou as colunas sociais nas festas e casamentos de famosos, já se espalhou nas comunidades carentes. E não foi por acaso que uma das primeiras mortes tenha sido a da empregada de 63 anos que cuidava dos patrões em quarentena na zona sul do Rio de Janeiro, um casal recém chegado da Itália e que passa bem.

Zizek, um dos primeiros intelectuais a opinar em meio à crise, tem insistido no argumento de que “estamos todos no mesmo barco”, de que saídas individuais não resolverão e que estamos diante da oportunidade de um “novo comum”, uma mudança ética que possa resgatar a racionalidade humana para salvar vidas. Mas talvez o filósofo esloveno, comovido pela solidariedade de outros países à Itália, mude de ideia ao conhecer a evolução do coronavírus no Brasil, onde a concentração de renda e de privilégios é extrema e que, por força dos golpes e das guerras híbridas, vem sendo governado por um bando de loucos violentos.

No Brasil das mentes planas, o governo e também a mídia classista, devidamente higienizada com álcool gel, ignoram a escala discriminatória dos efeitos desta guerra. Talvez achem que a circulação no barco de que fala Zizek possa ser feita com as pulseiras fosforescentes de acesso privilegiado, como estas que são usadas nos cruzeiros de luxo e festas de bacanas, evitando a entrada do vírus nos andares superiores. Nos porões do Brasil, mesmo com um programa de assistência única de saúde que pode ser considerado um exemplo para o mundo, estarão as vítimas mais numerosas, como já previnem os especialistas. No porão também está a multidão prisional, que já é grandemente formada por mortos-vivos, mas isso também faz parte da guerra.

Se é guerra, identifiquemos o inimigo e suas armas. E evoquemos a legislação com a mesma licença analógica dos dirigentes europeus, adaptando os tipos de crime às condutas a partir dos efeitos mórbidos. Se álcool gel é arma contra o vírus das multidões, qual será a arma contra um governo terraplanista que nega a gravidade da doença? Negar, sonegar, deixar de prover recursos para a saúde, não informar, desinformar, mentir e aplicar a perversidade das fake news contra as vidas humanas. Que tipo de novo crime é esse? Como qualificar os agravantes místicos das teorias conspiratórias e a responsabilidade de religiosos oportunistas no descarrilar da pandemia no Brasil?

O que Bolsonaro faz é lesa humanidade ou é diretamente genocídio? Sim, porque a única dúvida seria a de como enquadrar “tecnicamente” a atitude do capitão aos marcos do direito internacional, um exercício teórico relativamente inútil, já que os mortos, em proporção bélica, logo estarão na superfície.

Talvez Olavo de Carvalho, após estimular as multidões a comparecerem às ruas no dia 15 de março, tenha gostado de pensar, sugerindo ser coisa de Bill Gates, que o coronavírus foi criado para reduzir a população. Eis algo que pode inspirar os sonhos distópicos dessa gente: inocular no coronavírus a aporofobia que contamina as relações sociais no Brasil e no mundo, pulseirar o vírus com o ódio aos indigentes e restringi-lo aos porões de parasitas, em especial os pobres idosos, numa versão brasileira do filme de Bong Joon Ho.

Neste mesmo bairro da zona sul onde trabalhava a cuidadora do casal em quarentena, as panelas bateram com força nessa quarta-feira, acompanhadas de gritos de “louco”, “miliciano” e “assassino”. Já é um começo, mas o tom deverá subir quando ficar evidente que Presidente da República é um aliado do coronavírus e que o comportamento governamental é criminoso diante de um novo tipo de guerra internacionalmente considerada.  

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17
Mar20

Se o coronavírus infectar milhares de brasileiros nas próximas semanas, o maior culpado já tem nome: Jair Bolsonaro

Talis Andrade

 

O Brasil é governado por um psicopata que age de forma criminosa, escreve Philipp Lichterbeck

 

Jair Bolsonaro participa de protestos no dia 15 de março

Em 15 de março, Bolsonaro participou de protestos que havia pedido para serem cancelados

 

Antes das eleições de 2018, escrevi aqui sobre a hostilidade do bolsonarismo em relação à ciência. Agora, está comprovado aonde isso leva. Direto para a catástrofe. A situação no Brasil pode muito bem ser comparada à Idade Média na Europa. Naquela época, o fanatismo religioso fez com que fossem esquecidos os conhecimentos dos gregos e romanos no campo da higiene. Um resultado: a peste negra atravessou a Europa e matou milhões que nem sabiam como pegaram a doença, porque o veículo de transmissão – pulgas que passavam de ratos para humanos – era desconhecido.

