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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

08
Dez19

Paraisópolis: o que a versão oficial esconde

Talis Andrade

Sobreviventes e testemunhas relatam: foi uma emboscada. Ao gritos de “vai morrer”, PM encurralou jovens em viela. Agrediu-os com truculência. Impediu socorro de feridos — e obrigou própria população a empilhar os corpos

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Por José Cícero da Silva, na Pública

Pouco mais de 48h após passar pelo episódio de violência que mais o marcou na vida, *Caique, 19 anos, travou ao reviver o que aconteceu na madrugada do último domingo no baile da DZ7, há poucos metros de sua casa em Paraisópolis, zona sul de São Paulo. Pedindo desculpas pela dificuldade de falar sobre o que presenciou do alto de uma laje, entre às 23h do sábado e às 9h do domingo, ele repetia “parecia que eles [a PM] tinham tramado essa emboscada, porque foi uma emboscada!”.

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Policiais de Doria encurralaram e agrediram os jovens em duas vielas: na Três Corações e na do Louro, que são paralelas, mas não se interligam

 

De seu posto de observação, ele conseguia ver as duas pontas da viela por onde as pessoas tentavam fugir quando a PM invadiu o baile. “Tinha viatura vindo dos dois lados. Não tinha como correr para lugar nenhum. O único lugar que tinha era essa viela. Mas ninguém imaginava que eles [os PMs] iam subir pela viela a pé. Quando eles alcançaram as pessoas, começaram a puxar elas para bater, aí começou a gritaria ‘me socorre, me socorre’. Depois de um tempo, saiu um menino da viela e caiu, parecia que estava bem espancado, as pessoas que estavam próximas foram tentar socorrer, mas a polícia chegou, cercou esse moleque e falou que ninguém ia tocar nele. Quando aconteceu isso eu pensei ‘ele já era’, a polícia não deixou ninguém tocar no moleque. Falavam ‘pode sair daqui filhos da puta’ e o cacete rolava. Nunca vi uma repressão como essa aqui no Paraisópolis”, conta nervosamente o jovem.

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Viela Três Corações

 

*Darcy, funcionária de um comércio de alimentos também se “sente abalada emocionalmente” diante do que presenciou enquanto trabalhava em um estabelecimento que fica aberto até o baile terminar, quando já é dia. As cenas da madrugada de domingo passado a fizeram recordar da morte do irmão em uma chacina há quatro anos em Parelheiros, um momento doloroso demais. Foi por causa disso que ela se mudou para Paraisópolis. Não sabia que no novo bairro iria presenciar mais um episódio de violência que ficaria gravado em sua mente: ela viu dois garotos carregando um menino, que acabaram deixando no chão, ao ver dois policiais se aproximando com cassetetes em punho. “Eles estava tentando socorrer o mano que ficou lá no chão, estava muito pálido, a boca já estava ficando roxa e a barriga funda… ah, ele já estava morto. E o policial ficou mó cota (bastante tempo) colocando a mão nele para sentir a pulsação. Mó cota, e não fez nada. Depois outro policial chamou ele e ele foi, daí já era, o mano já estava morto”, relata, emocionada.

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Viela do Louro

*Ananias também trabalha perto da saída da viela principal para onde as pessoas foram obrigadas a correr. É o mesmo local onde policiais foram gravados em flagrante agredindo e ameaçando pessoas de morte. “Vai morrer, vai morrer todo mundo”, berrava o PM, até ser interrompido por um disparo. Mas isso ele não viu porque acabou acolhendo muitos que estavam entre a multidão desesperada pelas bombas e agressões dentro do seu comércio. Quando não cabia mais ninguém, ele baixou a porta. “Aqui dentro tinha umas 50 pessoas. Entraram não porque eu quis, foi que invadiram mesmo. Correndo desesperados. Depois fechei a porta e apaguei a luz. Ficamos escutando só os barulhos: bomba, pancadas, gente chorando, gente pedindo socorro”.

Mesmo com a porta baixada e dezenas de pessoas rezando baixinho e chorando, o comerciante Ananias conseguiu espiar parte do que se passava do lado de fora através de uma fresta. “Eu vi uma mulher apanhando, ela caiu aqui na frente, foi um tombo feio, com a rosto no chão, acho que ela desmaiou. Eles estavam batendo para machucar”.

“Não teve perseguição, juro para você, de coração”

Segundo a versão dos fatos apresentada pela Secretaria de Segurança Pública, “policiais do 16º Batalhão de Polícia Militar Metropolitano (BPM/M) realizavam a Operação Pancadão na região, quando dois homens em uma motocicleta atiraram contra os agentes.” A moto teria fugido em direção ao baile funk, ainda efetuando disparos, o que teria ocasionado um tumulto que terminou com a morte de nove garotos com idades entre 14 e 23 anos.

Não foi isso, porém, que viram os moradores e frequentadores do baile que estavam no local na madrugada fatídica. *Harley estava na rua quando a polícia chegou ao baile. Ele tinha feito uma viagem de 1 hora e 40 minutos com o amigo *Gustavo do extremo do Jardim Ângela até o baile da DZ7, que fica a cerca de 20km de distância. “É mentira (o que disseram os policiais). Na hora que a polícia chegou o baile estava normal. Eles que vieram atirando. Eles fizeram de propósito”.

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CRUELDADE, COVARDIA. Polícia atira contra os jovens amontoados no beco sem saída

 

*Teresa, que estava trabalhando na noite do baile, também diz que a versão policial destoa totalmente do que ela presenciou. “Não teve perseguição. Juro para você. Essa rua estava lotada, tinha muita gente, e não dava para deixar uma moto em fuga passar. A rua estava um formigueiro“. Acendendo um cigarro atrás do outro, e repetindo que não quer mais trabalhar lá, ela fala de sua indignação ao ver como os policiais trataram um jovem que passava mal, sem conseguir respirar. Eles agiam com “deboche e não deixaram ninguém socorrer o garoto”, conta. Ela também disse que viu os policiais jogando garrafas nas pessoas, e uma menina passando com a mão cortada. “A mulher socorreu a menina que cortou a mão. Teve uma que eles abriu a cabeça, ficou cheia de sangue, foi uma moradora que ajudou ela. Cabia a mão dentro da cabeça dela. Juro para vocês. Horrível, horrível. Deus é mais! A pessoa começa a tremer, o coração a acelerar de tanta maldade”, conta.

