Comandante do Estado-Maior militar disse à Funai que o pedido emergencial deveria ser tratado com outro órgão público
* Pedido caráter urgente foi dirigido pela Funai em 6 de fevereiro * Almirante qualificou o pedido urgente da Funai como “consulta”
por Rubens Valente /Agência Pública
Um ofício do Ministério da Defesa obtido pela Agência Pública via Lei de Acesso à Informação (LAI) mostra como o órgão se recusou a atender um pedido urgente feito pela presidente da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), Joênia Wapichana, que poderia agilizar o socorro de emergência e a distribuição de alimentos aos indígenas Yanomami em Roraima.
O MD argumentou que o pedido deveria ser direcionado a outro órgão do governo, a Secretaria Nacional de Aviação Civil, que é vinculado a outro ministério, o de Portos e Aeroportos. Em resumo, disse que é um assunto civil, não militar. De uma lista prioritária de 50 pistas, aceitou discutir reformas em apenas quatro, que estão vinculadas a instalações militares.
Em 6 de fevereiro, também por ofício, a presidente da Funai havia solicitado o apoio do Ministério da Defesa para a manutenção e a reforma de 50 pistas de pouso dentro do território Yanomami “em caráter emergencial”, medidas que são “necessárias para a realização das ações de saúde, segurança e infraestrutura, e em caráter emergencial, o combate à desnutrição e à malária, que tanto assola aquele povo”. A Funai também havia pedido que o MD encaminhasse um plano de trabalho “com cronograma detalhado” das reformas para que pudesse “acompanhar as ações com equipe em campo, o mais brevemente possível, considerando a urgência do pleito”.
Conforme um relatório apresentado por Joênia ao MD e produzido pela empresa de táxi aéreo que presta serviços à Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena), a Voare Ltda., das 50 pistas listadas como prioritárias, 31 têm “cabeceiras comprometidas por obstáculos”, 26 têm seu cumprimento “comprometido por avanço da vegetação”, 33 têm a pavimentação “comprometida pela presença de vegetação rasteira densa”, 17 têm “pavimentação comprometida pelo acúmulo de água”, entre outros problemas (os números somados excedem a 50 porque há pistas com mais de um defeito ao mesmo tempo).
Assim, muitas das ações que a Funai pediu ao Ministério da Defesa são consideradas por indigenistas de baixa dificuldade de execução. Em muitos casos, seria apenas retirar o mato rasteiro das pistas e podar árvores nas proximidades. Em outras pistas é necessária a instalação de sinalização para evitar acidentes, inclusive com a população indígena. A melhoria dessas pistas permitiria, segundo a Funai, o acesso mais rápido das equipes de saúde às aldeias, em um vasto território no qual o transporte aéreo é fundamental para reduzir as mortes dos Yanomami consideradas evitáveis, como desnutrição, malária, pneumonia e doenças diarreicas.
De acordo com o relatório apresentado pela Funai, a vegetação alta nas cabeceiras de várias dessas pistas “compromete os procedimentos de pouso e decolagem”. Nas laterais, “dificulta os procedimentos de manobras durante a corrida da aeronave nas pistas, agravando o perigo em condições de emergências de pouso ou decolagem”. Os buracos e valas, que acumulam água em períodos chuvosos (a temporada das chuvas está começando na terra Yanomami), levam a uma “redução significativa das margens de segurança, uma redução na habilidade do operador em responder às condições operacionais adversas”.
“Todas as condições observadas neste relatório podem contribuir para ocorrências que coloquem a vida dos tripulantes, equipe médica e a dos próprios indígenas em risco. Ainda, que compromete todo o atendimento à comunidade indígena”, diz o documento assinado pelo diretor de segurança operacional da Voare.
O pedido em caráter urgente foi dirigido pela Funai ao MD em 6 de fevereiro, uma semana depois que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou um decreto sobre a emergência Yanomami. Os militares do MD levaram 20 dias para responder por escrito. Em ofício do último dia 26, o comandante do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, vinculado ao Ministério da Defesa, o almirante de esquadra Renato Rodrigues de Aguiar Freire, primeiro disse que “foram realizadas duas reuniões, nos dias 14 e 15 de fevereiro” sobre o assunto. Os encontros teriam sido “coordenados” pela Casa Civil da Presidência da República com a presença de representantes do MD e “integrantes do Estado-Maior do Exército e do Estado-Maior da Aeronáutica”.
Defesa Aérea & Naval
O almirante qualificou o pedido urgente da presidente da Funai de “consulta”. Sobre a “consulta”, disse o almirante, “cabe mencionar que a Secretaria Nacional de Aviação Civil (SAC) é responsável por propor ao Ministério de Portos e Aeroportos (MPA) a celebração de instrumentos de cooperação técnica e de investimentos que envolvem o setor de aviação civil e de infraestruturas aeroportuária e aeronáutica civil”.