A covid-19 é a peste negra do Brasil. Se o novo coronavírus fizer com que milhares de brasileiros adoeçam nas próximas semanas e levar não apenas o sistema de saúde, mas também a sociedade brasileira à beira do caos, haverá para isso um principal culpado. O nome dele é Jair Bolsonaro, ele é chefe de Estado de 210 milhões de pessoas e disse que não se importa com o coronavírus. Ele age de forma criminosa. O Brasil é liderado por um psicopata, e o país faria bem em removê-lo o mais rápido possível. Razões para isso haveria muitas. Também não parece mais absurdo que os generais já estejam fartos do caos que o presidente está causando, enquanto uma pandemia ameaça o Brasil.

O problema não é apenas a maldade do presidente, que, por vaidade e cálculo político, coloca em risco a vida de centenas de pessoas e desrespeita acintosamente as recomendações da Organização Mundial da Saúde. É, antes, sua limitação cognitiva. A visão de mundo de Bolsonaro e de seus seguidores é, na sua primitividade, algo difícil de superar. Tudo o que é complexo demais para eles, descrevem como invenção da mídia e dos comunistas. Foi o que o bispo Edir Macedo, chefe da medieval IURD, acabou de dizer, literalmente, sobre o coronavírus.

O colunista da DW Brasil, Philipp Lichterbeck

O colunista da DW Brasil, Philipp Lichterbeck

Já em 2019 foi possível ver até onde a hostilidade à ciência do bolsonarismo pode levar, quando o presidente demitiu um dos cientistas mais respeitados do país ao ficar contrariado com seus dados sobre os incêndios florestais na Amazônia. Isso deveria ter sido um aviso. Porque decisões responsáveis são tomadas com base no conhecimento, e não no delírio. Quando se trata de resolver problemas reais, como a pandemia do coronavírus, a verdade tem uma clara vantagem prática: ela funciona. E, da mesma forma: quem sabe muito, se torna humilde; quem sabe pouco, arrogante. E arrogância é, definitivamente, algo que não falta a este presidente e à sua turma.

Na Europa e, especialmente, na Ásia, vê-se agora como a ciência é importante para lidar com a pandemia do coronavírus. Aumenta novamente a demanda por cientistas e políticos sóbrios, enquanto os populistas, com suas mentiras e teorias da conspiração, são postos de lado. A situação é extrema demais para ser relegada a extremistas. Mas no Brasil, o extremista ocupa o mais alto cargo do Estado.

O governo brasileiro teve tempo suficiente para evitar o pior quando os dois primeiros casos de covid-19 foram notificados em São Paulo. Se o governo cuidasse do bem-estar dos brasileiros, rapidamente teria começado a restringir a vida pública e a preparar a população. Hoje, se conhece, a partir dos exemplos de China, Itália, Espanha e França, a forma rápida e devastadora com que o coronavírus pode se espalhar. Também está claro que isso não interessa ao presidente e a seus seguidores.

O filósofo Harry G. Frankfurt escreve em seu livro On Bullshit (Sobre falar merda) que o "bullshitter" é pior que o mentiroso, porque este último ainda tem pelo menos uma conexão com a verdade que ele nega. Já o bullshitter não se importa com nada. Ele diz qualquer absurdo para agradar seus seguidores e satisfazer sua vaidade.

Se o bullshitter é seu vizinho José ou sua tia Márcia, pode até ser bastante divertido. Mas se o bullshitter é o presidente do Brasil e se, ao mesmo tempo, o país enfrenta uma pandemia, então realmente é possível que venha o pânico contra o qual todos estão alertando. O problema não se chama coronavírus. Ele se chama Bolsonaro. O tempo está voando.

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Philipp Lichterbeck queria abrir um novo capítulo em sua vida quando se mudou de Berlim para o Rio, em 2012. Desde então, ele colabora com reportagens sobre o Brasil e demais países da América Latina para jornais na Alemanha, Suíça e Austria. Ele viaja frequentemente entre Alemanha, Brasil e outros países do continente americano. Siga-o no Twitter em @Lichterbeck_Rio.

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A Deutsche Welle é a emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas

 

 

02
Abr19

Coincidência suspeita no ataque aos maiores conglomerados brasileiros

Talis Andrade

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por Jose Carlos de Assis

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A tragédia da Vale em Brumadinho/Mariana remete à tragédia brasileira de submissão à volúpia do grande capital e aos interesses materiais das grandes corporações estrangeiras. Jamais se poderá perdoar os culpados por mais de 200 mortes das barragens em Minas. Mas quem são os culpados? Há uma estúpida legislação que diz que são também culpadas por eventuais crimes no âmbito de empresas as pessoas jurídicas, além das pessoas físicas. Um instituto secular do Direito diz que a culpa é pessoal. Como atribuir culpa criminal a pessoas jurídicas?