Mas a cena que mais a marcou foi quando “um policial bateu com a cabeça de um rapaz na quina da parede de um bar. O homem gritando pelo amor de Deus, pedindo desculpas. “Desculpa um carai”, gritou o policial. Só a pessoa vendo para acreditar o que eles fizeram. Só você vendo para acreditar. Depois, eles [os PMs] mandaram nós jogarmos [o corpo]. “Joga lá, deixa ele jogado lá, que já vai vir a emergência”, disse o PM. Só que não veio a emergência, eles colocaram um por cima do outro e levou pro [Hospital] Campo Limpo”, conta.

Ela esfrega uma mão na outra, tentando conter o nervosismo ao lembrar do que aconteceu. “Já falei para minha patroa, não vou mais trabalhar à noite porque estou com medo. Foi muito triste. Quando eu vi o menino morrer, eu nem dormi com dó dele. Eles não deixaram [a gente] socorrer ninguém. Eles estava mandando pegar as pessoas que estavam machucadas e desmaiadas e levar lá perto de onde os corpos estavam (na viela)”.

Teresa conta que antes deste dia o clima já estava tenso e que já vinha tendo pesadelo com as dispersões no baile — sempre feitas pelos policiais. Ela também estava ali na noite de 19 de outubro passado quando foram registradas em vídeo as cenas que circulam na internet mostrando um policial na saída de uma viela, agredindo com uma muleta os jovens que saíam com as mãos para cima. No momento que viu o policial com o objeto na mão, ela achou que era uma “barrona de ferro”. “O que é aquilo que ele estava na mão? Era uma muleta? Onde ele arrumou aquilo?”, questiona. “Juro para você, vi uma menina desmaiada. As pessoas passaram chorando, mas acho que ela não faleceu”.

“Tanto ódio”

Harley também se fechou em um bar com dezenas de pessoas, quando a situação se agravou. Duas horas depois, quando o dono decidiu abrir a porta, ele ficou assustado com o que viu. “Mano, muita gente chorando, se abraçando, eu não vi corpo, mas vi sangue, e diversas pessoas machucadas. Você não tem a dimensão daquilo.” Com o dia claro, conseguiu voltar com Gustavo para casa.

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Nos becos da morte, a polícia espancou com cassetetes de ferro

 

Caíque, que permanecia na laje, conta que, mesmo depois da dispersão, muita gente ainda não sabia das mortes porque não teve resgate por ambulância — o Samu foi dispensado por um soldado do Corpo de Bombeiros, dizendo que a PM já havia socorrido os feridos. Por isso, muitos voltaram para o baile.

“A gente não sabia que tinha gente morta”, conta Ananias que passou mais de uma hora trancado dentro do seu bar. “Umas 5h30 eu abri a porta e não tinha mais nada. Eu fiquei sabendo umas 7h porque chegou a polícia e me perguntou se eu tinha visto alguma coisa. Eu disse que não porque realmente eu estava com a porta fechada“. Não comentou com os policiais o espancamento que tinha visto pela fresta.

Há seis anos ele trabalha na rua do baile todos os fins de semana. Diz ter presenciado centenas de dispersões, mas sempre com a polícia fechando uma das saídas para pressionar as pessoas a saírem pelo outro lado. “Esta foi a única vez que eles fecharam todos os acessos da rua e das vielas e deu nisso”.

Teresa também diz que nunca viram os policiais agirem “com tanto ódio”. “Toda vez eles pedem para fechar os estabelecimentos, como se a culpa do baile estar acontecendo fosse nossa. ‘Ah, vocês não dão informação de nada, vocês passam pano, vocês são piores que eles. Tem tudo que morrer’. É assim que eles reclamam e ameaçam, mas nunca agiram com tanto ódio. Dessa vez, eles vieram para fazer o que queriam. Foi uma chacina, uma chacina de verdade. Eu fiquei muito triste pelo pessoal e pelo menino que eles não socorreram!”

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A cruz marca o local da chacina no paraíso polis

04
Dez19

A tragédia de Paraisópolis e a desigualdade social em São Paulo

Talis Andrade

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por Simão Pedro

Uma das coisas que me chamaram a atenção no massacre de 9 jovens na comunidade de Paraisópolis no último domingo foi que a maioria dos que ali morreram não eram da comunidade. Foram para lá em busca de diversão no baile funk que lá ocorre semanalmente, atraindo jovens de todas as regiões da periferia da Capital.

 

Paraisópolis, bairro em que 49% dos domicílios são considerados irregulares - não tem termo de posse e nem escritura - é conhecido pelas imagens que contrastam suas casas pobres de blocos sem reboco e caixas d’água azuis aparentes fazendo divisa com os prédios com piscinas suspensas e mansões ricas do Morumbi. Um retrato da extrema desigualdade que é marca da sociedade brasileira e também paulistana.

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E essa desigualdade entre ricos e pobres que faz de nossa sociedade uma das mais injustas socialmente no mundo, aumentou mais ainda nos últimos anos. Segundo dados do IBGE divulgados recentemente, no ano de 2018 o rendimento da fatia mais rica da população aumentou em 8,4%, enquanto os mais pobres sofreram uma redução de 3,2%. Ou seja aumento da concentração de renda e consequentemente da pobreza e miséria em nosso País!

Quando falamos da parcela mais rica, falamos do 1% da população - cerca de 2 milhões de brasileiros - que vive com renda média de R$ 34 mil por mês. Quando falamos dos mais pobres, falamos dos 50% da população - mais de 100 milhões de brasileiros - que vivem com renda média de R$ 820,00 por mês. Ou seja, a parcela do 1% ganha 33,8 vezes mais que a parcela dos 50%, um patamar recorde.