“Neste contexto”, escreveu o comandante do Estado-Maior, “aquela Secretaria [SAC] possui contratos firmados com diversos órgãos e empresas, inclusive, no caso da Região Amazônica, também com a Comissão de Aeroportos da Região Amazônica (COMARA), órgão subordinado ao Comando da Aeronáutica, cuja missão compreende a manutenção das pistas de pouso de interesse daquele Comando, visando contribuir para a soberania nacional e o progresso do país. No tocante aos contratos atualmente firmados com a COMARA, cabe salientar que equivalem à plena capacidade daquela Comissão nos próximos dois anos”.
Ou seja, o representante do Ministério da Defesa argumentou que o Comara não tem condições de fazer novos contratos pelo menos até 2025. O almirante encerrou o ofício dizendo que “faz-se necessário, por parte da Funai, realizar gestões junto à SAC” para atender apenas quatro pistas, Surucucu, Auaris, Palimiú e Missão Catrimani, isto é, apenas as quatro pistas que estão ligadas a instalações militares. Em duas delas, Surucucu e Auaris, as obras estariam encerradas, segundo os militares.
A Pública apurou que, depois do mal-estar causado entre indigenistas por essa resposta, houve uma nova reunião entre representantes do MD, da Funai e do Ministério dos Povos Indígenas. Nesse encontro, os militares teriam então apresentado um cálculo do suposto custo total das obras solicitadas pela Funai, indicando que não caberia a ele, MD, pagar pelas reformas. Tal cálculo, porém, não aparece em nenhum trecho do processo administrativo que trata do assunto e que tramita na administração pública federal – a Pública teve acesso na íntegra ao documento de 66 páginas e seus anexos. De qualquer forma, o valor apresentado foi considerado irreal e impossível de ser atendido, na casa das dezenas de milhões de reais, o que também inviabilizou qualquer avanço nas conversas. Foi entendido como um número apresentado para nunca ser atendido, o que “eximiria” o MD de responsabilidade na solução do problema.
Procurado nesta quinta-feira (9), o MD não havia se manifestado até o fechamento deste texto. Entre outros pontos, a Pública indagou se o ministro José Múcio e o almirante Freire não temem também se tornar alvos da investigação já solicitada ao Tribunal Penal Internacional contra o ex-presidente Jair Bolsonaro a propósito do genocídio dos Yanomami em Roraima.
Em janeiro, quatro organizações não governamentais da área da saúde – Abrasco, Cebes, Rede Unida e SBB – apresentaram ao procurador-chefe do TPI, Karim Khan, uma representação criminal contra Bolsonaro. Na representação, ainda sob análise na Procuradoria, as entidades mencionam que “a omissão” de Bolsonaro, após “ter sido notificado por diversas entidades e órgãos oficiais” a respeito da grave situação vivida pelos Yanomami, “é conduta suficiente para a sua responsabilização criminal”. Em 2021, em outra denúncia sob análise no TPI, a APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) já havia atribuído a Bolsonaro a responsabilidade pela prática dos crimes de genocídio e contra a humanidade por extermínio, perseguição e outros atos desumanos contra os povos indígenas do Brasil.
A Pública também indagou ao MD porque ele não adota uma postura “pró-ativa, positiva, cooperativa, a fim providenciar obras que são essenciais para a sobrevivência do povo indígena Yanomami”. Indagou se o MD “não tem Orçamento próprio para isso”. De acordo com a previsão para 2023, o Orçamento de investimentos da Defesa prevê R$ 10,8 bilhões. Caso o MD se manifeste, este texto será atualizado.
Com Vinicius Segalla e Fernando Drummond, no DCM TV, comento o escândalo doMuambagatede Jair Bolsonaro, e os sinais que começam a surgir de que Lula pode ter virado o fio das discussões sobre a queda dos juros e de retomada do desenvolvimento, apesar da má vontade do mercado financeiro, que já voltam a falar num rebaixamento da taxa Selic no segundo semestre.
Vinícius Segalla e Fernando Drummond fazem o giro de notícias do dia no DCM e entrevistam o jornalista Fernando Brito e o professor José Fernandes.
As joias encontradas pela Alfândega na mochila de um assessor do então ministro das Minas Energia, almirante Bento Albuquerque, podem se transformar mais um processo contra Bolsonaro. A opinião é do colunista do UOL Tales Faria.
Entre o golpe de 2016, que afastou uma presidente eleita sem crime de responsabilidade, e o fiasco de 8 de janeiro de 2023, quando se tentou derrubar um governo eleito e empossado uma semana antes, assistiu-se aos movimentos permanentes de uma força alimentada pela repulsa à soberania popular e pelo desprezo sem remorsos pela democracia.
