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1
Vieram
soldados
de armas
nas mãos
Vieram
soldados
de botas
pretas
Gritaram forte
espancaram forte
vasculharam tudo
tudo
2
Tomaram retratos documentos
Os carcereiros regiam quase tudo
Os carcereiros não podiam acorrentar
os sonhos de liberdade a doce
esperança de encontrar
a Terra Sem Mal
3
Acaso o corpo presunto
se conserve vivo
na câmara frigorífica
Liberto dos sequazes
o corpo defunto
escape do inferno
não há como afastar
a persistente presença
do senhor da tortura
Acaso o preso escape
ileso das mãos homicidas
não há como esquecer
o contato na carne
das tenazes em brasa
a comida pastosa
empurrada na boca
as unhas arrancadas
os dentes quebrados
Não há como esconder
as visíveis marcas
confundindo a alma
quebrantando o corpo
4
Como varrer da memória
as cenas de esquartejamento
Esquecer uma madrugada
a porta da casa derrubada
foi retirado da cama
e jogado em um negro carro
idêntico aos coches
das casas mortuárias
Uma madrugada as corujas nefastas
cobriram o céu azul com suasas negras
e metálicas
Uma noite os olhos diante
dos horrores do holocausto
quedaram macabramente inúteis
Infaustos olhos de Santa Luzia
exibidos em um prato de prata
5
Os olhos desbotados
pela salmoura das frias
paredes dos presídios
vazados nas masmorras
do Santo Ofício
arrancados nos porões
d a d d
i u
t r
d i t a d u r a
u d
r u
a a d i t a
Os olhos tristes
de quem sentiu
quanto (ser)vil
pode se tornar
o bicho homem
De Lázaro os olhos
de quem voltou
do país das sombras
querem
os verdes anos perdidos
o azul a paz
de longínquo cais
a liberdade dos espaços
brancas velas de uma jangada
no horizonte
pássaros velejando
o infinito
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Foto Casa dos Mortos, em Petrópolis
Prisão clandestina da Ditadura de 64
Poema do livro O Enforcado da Rainha
de Talis Andrade