Essa divisão não é só de renda. Ela também é espacial e no acesso a serviços de educação, cultura, saúde e trabalho, por exemplo. E a cidade de São Paulo é um exemplo disso! Estive olhando as informações do Mapa da Desigualdade que é o último levantamento (2018) feito pelo Movimento Nossa São Paulo em parceria com o instituto Ibope Inteligência. São estarrecedores!

Poucos paulistanos têm os mesmos acessos a serviços públicos. No Itaim Bibi, por exemplo, 0,83% dos domicílios são favelas e apenas 7 dos 96 distritos da Cidade não possuem residências nessas condições. Em Paraisópolis, já citei, 49% das residências são irregulares. Na questão de empregos, os moradores do distrito da Barra Funda têm 246 vezes mais chances de arrumar trabalho do que os que moram na 59 pontos na Cidade Tiradentes, que fica em último lugar no quesito emprego. E quem mora na Cidade Tiradentes morre bem mais cedo que os demais habitantes: enquanto a expectativa de vida naquele bairro situado no externo Leste é de 58 anos, os que moram no Jardim Paulista tem quase 2 décadas a mais: 81 anos. No tema do acesso à saúde privada, 66% dos paulistanos não têm plano de saúde e 31,6% dos domicílios viviam com renda mensal de 1/2 salário mínimo por pessoa.

No tema do acesso à atividades culturais as diferenças também são gritantes é isso tem a ver com a tragédia dos jovens de Paraisópolis. Segundo o Mapa da Desigualdade, 53 distritos de São Paulo não tem centros culturais, casas ou espaços de cultura. 60 distritos não têm museus. 52 não têm salas de shows e concertos. 54 não têm salas de cinema e 23 não têm nenhum equipamento de cultura como bibliotecas, por exemplo.

Esses números sobre os equipamentos culturais não são piores porque os CEUs, construídos a partir dos anos 2000 e as Fábricas de Cultura a partir de 2010 deram uma aliviada. Foi por isso que, quando fui Secretário de Serviços na gestão Haddad, recebi a missão de levar mais serviços públicos para a periferia. Levamos a Coleta Seletiva que só servia 85 distritos para os demais 21. Colocamos praças com WiFiLivre em todos os distritos; implantamos a rede de laboratórios de fabricação digital, os FabLabs, com 12 unidades, 9 delas na periferia; começamos o programa de iluminação com LED pelos distritos com maiores vulnerabilidades como Lageado, Cidade Tiradentes, M’Boi Mirim, Brasilandia, Raposo Tavares, Pedreira, Sapopemba e Guaianases. Isso se somando à iniciativas como os cursos universitários nos CEUs, além das 20 salas de cinemas também nos CEUs.

Paraisópolis não ficou de fora: além da praça WiFiLivre, ali inauguramos uma central de reciclagem e instalamos uma cooperativa, construímos 2 ecopontos e reforçando a iluminação pública e instamos pontos novos na nova avenida Hebe Camargo que corta o bairro, mantendo ainda os 3 telecentros em parceria com a Associação dos Moradores do local. Claro que, pouco ainda para melhorar a qualidade de vida dos moradores dali.

04
Dez19

O massacre de Paraisópolis e o apartheid social

Talis Andrade

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por Aldo Fornazieri

Os nomes dos nove jovens massacrados em Paraisópolis ecoaram nas redes sociais para não serem esquecidos. Não dá para esquecer. Não podemos e não devemos esquecer. São nove vidas em pleno florescimento que foram brutalmente ceifadas. Aquela brutalidade é o retrato do abandono das periferias, das periferias sem futuro, dos jovens sem futuro. É o futuro do Brasil que está sendo massacrado. É o futuro do Brasil que está sendo assassinado. 

 

As versões de João Dória e da polícia não se sustentam pelas evidências que existem. O cenário do massacre foi alterado. O SAMU sequer apareceu. Pessoas foram impedidas de socorrer os jovens. Culpar os policiais é fácil. Na verdade, os policiais são usados por essa elite assassina para matar pobres. São pobres matando pobres; são negros matando negros. Enquanto isso, os verdadeiros assassinos estão nos gabinetes, nos escritórios, nos palácios. 

O massacre é a manifestação de uma elite cruel e predatória, de um capitalismo criminoso, que não quer admitir os mínimos direitos. O massacre é a evidência do gigantesco apartheid social que impera no Brasil e que é, ao mesmo tempo, um apartheid racial, um apartheid da juventude pobre. As periferias são os guetos da pobreza e do desprezo e abandono a que os pobres são relegados. A prova mais indesmentível desse apartheid é que a metade da população brasileira vive com pouco mais de R$ 400 por mês. São os milhões de desempregados, de desalentados, de subempregados. 

As lideranças políticas e sociais precisam compreender que os termos da atual equação social e econômica do Brasil é absolutamente inaceitável e que é preciso agir de forma desmedida contra essa equação, contra essa indignidade. O massacre de Paraisópolis não é um fato isolado: é a expressão cruel e cruenta do apartheid, da injustiça, da desigualdade, da falsa democracia que impera no Brasil.

Os partidos de esquerda não podem tratar o massacre de Paraisópolis como um caso estadual. É preciso um pronunciamento nacional das direções partidárias. Existem parlamentares combativos nos partidos de esquerda. Mas, no geral, as bancadas têm atuações aquém do necessário para enfrentar a guerra que as elites promovem contra os pobres. 

No discurso que Lula fez em São Bernardo depois de ganhar a liberdade incitou que os parlamentares de esquerda a se tornem leões. Esta é uma necessidade urgente. O fato é que os governos tucanos de São Paulo nunca tiveram uma oposição efetiva. Os parlamentares progressistas não podem ser gatinhos manhosos de Alckmin, de Dória ou de quem quer que seja. Precisam estar onde está o povo. Precisam enfrentar junto com o povo as vicissitudes que o povo sofre. É preciso escolher: para ser progressista não se pode estar junto com os apartadores. É preciso caminhar junto com os apartados. É preciso colocar-se à frente dos apartados lutando com eles, liderando-os.