Apesar da vitória indiscutível de Lula, a campanha presidencial de 2022 deixou um subterrâneo escandaloso do ponto de vista político e moral.
O símbolo mais recente e escandaloso reside no ouro e nos diamantes oferecidos pela Arábia Saudita aos amigos bolsonaristas, numa aproximação que é em si uma denúncia, pois envolve um governo pária na diplomacia internacional, com um arquivo imenso de episódios escabrosos no armário.
O mais repugnante entre eles ocorreu em 2018.
O jornalista de oposição Kamal Kashoggi foi esquartejado e morto na embaixada saudita em Istambul, onde se encontrava para definir documentos que permitissem regularizar os papéis para um segundo casamento. Apenas para registrar o caráter ousado da execução de Kashoggi, realizada com requintes de sadismo.
Não se tratava de assassinar um repórter de esquerda de um jornal de baixa circulação mas de um ativo personagem da elite saudita, com artigos publicados em grandes de presença internacional.
Para um governo que orientou a caminhada em direção ao Planalto com um grito de saudação ao coronel da tortura, Carlos Alberto Ustra, quando o Congresso aprovou o impeachment de Dilma Rousseff, o respaldo do porão saudita mostra aproximações internacionais onde semelhanças falam alto.
O valor das jóias, em torno de 16 milhões de reais, indica que não se trata de um simples presente -- mas uma reserva de valor, um compromisso para o futuro, muito além de banais adornos pessoais para serem exibidos numa noite de gala.
Mostrando um empenho incansável para recuperar o pequeno tesouro, o Almirante de Esquadra Bento Albuquerque, ex-ministro das Minas e Energia, exibiu conexões profundas com o bolsonarismo, mais graves e comprometedoras do que um corriqueiro posto ministerial.
Instrumento útil para esclarecer os bastidores obscuros das tramas contra a democracia, a organização de uma CPI sobre as joias do bolsonarismo pode ser de grande valia para o país apurar um novo lance da permanente trama golpista que ameaça brasileiros e brasileiras.
Alguma dúvida?
O nome de Mario de Marco Rodrigues de Sousa, delegado da Receita Federal, circulou nas redes sociais após a revelação de que o governo Bolsonaro tentou trazer joias da Arábia Saudita ilegalmente, em outubro de 2021. O escritor Jeferson Tenório, que é colunista do UOL, comenta
As notícias nas capas dos jornais, sobre a vigilância da Receita Federal aos movimentos do então ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque, são constrangedoras para as Forças Armadas.
Um almirante era monitorado por auditores das alfândegas, muito antes da apreensão das joias para Michelle, porque viajava demais.
Foram 10 viagens em 2019. Caíram para três no ano seguinte, por causa da pandemia, mas a intensidade dos compromissos fora do país voltou em 2022.
No ano passado, ele ficou apenas cinco meses no cargo, de janeiro a maio, mas realizou sete viagens internacionais.
Bolsonaro atraiu a desconfiança até mesmo da Receita sobre os movimentos dos seus militares.
É um tenente da Marinha o homem que trouxe as joias das arábias numa mochila. Um sargento da Marinha, sob as ordens de um coronel do Exército, tentou recuperar as joias apreendidas.
Um contra-almirante, José Roberto Bueno Junior, então chefe de gabinete de Bento Albuquerque, também tentou reaver as joias, sem sucesso.
E agora essa informação sobre as viagens monitoradas de um ministro com patente de almirante.
Quando, mesmo na ditadura, um almirante provocou desconfianças em servidores do governo porque viajava demais?
Dos militares que conviveram de perto com Bolsonaro, poucos escaparam de envolvimento em casos escabrosos.
E uma das notícias de ontem, na capa do Globo, dizia que Michelle Bolsonaro estava articulando sua defesa no caso das joias, como os militares do PL.
Os militares reunidos com Michelle eram, segundo o Globo, Braga Netto, que agora é líder político, e seus auxiliares, todos com passagens pela caserna.
Ou seja, militares são considerados decisivos para a definição da estratégia de defesa de Michelle. Faz sentido.
Sérgio A J Barretto
@SergioAJBarrett
Para tentar liberar os diamantes da Arábia Saudita, o Bolsonaro usou os três componentes das Forças Armadas. Avião, da Aeronáutica, o Mauro Cid, do Exército, e o Bento Albuquerque, da Marinha. Mas foi tudo pelo patriotismo?
Jairo Moreira da Silva tenta reaver joias recebidas pelo governo Bolsonaro
Imagens contrariam versão de Bolsonaro de que não sabia das existência das joias, avaliadas em R$ 16,5 milhões
247 -Foram divulgadas nesta quarta-feira (8) imagens exclusivas do enviado especial da Presidência da República, o primeiro-sargento da Marinha Jairo Moreira da Silva, tentando reaver, no apagar das luzes de 2022, as joias de R$ 16,5 milhões recebidas pelo governo Bolsonaro (PL) pela Arábia Saudita.