Nos Estados Unidos, hoje fonte de nosso Direito copiado e atrofiado, tudo na Justiça se resolve por dinheiro. É muito conveniente. Dirigentes de empresas se safam de culpas corporativas com limitadas multas ou leves penas criminais repassando os danos reais a instituições financeiramente poderosas. Estas pagam multas vultosas, que pouco lhes custam, e protegem seus dirigentes de processos criminais. Não me consta que executivos da Exxon tenham sido condenados pelo crime ambiental do gigantesco acidente com um petroleiro no Alasca, anos atrás!

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A culpa pelos acidentes criminais da Vale não são da empresa, mas dos dirigentes, inclusive de seus Conselhos de Administração. Foram eles que autorizaram a distribuição de dividendos vultosos em detrimento de investimentos em segurança. É aí que mora a ganância. Não venham me dizer que a culpa é da Vale, exceto na parte civil que implica indenizações. A Vale não é uma coisa. É um conjunto de relações. Com os trabalhadores e suas famílias. Com os fornecedores. Com a clientela interna e internacional. Com o sistema bancário. Com o Fisco. Com a Previdência.

Enquanto foi uma empresa de economia mista controlada pelo Governo, não houve registro de acidentes na escala de Brumadinho ou de Mariana. Isso porque os dirigentes públicos da Vale não estavam sob pressão de gerar lucro a qualquer custo e distribuí-lo a acionistas na forma de dividendos ultra-generosos. Já os privatistas que tomaram conta da empresa por preço simbólico arbitrado por Fernando Henrique Cardoso estão esgotando a curto prazo todo o potencial econômico da Vale para gerar lucro máximo imediato. Se tivéssemos governo, seria o caso de começar a pensar em reverter a privatização.

Se há Justiça no Brasil, terá de haver uma investigação para definir criminalmente os responsáveis pelas decisões de retrair o investimento em segurança e maximizar os lucros da empresa. Cadeia neles. Mas preservem a empresa. Uma Vale saudável, mesmo em mãos do setor privado, é a garantia de um fluxo de recursos para indenizações das vítimas e de suas famílias, de um fluxo de contribuições previdenciárias e de impostos, e de um fluxo de recursos para normal funcionamento como pivô de relações comerciais e bancárias na economia.

Sou avesso a teorias de conspiração. Mas é inevitável associar o caso da Vale ao da Petrobrás e ao da JB&S. Falhas nessas empresas estão sendo aproveitadas para desequilibrar economicamente os maiores conglomerados brasileiros em suas áreas, comprometendo milhões de empregos diretos e indiretos. O caso da Petrobrás é paradigmático. Aproveitaram a circunstância de que um bando de escroques, pessoas físicas, cometeram grandes fraudes contra a empresa para dilapidá-la num processo de fragmentação empresarial sem qualquer sentido econômico ou empresarial. Já os dirigentes corruptos estão soltos, usufruindo de fortunas amealhadas com delações premiadas.

E isso não foi especificamente contra a Petrobrás. Estão entregando o pré-sal no rastro da dilapidação da empresa num dos casos mais flagrantes de entrega ao capital estrangeiro do maior ativo de recursos naturais do país, o pré-sal, que se imaginou ser o passaporte para nosso desenvolvimento econômico. Nesse processo de construção da ruína da Petrobrás, anuncia-se a privatização de suas refinarias de forma a enfraquecê-la empresarialmente, reduzindo sua capacidade de gerar capacidade de financiamento e estabilização de preços, em troca de conferir a privados monopólios virtuais de refino.

É notável a participação do Judiciário no processo de desnacionalização de nossas grandes empresas. No caso da Vale, por oportunismo ou por razões midiáticas, promotores e juízes estão submetendo a empresas a infindáveis bloqueios de recursos para pagar possíveis indenizações pessoais e ambientais. Em lugar de acelerarem os processos, seja em favor de famílias, seja em relação ao meio-ambiente, preferem as manchetes espetaculares, mesmo que não tenham qualquer conseqüência prática no curto prazo, e, dada a Justiça brasileira, sequer no médio prazo.

Aconteceu coisa similar com a JB&S. A grande pioneira brasileira no comércio mundial da carne tornou-se alvo de investigações espúrias que abalaram fortemente sua posição internacional. A contribuição do besteirol interno às críticas à empresa, com grande cobertura da mídia, foram os vultosos financiamentos que o BNDES lhe concedeu. A ignorância ou a má fé contornaram o fato de que, pela via de um financiamento interno, sem a agiotagem dos bancos internacionais, o Brasil conseguiu ter um conglomerado líder no mercado da carne.