O secretário de Segurança precisa pedir demissão ou deve ser demitido. O comandante da Polícia Militar também. Dória massacra os pobres e precisa ser denunciado nas Cortes Internacionais de Direitos Humanos, na ONU, na OEA. A repressão violenta dos jovens que não têm alternativas de lazer não foi episódica em Paraisópolis. Ela é sistemática em toda a cidade de São Paulo. Sem alternativas, os jovens da periferia, para se divertirem, precisam se expor à violência policial, à violência do crime organizado, ao risco das doenças contagiosas, ao abandono cultural e social.

Dizer que a situação dos fluxos é complexa, todo mundo sabe. Dizer que não há soluções é mentira. Tive a oportunidade de conhecer esta realidade, instado por um gestor da administração Haddad a colaborar na elaboração de um projeto de intervenção de políticas públicas para buscar saídas para o problema dos fluxos. Infelizmente, as recorrentes trocas de gestores por intercorrências políticas fizeram com que a projeto não tivesse solução de continuidade. Mas ficou claro que soluções existem e são factíveis. Ocorre que não tem vontade política. Ocorre que o poder público é absolutamente incapaz de resolver os grandes problemas urbanos. Ocorre que os pobres e as periferias não são prioridades para o poder público e para os partidos políticos. Os pobres são massa de manobra, contam apenas na hora das eleições. 

Os equipamentos públicos, a segurança pública, as prioridades estão concentrados nos bairros ricos de São Paulo. Ali, os filhos das classes médias e das elites, além de contar com a proteção do poder público, com os benefícios dos equipamentos públicos de saúde, educação, cultura e lazer, contam com os seguranças particulares, com os condomínios fechados, com os prédios protegidos, com os carros para deslocamentos, com dinheiro para se divertirem.

Aos jovens pobres, filhos de pobres, resta a rua, as bombas, os cassetetes, a coação do crime organizado, as bebidas de péssima qualidade, o alcoolismo, as drogas dos becos, a violência sexual, Os fluxos são os ambientes onde os jovens se encontram para fugirem de si mesmos, para fugirem de um cotidiano sem alternativas, sem esperanças e sem um amanhã.  

São esses jovens, em sua maioria pobres e das classes médias baixas, que compõem a mais da metade do total de estudantes que não concluem o ensino médio, dos 60% que egressam do ensino universitário, que não têm qualificações para o trabalho, que não têm empregos qualificados, que não terão acesso ao sistema de saúde de qualidade e que terão aposentadorias precárias na velhice. É para esses jovens que os partidos de esquerda e os movimentos sociais precisam se voltar e resgatar. São esses jovens que precisam ser politizados e organizados. Mudanças se fazem com ideias, projetos e força organizada. Somente deles poderá vir a força e a energia necessárias à mudança.

Sem o engajamento ativo desses jovens não haverá mudanças. Sem esses jovens, os paridos, os sindicatos e os movimentos sociais não passarão de aparatos burocráticos que servem seus próprios interesses, que miram seus próprios recursos, que acalentam seus próprios altos salários, que se regozijam no conforto de seus próprios gabinetes, que se comprazem com os hotéis e restaurantes luxuosos. Sem a força e a energia desses jovens a mudança estará morta, a esquerda estará morta e o Brasil estará morto. 

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04
Dez19

Repressão a bailes funk em São Paulo tem tiro no olho e 1.275 presos só neste ano

Talis Andrade

"Os manuais da PM dizem que a avaliação de rota de fuga é pré-requisito para fazer ações de contenção”, critica especialista do Instituto Sou da Paz

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Enterro de jovem de 16 anos que morreu pisoteado em baile funk em Paraisópolis, São Paulo.NELSON ANTOINE (AP)
 
03
Dez19

O que é o 'Baile da 17', pancadão em Paraisópolis onde 9 jovens morreram pisoteados

Talis Andrade

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Leandro Machado
Da BBC News Brasil

Nove jovens morreram pisoteados durante uma ação da Polícia Militar no Baile da 17, uma festa de funk que costuma reunir milhares de jovens em Paraisópolis, segunda maior favela de São Paulo. Entre eles, há quatro menores de idade, incluindo um adolescente de 14 anos.

Vídeos publicados na internet mostram alguns policiais agredindo com chutes e golpes de cassetete alguns jovens que estavam rendidos e desarmados em um beco — a BBC News Brasil não conseguiu confirmar a autenticidade dos vídeos de forma independente. Em entrevista a jornalistas, uma das frequentadoras, que não quis ser identificada, afirmou que um policial quebrou uma garrafa em sua cabeça, além de machucá-la com um cassetete.

Segundo a PM, havia cerca de 5 mil pessoas no Baile da 17 no momento da operação.

O Baile da 17 foi criado no início dessa década nas ruas de Paraisópolis. Segundo moradores, o número 17 é uma referência a um bar de drinks que existia na favela.
Inicialmente, a festa teria surgido como um pagode em frente a esse boteco, mas, nos intervalos, os frequentadores ouviam funk em carros estacionados na rua.
Com o tempo, a festa cresceu e invadiu as madrugadas, focando principalmente em funk. Hoje, ela costuma ocorrer nas noites de sexta e sábado. Mas, de acordo com moradores ouvidos pela BBC News Brasil, há semanas em que o pancadão começa na noite de quinta-feira e se estende até domingo.
A festa já chegou a reunir cerca de 30 mil pessoas nas vielas de Paraisópolis — ela se concentra em quatro ruas da favela. Semanalmente, o baile recebe excursões de jovens de cidades do interior de São Paulo e até de outros Estados, como o Rio de Janeiro.
Ao longo das vielas, DJ's estacionam carros com aparelhos de som acoplados. Grupos de jovens se reúnem no entorno desses veículos para dançar e se divertir.
O alto barulho, no entanto, fez com que moradores se mudassem da área, dando espaço para estabelecimentos comerciais voltados aos frequentadores, como tabacarias e bares. Parte do baile é bancado por esses comerciantes.

