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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

29
Mai18

LIÇÕES DE (NÃO) VIVER NO CÁRCERE

Talis Andrade

 

casa-da-morte..jpg

 

A sobrevivência

   alimenta-se de esperanças

   a fome dorida de espaços

   Da casa paterna a reminiscência

   os compridos corredores da infância

   os quartos imensos

   a mesa grande e farta

   a alegria dos extensos quintais

   repletos de frutas e pássaros

 

O sonho

    Das ruas e praças a liberdade

    A diversidade da paisagem

    que se renova a cada passo

 

A contemplação

   O sol se pondo no horizonte

   O sol uma bola de fogo

   se pondo por trás dos morros

   trazendo as infindas noites

   de êxtase e chope

 

A masturbação

  Em nenhuma circunstância

  profana a recordação

  da amorosa cena

  a fêmea apagando

  a chama do cigarro

  escurecendo o quarto

 

---

Foto Casa da Morte

Talis Andrade, O Enforcado da Rainha, ps. 124/125

 

 

29
Mai18

DITADURA MILITAR Recordações da Casa dos Mortos

Talis Andrade

 

casadamorte.png

 

 

1

Vieram

soldados

de armas

     nas mãos

 

Vieram

soldados

de botas

     pretas

 

Gritaram forte

espancaram forte

vasculharam tudo

      tudo

 

2

Tomaram retratos documentos

Os carcereiros regiam quase tudo

Os carcereiros não podiam acorrentar

os sonhos de liberdade a doce

esperança de encontrar

a Terra Sem Mal

 

3

Acaso o corpo presunto

se conserve vivo

na câmara frigorífica

Liberto dos sequazes

o corpo defunto

escape do inferno

não há como afastar

a persistente presença

do senhor da tortura

 

Acaso o preso escape

ileso das mãos homicidas

não há como esquecer

o contato na carne

das tenazes em brasa

a comida pastosa

empurrada na boca

as unhas arrancadas

os dentes quebrados

Não há como esconder

as visíveis marcas

confundindo a alma

quebrantando o corpo

 

4

Como varrer da memória

as cenas de esquartejamento

Esquecer uma madrugada

a porta da casa derrubada

foi retirado da cama

e jogado em um negro carro

idêntico aos coches

das casas mortuárias

Uma madrugada as corujas nefastas

cobriram o céu azul com suasas negras

e metálicas

Uma noite os olhos diante

dos horrores do holocausto

quedaram macabramente inúteis

Infaustos olhos de Santa Luzia

exibidos em um prato de prata

 

5

Os olhos desbotados

pela salmoura das frias

paredes dos presídios

vazados nas masmorras

do Santo Ofício

arrancados nos porões

 

 

d a   d         d

         i         u

         t         r

d i  t  a d u r a 

u      d

r       u      

a       a  d i t a

 

Os olhos tristes

de quem sentiu

quanto (ser)vil

pode se tornar

o bicho homem

 

De Lázaro os olhos

de quem voltou

do país das sombras

querem

 

os verdes anos perdidos

o azul a paz

de longínquo cais

 

a liberdade dos espaços

brancas velas de uma jangada

no horizonte

 

pássaros velejando

o infinito

 

---

Foto Casa dos Mortos, em Petrópolis

Prisão clandestina da Ditadura de 64

Poema do livro O Enforcado da Rainha

de Talis Andrade

 

 

 

20
Mai18

Santa Inquisição

Talis Andrade

fogueira.jpg

 

 

AS FOGUEIRAS DA PURIFICAÇÃO

 

O fogo tudo queima

livros

relíquias

na fogueira

da Inquisição

 

O fogo tudo queima

nossos corpos

nossas almas

deixando um rastro

de cruzes e cinzas

 

O fogo tudo queima

na fogueira da santa

três vezes santa

Santa Inquisição

 

 

2

 

Buscava-se o amor

místico

Sangrar sagrar

a carne torpe

Purificar-se

Salvar a alma

condenada ao fosso

lôbrego e tenebroso

 

Acesas as fogueiras

não se contém as chamas

 

---

Talis Andrade, O Enforcado da Rainha, ps. 111/112

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