Talvez seja coincidência que os três únicos grandes conglomerados brasileiros em alimentos e commodities estejam sendo submetidos simultaneamente a ataques violentos na Justiça e na mídia. Mas não pode ser apenas coincidência que a Petrobrás está sendo obrigada a ceder espaços para as grandes multinacionais do petróleo; que a Vale, se continuar o processo atual de criminalização da empresa e não dos seus dirigentes, será engolida pelos seus concorrentes australianos; e que a JB&S acabará nas mãos de algum grupo norte-americano.

Alternativa? Simples. Em caso de corrupção ou de má gestão, imediato afastamento dos dirigentes do conglomerado e mão pesada sobre os responsáveis pelos desvios. A separação absoluta dos dirigentes das empresas da pessoa jurídica possibilitaria realizar, com os novos dirigentes, acordos de leniência, prevendo as devidas indenizações, fora de um ambiente de propaganda que não pune realmente os responsáveis e apenas prejudica a empresa enquanto pessoa jurídica. Se isso tivesse sido feito em 2015, conforme sugeri numa palestra no Clube de Engenharia, centenas de milhares de empregos na Petrobrás teriam sido poupados, sua integridade seria preservada, assim como sua cadeia produtiva envolvendo milhares de pequenas e médias empresas.

 

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02
Abr19

Para polícia, não há negociação, o trem vai passar, mesmo que custe vidas

Talis Andrade

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por Maria Júlia Gomes Andrade

 

A escolha da jornada da luta de mulheres deste ano inspirou muitas perguntas, na reflexão sobre Brumadinho: Quantas trabalhadoras morreram? Quantas mães morreram? Quantas filhas morreram? Quantas viúvas ficaram? Quantos órfãos ficaram? Quem vai cuidar desses filhos e filhas, agora órfãos?

No dia 14 de março de 2019 completou-se um ano do assassinato de Marielle Franco. Atos ecoaram em todo o Brasil e, também, em muitos outros países. Da madrugada até as últimas horas do dia aconteceram manifestações, debates, marchas, assembleias, saraus em todas as partes. Era óbvio para as mulheres militantes que precisávamos fazer alguma coisa nesse dia. Porque não aceitamos naturalizar a execução de Marielle. Porque lutar para que não se esqueça e perguntar "Quem mandou matar?" nos move para muitas outras batalhas. A jornada de luta das mulheres este ano começou no dia 08 de março e foi até o dia 14. Marielle é inspiração e fogo no pavio.

Em Minas Gerais muita coisa aconteceu também. E as mulheres do MST e do MAM decidiram honrar a memória de Marielle denunciando outro crime: o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho. Mais de 300 pessoas morreram nesse dia. Mais de 70 eram mulheres. Soterradas, sufocadas, arrastadas e partidas pela lama de rejeitos da Vale. A maioria das pessoas eram trabalhadores da Vale ou de empresas terceirizadas, que estavam ali, trabalhando como um dia qualquer. Muitas das vítimas fatais estavam nos espaços dos escritórios, laboratórios, oficinais, vestuário ou refeitório. A Vale escolheu construir todas estas estruturas logo abaixo da barragem de rejeitos B1, a que se rompeu no dia 25 de janeiro. Com o detalhe revoltante de que quando o complexo minerário era da mineradora Ferteco (de quem a Vale comprou em 2001), várias destas estruturas se localizavam em outra parte do empreendimento, e que não foram atingidas pela lama. Inclusive o refeitório, onde muitos infelizmente estavam por ter sido horário de almoço o momento do rompimento. Quais corpos são descartáveis? Os trabalhadores são mais descartáveis? Os corpos negros, maioria da população em muitas das comunidades de Brumadinho, são descartáveis?

As mulheres do MST representavam ali as mulheres do campo que têm os seus territórios invadidos por projetos de mineração e que, em muitas regiões, têm a sua forma de vida e de renda alterada profundamente em consequência dos impactos: pela contaminação ou assoreamento das águas e pelo confinamento da terra gerada pela disputa do território quando chegam os empreendimentos de mineração. Estes impactos têm consequências diretas: é bastante comum a diminuição ou mesmo inviabilização da agricultura onde a mineração se instala.