A BBC News Brasil conversou com um DJ de 20 anos que regularmente leva o carro ao baile. Ele diz receber R$ 500 de um comerciante para tocar por cinco horas seguidas em frente a um estabelecimento. "Mas tem DJ que chega a receber uns R$ 2 mil, dependendo do tempo em que ele toca e da potência do som", afirmou ele, que preferiu não se identificar.
O fenômeno dos pancadões de rua, como o Baile da 17, tem sido discutido nos últimos anos tanto pela prefeitura quanto pelo governo do Estado de São Paulo. Existem centenas deles em bairros pobres e com poucas opções de lazer para os jovens.

Por outro lado, há quem critique a ação repressiva da polícia, que muitas vezes interrompe os eventos com bombas e tiros, ferindo inocentes. No caso de Paraisópolis, por exemplo, houve 45 ações de repressão ao Baile da 17 apenas nesse ano, segundo a Polícia Militar.
Para Gilson Rodrigues, líder comunitário e presidente da União de Moradores e Comerciantes de Paraisópolis, o pancadão é uma "alternativa de lazer" para jovens que têm poucas opções de divertimento em seus bairros.
"Não temos áreas de lazer em Paraisópolis. Temos um campo de futebol e hoje inauguramos uma praça. Ao invés do Estado proporcionar estruturas de lazer para o jovem, ele reprime por meio da polícia", diz.
Apesar da poluição sonora e o fechamento de vias da favela, o Baile da 17 não está entre as principais reclamações dos moradores da comunidade. Ele ocupa a 5º colocação nesse ranking, que é liderado pelos problemas no recolhimento do lixo, segundo uma pesquisa da União de Moradores e Comerciantes.


Paraisópolis

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Paraisópolis fica ao lado do Morumbi, bairro nobre na zona oeste de São Paulo.
Estima-se que a favela tenha cerca de 100 mil habitantes e 8 mil estabelecimentos comerciais — a maioria pertence a moradores. Cerca de 21% dos habitantes trabalham dentro da própria favela, segundo a associação de moradores.
Por outro lado, apesar do comércio aquecido e da fama adquirida com uma novela da TV Globo que usava suas vielas como cenário, a comunidade ainda tem uma série de problemas comuns a toda favela do Brasil, como pobreza extrema, falta de saneamento básico e violência.
Obras de urbanização estão paradas há anos, como canalização de um córrego e a construção de moradias sociais. Cerca de 5 mil famílias da comunidade vivem de bolsa-aluguel pagos pela prefeitura.
Nos últimos anos, a União de Moradores e Comerciantes criou uma série de projetos para tentar melhorar a vida no bairro, como um banco comunitário, restaurantes populares, escolas de balé e música para crianças.
Recentemente, Paraisópolis participou da criação do G-10 das favelas do Brasil, grupo que pretende desenvolver a economia local por meio do empreendedorismo. Transcrevi trechos  

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03
Dez19

Ação truculenta da polícia de Doria resultou na morte de nove jovens

Talis Andrade

 

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É revoltante a notícia de que nove jovens morreram pisoteados numa operação da PM, comandada pelo governador João Doria e, outras sete ficaram feridas durante a repressão policial, aos jovens que se divertiam num baile funk, em Paraisópolis, bairro periférico da capital paulista.

Há meses a Polícia Militar têm atacado os bailes funk, com apreensão de motos, carros e detenção de jovens, numa clara atuação preconceituosa e de marginalização da juventude negra periférica.

Há cerca de um mês uma jovem perdeu a visão de um olho, alvejado com bala de borracha numa ação policial de opressão à baile funk.

A Bancada das deputadas e deputados estaduais do PT/ SP exige explicações, punições duras e exemplares aos envolvidos na ação truculenta que resultou na morte dos nossos jovens, que tiveram seu ciclo de vida brutalmente interrompido pela violência policial.

Logo no início desta semana questionaremos o governador do Estado, secretário de segurança pública e comandante da PM e, acompanharemos com rigor este assombroso caso, para que estas mortes não caiam na vala da impunidade.

Teonilio Lula Barba
Deputado Estadual e líder da Bancada do PT na Assembleia Legislativa de São Paulo

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03
Dez19

AS VÍTIMAS DO MASSACRE EM PARAISÓPOLIS

Talis Andrade

por Arthur Stabile

Amigos e familiares contam como eram os nove jovens que morreram pisoteados após ação da PM em baile funk

Os nove jovens mortos após ação da PM em baile funk 

 

Nove jovens de 14 a 23 anos, moradores de variados bairros da cidade de São Paulo e de cidades da região metropolitana da capital paulista. Um trabalhava com vendas, outro estava desempregado e mantinha vivo o sonho de ser jogador de futebol, outros vários ainda estudavam. Amigos e, sobretudo, familiares contam como eram os nove mortos do massacre ocorrido em Paraisópolis, zona sul de São Paulo, decorrente de uma ação da Polícia Militar do estado, comandada pelo governador João Doria (PSDB).

Parentes de alguns dos mortos estiveram no IML (Instituto Médico Legal) Sul para reconhecer e liberar os corpos para os respectivos enterros. Outros estiveram no IML Central. Eles relembraram com carinho de seus entes queridos e cobraram respostas do poder público, seja pela violência da PM com os integrantes do baile funk feito em Paraisópolis, seja pelo fato de não verem os corpos e ferimentos das vítimas, apenas seus rostos.

Bruno estava desempregado e sonhava ser jogador 

Esta segunda questão é levantada por Vanini Cristiane Siqueira, irmã de Bruno Gabriel dos Santos, de 22 anos. Desempregado, o jovem trabalhava com telemarketing até ser demitido há alguns meses. Ainda nutria o sonho de virar jogador de futebol, apesar da idade avançada para o início de carreira. Para os pais, tempo que não foi suficiente para o amadurecimento do jovem torcedor do São Paulo. Nem sequer carta de motorista o deixaram tirar, mesmo após quatro anos da liberação legal, por considerá-lo imaturo para ter um carro sob seu controle.

No IML, Vanini reconheceu o rosto do irmão. Quando tomou a atitude de abrir o saco que cobria o corpo, foi impedida por um funcionário do IML. Segundo ele, ela não poderia fazer aquilo pois o corpo estava muito machucado. “Eu saio daqui inconformada. Por que não pude ver o corpo do meu irmão? Não estão deixando ninguém ver o corpo, só o rosto”, afirmou a irmã. “Tem que saber o que aconteceu realmente, porque esses jovens foram impedidos de sair. Tem que ser averiguado. Infelizmente o meu irmão se foi. É pedir justiça e que Deus receba ele”, lamentou.

Gustavo era o mais jovem dos mortos e estudava no 9º ano 

 

Bruno era um rapaz apegado à família, segundo Vanini. Colocava os sobrinhos e os pais em primeiro lugar. Ele era adotado, vivia com a família de acolhimento desde os 10 anos em Mogi das Cruzes (Grande SP). “Inclusive, ele abraçou minha mãe esses dias e falou: ‘mãe, eu não quero que você vá antes de mim, eu quero ir antes de você’. Ele sempre deixava bilhetes para minha mãe”, conta Vanini. No IML, a mãe biológica de Bruno não resistiu e desmaiou ao ver o filho deitado na maca.

Inconformismo é um sentimento comum entre os familiares. Roberto Oliveira é padrinho de Gustavo Cruz Xavier, 14 anos, estudante que morava no Capão Redondo, zona sul de São Paulo, a vítima mais nova do massacre. Eles descobriram que o jovem estava morto ao receberem por WhatsApp vídeos do massacre ocorrido no baile funk. Nas imagens, a mãe reconheceu Gustavo e, com sua demora de voltar para a casa, os familiares ligaram os pontos.

Um jovem “tranquilo e amoroso”, diz parente sobre Marcos Paulo 

 

O adolescente mentiu e foi com dois amigos de 16 anos para o baile, considerado perigoso pela família, tanto pelas ações policiais quanto pela presença de “gente ruim”. “Os adolescentes que moram na periferia não têm condição de ir em um shopping curtir, em ir curtir nesses bailes no Anhembi, com um monte de artista. É muito caro. E os bailes funks são baratos”, comenta Roberto.

O padrinho conta que Gustavo “só tinha tamanho”, um menino doce que não tinha malícia nem “pensava rápido” quando acontecia uma confusão, como a ação da PM. Estudante do nono ano do ensino fundamental, o principal sonho dele era o de muitos jovens da periferia: ter um carro. “O Gustavo era um menino, não pensava muito no futuro”, lembra.

Baiano, Mateus se sustentava vendendo produtos de limpeza 

 

A família recebeu do IML apenas uma corrente usada por Gustavo no baile funk, nenhum outro pertence sob alegação de que as roupas foram cortadas e “jogadas fora”. “[Marca] de pisoteamento a gente não viu. Quando você cai no chão jogando bola você se rala. Nele não, tinha uma pancada na cabeça, na testa, e o pescoço estava meio roxo. Não deram nem a roupa dele para nós”, conta Roberto.

Marcos Paulo Oliveira dos Santos, 16 anos, disse para a família que ia comer uma pizza e foi para Paraisópolis. O estudante se preparava para fazer vestibular e aproveitou um momento para juntar um grupo de amigos e ir pela primeira vez em um baile funk, de acordo com um familiar. Era um intervalo para divertimento. Um dos integrantes do grupo disse aos parentes de Marcos que a PM os agrediu deliberadamente.

“Bateram muito com cassetete, o outro rapaz está cheio de hematomas. Ele tropeçou, caiu e vários policiais o agrediram. Está com os punhos machucados”, conta a parente de Marcos, que pediu anonimato com medo de sofrer represálias. Marcos Paulo era um jovem tranquilo e amoroso que ainda estudava no 2º ano do ensino médio. Segundo essa familiar, o bairro em que moram dá poucas opções de lazer, o que faz os adolescentes buscarem os bailes.

Segundo amigo, PM disse que “cuidaria” de Dennys durante a operação 

 

Silvia Ferreira, cunhada de Mateus dos Santos Costa, 23 anos, criticou a falta de informações no IML. “Vamos na delegacia, alguém tem falar alguma coisa para a gente. O médico da perícia não sabe dar uma justificativa. Falam para voltarmos daqui a 60 dias e pegar o laudo”, denuncia. “É uma pessoa que está ali, um humano. Não é um cachorro. Ao menos vem e fala: ‘ele está muito machucado, não sabemos dizer se foi um espancamento, se foi pisoteamento’. Dá uma declaração justa. Que governo é esse?Que putaria é essa?”, esbravejou.

O jovem ganhava a vida vendendo produtos de limpeza. Natural da Bahia, vivia em Carapicuíba, cidade da região metropolitana de São Paulo, e viveu seus últimos dias cercado de alegrias. Afinal de contas, Mateus era torcedor do Flamengo, time que no fim de semana do dia 23 de novembro conquistou os títulos da Copa Libertadores e do Campeonato Brasileiro de futebol masculino.

Luara tinha 18 anos 

 

“O vídeo mostra muito bem claro. Os amigos disseram que foi tudo muito rápido, que os policiais já chegaram fechando a rua. Fecharam todos os becos e um escadão”, conta Silvia. “Ele era um menino tranquilo. Se fosse errado, eu falava que não valia nada. Ele só foi para lá porque Carapicuíba não tem opção para a gente sair, nem para nós que somos casal”, afirma, se referindo ao companheiro, Marcos Costa, irmão de Mateus, que estava no IML.

Uma parente de Dennys Guilherme dos Santos Franco, 16 anos, morador da Vila Matilde, zona leste paulistana, conta que ouviu de um amigo que estava com o jovem o que teria ocorrido no baile. O grupo correu quando a polícia chegou, Dennys ficou para trás e um dos amigos tentou ajudar. Ali, um policial teria dito: “pode deixar que a gente cuida dele”.