As mulheres do MAM, as atingidas pela mineração, representavam aquele dia todas aquelas que estão em conflito com o atual modelo mineral. As mulheres que precisam cuidar dos seus filhos e familiares doentes por causa da poeira das explosões das minas ou pelo pó que é espalhado dos trens que levam todo o dia nossos bens minerais para os portos. As mulheres que precisam varrer e lavar roupas muitas vezes, não raro mais do que uma vez, já que a poeira do minério suja muito mais os lugares atingidos pela mineração. Quem é mesmo na nossa sociedade a quem a dimensão do cuidado com a família e com a casa é atribuído como algo "natural"?

A mineração atualiza, onde chega, as relações machistas e patriarcais que já existem na nossa sociedade.

A escolha da jornada da luta de mulheres deste ano inspirou muitas perguntas, na reflexão sobre Brumadinho: Quantas trabalhadoras morreram? Quantas mães morreram? Quantas filhas morreram? Quantas viúvas ficaram? Quantos órfãos ficaram? Quem vai cuidar desses filhos e filhas, agora órfãos?

 

Escolha do território

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Optou-se por um ato simbólico, na cidade de Sarzedo, vizinha A Brumadinho. O complexo Paraopeba, de onde rompeu a barragem em janeiro, abrange dois municípios: Brumadinho (onde fica a mina Córrego do Feijão) e Sarzedo (local da mina Jangada). O complexo abarca minas, barragens, estradas internas e plantas de beneficiamento. Pela ferrovia que passa pelo centro de Sarzedo é escoado parte do minério do Complexo Paraopeba e de vários empreendimentos minerários na região.

E o município de Sarzedo é ainda ameaçado pelo empreendimento da mineradora Itaminas, barragem que apresentou recentemente problemas na estrutura, e que em caso de rompimento tomaria vários bairros da cidade, na área urbana. Isso tem gerado um verdadeiro terror na população, eles sabem bem o que a lama de rejeitos pode causar. Inclusive várias vítimas fatais do crime da Vale em Brumadinho eram moradores de Sarzedo, e eram trabalhadores do complexo Paraopeba.

Durante o ato, as mulheres liam os nomes completos de cada uma das trabalhadoras que foram assassinadas pela Vale no dia 25 de janeiro. E nesse exato momento a Polícia Militar de Minas Gerais começou a jogar bombas de efeito moral. Mirando as pessoas. Mais assustador ainda: muitos deles riam enquanto jogavam bombas. Muitos riam ao passarem as mulheres carregadas, machucadas. Nesse momento da bomba houve correria, tombos, sangue nos corpos machucados pela violência.

Dez pessoas ficaram mais machucadas e tiveram que ser levadas ao hospital: nove mulheres e um homem, jornalista cobrindo a manifestação. Dezenas de outras mulheres ficaram também machucadas no pânico. Não houve negociação para a liberação da ferrovia, houve um aviso: saiam agora ou sairão à força. Os policiais no comando sequer aceitaram dialogar com as advogadas que estavam acompanhando a ação. E as mulheres responderam: vamos terminar a cerimônia de homenagem a Marielle e em homenagem às mulheres que morreram na lama de rejeitos da Vale, e em seguida saímos. Ato simbólico e com previsão de ser breve. Mas a urgência se explica, na lógica deles: está vindo um trem da mineração e ele vai passar. Não há negociação, o trem vai passar. Não importa quantas pessoas morreram do município, quantas morreram em Brumadinho, sequer importa se há acima das cabeças da população uma barragem de rejeitos que pode romper. O trem vai passar. Por cima das mulheres, que estavam ali homenageando outras mulheres. O trem vai passar.

Os cães do Estado em Minas Gerais são, em muitas partes, também os cães das mineradoras. Mas que eles não se esqueçam: onde tem mulheres na mineração, tem luta. E apesar de toda a fumaça das bombas malditas, e de tantas pessoas machucadas, a cerimônia de homenagem não parou: as mulheres leram até o final a lista daquelas mulheres que a Vale assassinou no dia 25 de janeiro de 2019.

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01
Abr19

Novas notas sobre a catástrofe da barragem em Brumadinho

Talis Andrade

Por Gabriel Wedy

(...) um grupo de importantes ONGs, integrado por Greenpeace Brasil, Mining Watch Canada e Global Justice Clinic of the New York University, pediu a exclusão da Vale do Pacto das Nações Unidas sobre Desastres em Barragens, como divulgado pelo The New York Times[1].

Por recomendação da Agência Nacional de Mineração (ANM), o Ministério de Minas e Energia (MME), por sua vez, definiu uma série de medidas de precaução de acidentes nas cerca de mil barragens existentes no país, começando neste ano e prosseguindo até 2021. A medida inclui a extinção ou descaracterização das barragens chamadas a montante até 15 de agosto de 2021. Dos tipos de barragens disponíveis para a mineração, como se sabe, as barragens a montante são as menos seguras e as mais baratas[2]. Referida medida de gestão pública, evidentemente, não basta, o gerenciamento de riscos[3] precisa melhorar também nas barragens inativas[4]. Sobre o tema bem refere, com notável qualidade técnica, o professor da USP, especializado em barragens, Luiz Henrique Sanchès:

Barragens inativas precisam ser tão bem cuidadas quanto barragens em operação, independentemente do método construtivo. Em alguns casos, barragens de rejeitos são verdadeiras jazidas minerais, contendo minério de teor aproveitável. Mas outras barragens não têm esse potencial e talvez fiquem para sempre não apenas como marcas na paisagem, mas também como bombas-relógio. Barragens inativas precisam de manutenção e monitoramento por períodos longos, que se estendem além do fechamento da mina. Portanto, cuidar de uma barragem inativa tem custo para a empresa num momento em que a mina não gera mais receita. Se os custos totais de construir, operar e desativar uma barragem de rejeitos forem devidamente contabilizados, alternativas tecnológicas que têm sido evitadas pelas empresas poderiam se revelar mais baratas[5].

Solta às escâncaras, neste quadro, que ouve aplicação tardia do princípio da precaução[6] e foi violado o princípio da proporcionalidade, em face da vedação da proteção insuficiente de direitos fundamentais[7], como o meio ambiente ecologicamente equilibrado e a vida humana, para não se mencionar outros, como a propriedade privada, em face dos bilionários danos decorrentes desta catástrofe previamente anunciada pela própria tragédia de Mariana, três anos antes. É sabido e consabido, não se pode ignorar, que aumentaram as falhas sérias e muito sérias, que já não eram poucas, em barragens nos últimos anos[8], o que faz ainda mais graves as evidentes omissões e ações, privadas e estatais. Deve ser observado com atenção o gráfico que demonstra o aumento de falhas em barragens em todo o mundo:

 

A ausência da adoção de efetivas medidas precautórias pelo Estado brasileiro e por empresas privadas, para além de existir, se agrava em um cenário real de aumento de falhas em barragens. Não fosse esta infeliz constatação, resta cada vez mais evidenciado que a não adoção de medidas de precaução para a proteção da vida humana e do meio ambiente — direitos constitucionais fundamentais — gera mais prejuízos do que lucros[9]. Neste sentido são os dados da NYSE, que aponta para o despencar das ações da Vale após a catástrofe de Brumadinho:

 

E o Brasil, impossível dourar a pílula, está totalmente desatualizado em matéria de gestão de riscos[10] de barragens — como demonstram de modo dramático os casos Brumadinho e Mariana —, uma vez que sequer avalia o impacto das mudanças climáticas[11] que possui, como consequência principal, o aumento das chuvas e outros eventos extremos de causas antrópicas que são riscos sérios e potenciais a serem considerados de modo atento e obrigatório na segurança das barragens[12].

O tema demonstra relevo na medida em que o número, a intensidade e o impacto das diversas formas de desastres[13], para além de não diminuírem ou estabilizarem, aumentam como fogo nas macegas em dias de vento.

A melhoria qualitativa e quantitativa das ações preparatórias para evitar e mitigar catástrofes, por outro lado, está em voga, como demonstra o documento de referência sobre o tema: Sendai Framework for Disaster Risk Reduction 2015-2030[14]. A efetiva incorporação desta convenção-quadro na educação e na legislação ambiental é central para um melhor entendimento no âmbito do Direito do que seja a administração dos riscos de desastres e a sua correspondente e imperiosa mitigação. No diploma se defende uma implementação inovadora, multissetorial e coerente com a multiplicidade dos riscos de desastres como exposto com brilhantismo, aliás, em vanguardista e recente doutrina sobre o tema[15].

A Política Nacional de Segurança de Barragens necessita com urgência, afastada a retórica falaciosa, estar articulada com as sete metas globais da Convenção-Quadro de Sendai para a Redução do Risco de Desastres. São estas as metas a serem observadas:

(a) reduzir substancialmente a mortalidade global por desastres até 2030, com o objetivo de reduzir a média de mortalidade global por 100 mil habitantes entre 2020-2030, em comparação com 2005-2015;

(b) reduzir substancialmente o número de pessoas afetadas em todo o mundo até 2030, com o objetivo de reduzir a média global por 100 mil habitantes entre 2020-2030, em comparação com 2005-2015;

(c) reduzir as perdas econômicas diretas por desastres em relação ao produto interno bruto (PIB) global até 2030;

(d) reduzir substancialmente os danos causados por desastres em infraestrutura básica e a interrupção de serviços básicos, como unidades de saúde e educação, inclusive por meio do aumento de sua resiliência até 2030;

(e) aumentar substancialmente o número de países com estratégias nacionais e locais de redução do risco de desastres até 2020;

(f) intensificar substancialmente a cooperação internacional com os países em desenvolvimento por meio de apoio adequado e sustentável para complementar suas ações nacionais para a implementação deste quadro até 2030[16].