Eduardo da Silva, morto aos 21 anos 

 

“Não foi nada disso que eles estão divulgando. Ele tem um machucado na cabeça, os pés intactos e o costuraram de qualquer jeito. Pedi para tocar nele e não deixaram nem por a mão”, disse a familiar, abalada, pedindo para não ser identificada. Dennys estudava no segundo ano do ensino médio.

Um amigo de Denys Henrique Quirino da Silva, 16 anos, descreve o rapaz como “um moleque bom, que nunca fez mal para ninguém”. “Era trabalhador, que estudava e sempre tirava um sorriso de todo mundo, muito brincalhão”, comenta o rapaz.

Segundo amigos, Denys era brincalhão e “tirava sorriso” de todos 

 

Moradora do Jardim Primavera, região do Grajaú, também na zona sul de São Paulo, Luara Victória de Oliveira, 18, era frequentadora assídua de baile funk. Segundo o R7, um parente da vítima, que pediu para não ser identificado, contou que Luara foi criada pelo pai na casa da avó e precisou muito do apoio de familiares nos últimos 5 anos, quando ficou órfã. Também relatou que amava ir aos “pancadões” e que já tinha ido outras vezes ao baile de Paraisópolis. Ela estudava na rede pública, em uma escola ao lado do bairro onde vivia, e estava procurando um emprego.

Pai de um filho de 2 anos, Eduardo Silva, 21, é a oitava vítima. Ao R7, uma cunhada do jovem, que preferiu não se identificar, afirma que a família ficou desesperada quando Eduardo não voltou do baile. “Como vai ser agora? Na hora que recebei a notícia fiquei pensando no que dizer quando ele perguntar do pai. Como vou explicar o que aconteceu”, disse. Ele morava no bairro Cidade Ariston, em Carapicuíba, na Grande São Paulo, com a mãe, o pai, uma irmã e o filho, e trabalhava numa oficina mecânica. “Agora fica a lembrança e a saudade. Ele era um bom menino”, lamentou.

Gabriel Rogério de Moares, 20, a nona vítima, foi velado e enterrado nesta segunda-feira (2/12) em Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo, onde vivia. Ao G1, o pai dele, Reinaldo Cabral de Moraes, disse que uma ação contra criminosos não justifica agredir jovens que estavam se divertindo. “Não existe justificativa para tirar uma vida. Vão ter investigações, mas o que indica é que houve um excesso policial, força excessiva contra jovens que estavam lá e não tinham nada a ver com o assunto. O que se leva a crer, como alguns falaram lá, é que foi uma emboscada, foi um cerco”, criticou.  Ainda segundo o portal, Gabriel trabalhava como leiturista de uma empresa que prestam serviços para uma concessionária de energia.

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03
Dez19

Por que usamos ‘suposto confronto’ em ações policiais com morte?

Talis Andrade

Massacre de Paraisópolis nos faz lembrar inúmeros casos de versões fantasiosas e justificativa de confronto usadas por PMs para justificar mortes

Protesto contra o massacre de Paraisópolis, neste domingo, na zona sul de SP | Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

 

por Josmar Jozino

Ponte Jornalismo

 

Por que jornalistas que cobrem a área policial costumam usar a palavra “supostamente” quando iniciam a apuração de ocorrência envolvendo policiais militares com evento morte?

A resposta é simples. Porque são inúmeros os casos de versões fantasiosas e mentirosas apresentadas por PMs para justificar mortes de pessoas em casos que jamais houve confronto, mas sim execução sumária.

Posso aqui citar várias ocorrências, pois não são poucas. Geralmente, esses casos não têm testemunhas, apenas a versão de um dos lados: o policial. 

Uma das versões mais fantasiosas e mentirosas foi narrada por policiais da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), tropa mais letal da PM paulista, em 6 de agosto de 2015 no DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa), da Polícia Civil.

Os PMs alegaram que estavam a caminho da Escola Superior de Soldados, em Pirituba, zona oeste de SP, quando avistaram um Fiat azul ocupado por três homens em atitude suspeita e pediram apoio via rádio.

Na versão dos militares da Rota, houve perseguição e os ocupantes do Fiat desceram, sendo que o passageiro do banco de trás saltou com arma em punho, atirou contra a guarnição, foi baleado e morreu no confronto.

Uma outra viatura da Rota chegou para o apoio e deu continuidade à perseguição. Segundo os PMs, o motorista correu para o matagal e fugiu e o outro ocupante do carro também morreu após troca de tiros.

Na realidade tudo não passou de uma grande farsa armada pelos policiais militares da Rota. Uma das vítimas, Herbert Lúcio Pessoa Rodrigues, foi abordado pelos rotarianos em Guarulhos, na Grande São Paulo, por volta das 11h, e colocado no compartimento de presos da viatura.

Ele apareceu morto três horas depois em Pirituba, a 29,4 km do local onde havia sido abordado no Fiat azul. Testemunhas presenciais e câmeras de segurança desmentiram a versão dos PMs.

O Ministério Público Estadual e a Polícia Civil provaram por A mais B a farsa dos milicianos. Imagens de câmeras de trânsito mostraram, detalhadamente e com horários, minuto a minuto, uma viatura da Rota saindo do local onde Herbert foi abordado, em Guarulhos, até a região onde ele foi morto, em Pirituba.

Além disso, testemunhas contaram que presenciaram a abordagem e também viram um PM fardado entrar no Fiat azul em Guarulhos e sair dirigindo o veículo, que na versão dos PMs foi perseguido em Pirituba.

No mesmo local e no mesmo horário onde Herbert foi executado, os policiais da Rota também mataram Weberson dos Santos Oliveira. O DHPP apurou que ele e Herbert não se conheciam e não tinham nenhum tipo de relação.