Nesta toada parece que a mineradora e o Estado não poderiam ter se eximido de adotar medidas precautórias anticatástrofe aptas a interromper o nexo causal do mencionado ato-fato jurídico de Brumadinho e, consequentemente, não podem ficar alheios à reparação, em virtude de ações ou omissões, a serem apuradas, sob o crivo do devido processo legal, dos danos materiais e morais sofridos pelas vítimas e pelo meio ambiente.

A legislação constitucional e infraconstitucional brasileira adotou o princípio da precaução como instrumento de tutela do meio ambiente, acompanhando uma tendência internacional de implementação do princípio e este deve ser aplicado, logicamente, no gerenciamento dos riscos de catástrofes causados pelas barragens de mineração ativas e inativas[17]. Em caso envolvendo barragem, o STJ já determinou, em relevante precedente, a realização de obras, com base no princípio da precaução, para se evitar o rompimento desta, como no caso da barragem de Poços, localizada no município de ltaueira (PI)[18].

Em tempo, não se pode olvidar que o Poder Judiciário, não faz muito, aplicou a responsabilidade objetiva e a teoria do risco integral em caso específico de rompimento de barragem decorrente de atividades de mineração[19]. O dano moral, em matéria ambiental, também tem sido reconhecido por remansosa jurisprudência para compensação das vítimas em casos específicos de rompimentos de barragens administradas por mineradoras[20]. A jurisprudência, portanto, é firme no sentido do reconhecimento da responsabilização civil dos particulares e do poder público em litígios envolvendo o rompimento de barragens a serviço das atividades de mineração.

O Estado, as mineradoras, as corporações, as companhias e a sociedade civil necessitam estar vinculados estritamente ao cumprimento do previsto na 3ª Conferência Mundial das Nações Unidas sobre a Redução do Risco de Catástrofes, que adotou o Quadro de Sendai 2015-2030 e suas quatro conhecidas prioridades, a saber:

(a) aprofundar o conhecimento sobre o risco de catástrofes;

(b) fortalecer a componente de gestão do risco de catástrofes;

(c) investir na componente de redução do risco de catástrofes para uma melhor resiliência; e

(d) reforçar a componente de preparação para uma resposta efetiva.

É preciso integrar nas práticas de boa governança essas quatro prioridades construídas no âmbito do Gabinete das Nações Unidas para a Redução dos Riscos de Desastres, especialmente para a tutela e a concretização de direitos fundamentais hoje um tanto negligenciados e que são vitais para as presentes e futuras gerações dentro de uma perspectiva holística e intergeracional promotora do princípio e do direito fundamental ao desenvolvimento sustentável[21]. 