Para o Ministério Público Estadual, os milicianos da Rota forjaram a perseguição policial e a troca de tiros para justificar os assassinatos e “plantaram” juntos aos mortos explosivos usados em roubos a caixas eletrônicos e armas roubadas em delegacias da Polícia Civil.

Os milicianos da Rota conseguiram até enganar um experiente jornalista e famoso apresentador de TV, que chegou a anunciar em seu programa policial, de enorme audiência, que dois bandidos haviam morrido após trocar tiros com a Rota.

Não é  por causa de casos como esse citado acima que se deve colocar em xeque a atuação diária de policiais militares.

Ao contrário. Muitos policiais militares salvam vidas todos os dias. Enfrentam o perigo cotidianamente e chegam até a ser mortos em serviço. Outros morrem durante a folga, covardemente, nas mãos de criminosos, só porque são policiais.

Mas também não são poucos os casos de PMs que matam indivíduos já dominados e algemados e alegam “confronto”, “troca de tiros”, “revide à injusta agressão” ou “resistência seguida de morte”.

As versões mentirosas desses PMs nos obrigam a ter cautela nas ocorrências policiais com evento morte e, por isso, devemos sempre usar os termos “suposto confronto”, “suposta troca de tiros”, etc.. até o desfecho das investigações.

O caso recente da Favela Paraisópolis, na zona sul de São Paulo, é mais um exemplo dessa cautela. PMs do 16º Batalhão alegam que o episódio que deixou nove mortos na madrugada de domingo, durante um baile funk, foi motivado por dois ocupantes de uma moto que atiraram contra os policiais e fugiram.

Enquanto essa versão não for devidamente comprovada, se possível com imagens de câmeras de segurança e com a identificação e localização desses dois suspeitos, é necessário usar o termo “dois ocupantes de uma moto que supostamente atiraram contra os policiais e fugiram”.

 

 

03
Dez19

Paraisópolis e a política de segurança pública pautada no genocídio de jovens pobres e negros

Talis Andrade

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No dia 1 de dezembro, em Paraisópolis, mais uma vez, escancarou-se o resultado de uma política de segurança pública pautada no genocídio de jovens pobres e negros: nove jovens assassinados em um baile funk por policiais.

Não se trata de uma ação desastrosa ou um equívoco pontual. O que as reiteradas notícias de crianças e adolescentes negros e pobres mortos pela polícia nos mostram é que o Estado organiza toda a sua violência numa necropolítica e aposta na morte como mecanismo de segurança.

A marca da barbárie que vivemos está indelével nos discursos dos chefes de Estado que, orgulhosamente, exortam suas forças de segurança para que atirem mais, matem mais e mirem, sempre, na cabeça do jovem, negro, morador da periferia.

A superação deste modelo de segurança pública exige a responsabilização, não somente dos 6 policiais que foram identificados no local do massacre, mas, também dos que planejaram a ação e, principalmente, do Governador do Estado de São Paulo, responsável pela política de segurança pública.

A AJD reitera o repúdio à política de segurança pública que está sendo implementada no Estado de São Paulo, exigindo que sejam responsabilizados todos os envolvidos nas mortes ocorridas em Paraisópolis, ao tempo que se solidariza com a dor das famílias de Gustavo Xavier, 14 anos; Denys Quirino da Silva, 16; Marcos Paulo dos Santos, 16; Dennys dos Santos Franca, 16; Luara Victoria de Oliveira, 18; Gabriel de Moraes, 20;Eduardo Silva, 21; Bruno Gabriel dos Santos, 22; Mateus dos Santos Costa, 23.

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Sergio Moro, ministro da Segurança Pública, e Doria

 

03
Dez19

A tragédia de jovens empurrados pela PM até matarem-se uns aos outros

Talis Andrade

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por Paulo Moreira Leite 

Os vídeos sobre o massacre de jovens em Paraisópolis devem ser vistos como aqueles  imponentes murais que costumam ser exibidos  nos melhores museus do planeta.

Empurrados para a morte por pisoteamento a golpes de cassete, bombas e gás, os gritos e movimentos de sofrimneto sem fim daquela massa humana dizem tudo o que é preciso saber sobre as tragédias do Brasil de nosso tempo.

Forçados a matar-se uns aos outros por esmagamento, única forma de tentar escapar da própria morte, jovens pobres do país são conduzidos a um salve-se quem puder aonde nem todos perecem -- mas a rigor ninguém se salva. Nem os que tiveram a sorte de permanecer vivos.

Agora que ficou demonstrado que a principal herança do espetáculo da Lava Jato foi um país sem empregos, a economia destruída e  um Judiciário partidarizado, cabe reconhecer que neste fim de semana a periferia da maior cidade brasileira caminhou numa treva sem registro nos livros de história.

Atravessamos a fronteira na qual a morte violenta de inocentes torna-se a grande moeda de troca da luta política. Pois era isso -- cadáveres -- que a PM sabia que iria encontrar quando foi para cima da juventude em Paraisópolis, encurralando centenas, quem sabe milhares, contra o muro e o asfalto de becos sem saída.

Em nova erosão do  Estado Democrático de Direito, os cadáveres empilhados de nove garotos -- 14 a 23 anos -- valem como troféus num morticínio em praça pública, sem julgamento e sem piedade, a certeza de impunidade absoluta.

Houve uma época em que o Estado brasileiro  retirava garotos que residiam em abrigos de menores para executá-los na madrugada.

Agora, mata-se jovens que tentam ser jovens -- o que inclui se divertir, namorar, embrigar-se e cometer transgressões.

Num torneio de morticínios, João Doria e Wilson Witzel, governadores dos mais influentes estados brasileiros, procuram abrir seu caminho no país de Jair Bolsonaro, de quem disputam a herança.

Não há a menor preocupação com a necessidade de cultura dos jovens pobres e pretos.

Nem uma promessa -- fugidia que fosse -- de esperança de um destino melhor. Vivem largados, entre a pressão do tráfico e a falta de oportunidades reais na vida. Fora isso, nada. Apenas a morte.

Alguma dúvida?

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