[1] THE NEW YORK TIMES. NGOs Push to Expel Brazil Miner Vale From U.N. Pact Over Dam Disaster. Disponível em: https://www.nytimes.com/reuters/2019/02/12/world/americas/12reuters-vale-sa-disaster-ngo.html. Acesso em: 21/2/2019.
[2] THE WALL STREET JOURNAL. Deadly Brazil Mine Accident Puts Waste Dams in Spotlight. Disponível em: https://www.wsj.com/articles/deadly-brazil-mine-accident-puts-waste-dams-in-spotlight-11548874428. Acesso em: 20/2/2019.
[3] Em relação a catástrofes, gerenciamento de riscos e respostas efetivas ver: POSNER, Richard. Catastrophe: Risk and Response. New York: Oxford Universtity Press, 2005.
[4] SANCHÈS, Luiz Henrique. É urgente gerenciar melhor riscos das barragens de rejeitos inativas. Jornal da USP. <https://jornal.usp.br/artigos/e-urgente-gerenciar-melhor-riscos-das-barragens-de-rejeitos-inativas>. Acesso: 21/2/2019.
[5] SANCHÈS, Luiz Henrique. É urgente gerenciar melhor riscos das barragens de rejeitos inativas. Jornal da USP. <https://jornal.usp.br/artigos/e-urgente-gerenciar-melhor-riscos-das-barragens-de-rejeitos-inativas>. Acesso: 21/2/2019.
[6] Sobre uma visão aprofundada e crítica do princípio da precaução consultar o professor da Harvard Law School Cass Sunstein em sua clássica obra: SUNSTEIN, Cass. Laws of Fear: Beyond the precautionary principle. New York: Cambridge Press, 2005. E sobre a análise dos riscos e do custo-benefício na adoção de medidas anti-catástrofe e precautórias consultar obra do mesmo autor: SUNSTEIN, Cass. Worst-Case Scenarios. Cambridge: Harvard University Press, 2007.
[7] A respeito deste tópico ver: WEDY, Gabriel. O princípio constitucional da precaução como instrumento de tutela do meio ambiente e da saúde pública. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2017. E, também, importantes artigos sobre o tema: SARLET, Ingo Wolfgang. Constituição e proporcionalidade: o Direito Penal e os direitos fundamentais entre proibição de excesso e de insuficiência. Revista da Ajuris, Porto Alegre, Ano XXXII, n. 98, jun. 2005; STRECK, Lenio. A dupla face do princípio da proporcionalidade: da proibição de excesso (übermassverbot) à proibição de proteção deficiente (untermassverbot) ou de como não há blindagem contra normas penais inconstitucionais. Revista da Ajuris, Porto Alegre, Ano XXXII, n. 97, p.201-2, mar. 2005; e, FREITAS, Juarez. Princípio da precaução: vedação de excesso e de inoperância. Revista Interesse Público, Sapucaia do Sul, ano VII, n 35, 2006.
[8] WORLD MINE TAILING FAILURES. Disponível em: https://worldminetailingsfailures.org. Acesso em: 20/2/2019.
[9] CNBC. Shares of Vale Plunge After a Company Owned Dam Breaks. Disponível em: https://www.cnbc.com/2019/01/25/shares-of-vale-plunge-after-a-company-owned-dam-breaks.html. Acesso em: 20/2/2019.
[10] A respeito de julgamentos em estados de incerteza, ver: VERMEULE, Adrian. Judging Under Uncertainty. Cambridge: Harvard University Press, 2006.
[11] Sobre o tema, Direito das Mudanças Climáticas, importante consultar uma das obras mais relevantes nos Estados Unidos e no Mundo sobre o assunto, ver: GERRARD, Michael; FREEMAN, Jody (Ed.). Global Climate Change and U.S Law. New York: American Bar Association, 2014.
[12] THE NEW YORK TIMES. Brazil’s Lethal Environmental Negligence.Disponível em: https://www.nytimes.com/2019/01/31/opinion/brazil-dam-break-environment-bolsonaro.html. Acesso em: 21/2/2019.
[13] Em relação ao Direito dos Desastres ver: FARBER, Daniel. Disaster Law and Inequality. Law and Inequality, Minneapolis, v. 25, n. 2, p. 297-322, 2007 e, igualmente, CARVALHO, Délton. Desastres ambientais e sua regulação jurídica. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.
[14] UNITED NATIONS OFFICE FOR DISASTER RISK REDUCTION. Sendai Framework for Disaster Risk Reduction. Disponível em: https://www.unisdr.org/we/coordinate/sendai-framework. Acesso em: 10/1/2019.
[15] Consultar: SAMUEL, Katja L.H; ARONSON- STORRIER, Marie; BOOKMILLER, Kirsten Nakjavani. The Cambridge Handbook of Disaster Risk Reduction and International Law. Cambridge: Cambridge University Press, 2019.
[16] UNITED NATIONS OFFICE FOR DISASTER RISK REDUCTION. Sendai Framework for Disaster Risk Reduction. Disponível em: https://www.unisdr.org/we/coordinate/sendai-framework. Acesso em: 10/1/2019.
[17] Sobre o tema ver: WEDY, Gabriel. O princípio constitucional da precaução como instrumento de tutela do meio ambiente e da saúde pública. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2017. Sobre as modernas tendências do Direito da Mineração e os riscos de gestão no âmbito internacional é relevante consultar: SOUTHALAN, John. Mining Law and Policy: international perspectives. Sydney: The Federation Press, 2012.
[18] SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. AgInt no AREsp 958.718/PI, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 21/2/2017, DJe 18/4/2017.
[19] SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REsp 1374284/MG, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, julgado em 27/8/2014, DJe 5/9/2014.
[20] SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. AgRg no AREsp 173.000/MG, Rel. Ministro Antônio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 25/9/2012, DJe 1/10/2012.
[21] Sobre o direito fundamental ao desenvolvimento sustentável, ver: WEDY, Gabriel. Desenvolvimento sustentável na era das mudanças climáticas: um direito fundamental. São Paulo: Editora Saraiva, 2018.

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