O vídeo foi obtido em primeira mão pela repórter Andréia Sadi e pelo repórter Arthur Guimarães, da Rede Globo. As imagens contrariam versão de Bolsonaro de que não sabia das existência das joias, avaliadas em R$ 16,5 milhões.
As joias foram encontradas na mala do assessor do ex-ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque e ficaram retidas na alfândega da Receita Federal no Aeroporto de Guarulhos.
Na gravação, Jairo tenta convencer o auditor da Receita a liberar o pacote de joias, mostrando uma mensagem que constava em seu celular e tinha como destinatário Júlio César Vieira Gomes, o então chefe da Receita Federal.
O enviado especial da Presidência, inclusive, tenta fazer o auditor atender a uma ligação telefônica, mas o servidor da Receita se nega a falar pelo celular.
Após outras tentativas de convencimento para reaver o pacote por parte de Jairo, o auditor explica que seria necessário um trâmite legal e a confecção de um documento chamado Ato de Destinação de Mercadoria (ADM) para poder incorporar o pacote.
Na gravação, o sargento da Marinha Jairo Moreira da Silva, enviado por Jair Bolsonaro, tenta recuperar as joias, avaliadas em R $16,5 milhões que estavam apreendidas pela Receita Federal
Vídeo obtido com exclusividade pelo blog da Andréia Sadi e exibido pela GloboNews mostra momento em que sargento enviado por Jair Bolsonaro (PL) tenta recuperar as joias avaliadas em R$ 16,5 milhões, presenteadas a Michelle Bolsonaro, que estavam apreendidas pela Receita Federal. #UOLNews
Aqui, a gente vai fazer um resumo de toda a treta das joias da Michelle. Joias que na real tem tudo para não ser nem da Michelle e nem presente de Arábia nenhuma. E, se você já conhece toda a história fique sabendo que tem mais militar no meio do que você imagina.
O valor das joias que iriam para o casal Bolsonaro supera o dos presentes sauditas ao ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump e ao casal Obama; veja as comparações com os comentários do analista de internacional da CNN Lourival Sant'Anna. #CNNBrasil
O ex-presidente Jair Bolsonaro e sua esposa Michelle durante o lançamento de sua campanha para a reeleição em Juiz de Fora, Minas Gerais, em 16 de agosto de 2022.AFP - MAURO PIMENTEL
Polícia Federal e Advocacia Geral da União vão investigar conduta de agentes públicos que entraram no país com objetos de luxo recebidos em viagem internacional. Especialistas ouvidos pela RFI dizem que o destino dos presentes deve ser o acervo público
por Raquel Miura /RFI
As joias de mais de R$ 16 milhões que o governo da Arábia Saudita deu ao então presidente Jair Bolsonaro e sua mulher Michelle, em outubro de 2021, têm rendido muitos memes na internet e acaloradas conversas nos corredores de Brasília, especialmente no PL, partido do clã Bolsonaro. O assunto ganhou novos contornos esta semana com a informação de que chegou às mãos do ex-presidente uma caixa que entrou ilegalmente no país. Ao deixar o governo, ele teria levado alguns dos objetos.
É o tipo de história que gruda no imaginário popular porque traz elementos de um animado folhetim: os cobiçados brindes vieram daquela que é, talvez, a família mais rica do mundo, que controla o governo e o petróleo sauditas. Um dos presentes, um colar cheio de diamantes, chegou ao Brasil escondido dentro de uma escultura de cavalos. Um assessor do ex-governo, que trazia parte dos presentes, acabou barrado na alfândega, o paradeiro dos itens de luxo masculino é incerto e, para coroar o enredo, o delegado da receita que fez a apreensão já teve seu trabalho mostrado num programa da TV americana sobre fiscalização aduaneira.
O analista político André Felipe Rosa disse à RFI que o caso reverbera no meio político porque gera dúvidas se o clã Bolsonaro terá fôlego para para herdar o capital político da extrema direita. “Na minha análise política, o clã Bolsonaro começa, de uma forma mais acelerada, a se deteriorar e pode ter dificuldades para ter um nome competitivo", afirma.
"É importante destacar que hoje a figura de Bolsonaro já é praticamente carta fora do baralho, e precisa de um sucessor. Nesse caso seria a própria Michelle Bolsonaro. Mas o atual governo, sabendo das reais possibilidades, busca descobrir casos que possam ser estratégicos para a desconstrução da imagem dessesplayers. A continuar essa linha de narrativa, muito provavelmente não haverá nome competitivo eleitoralmente vindo do clã Bolsonaro na próxima disputa”, afirmou Rosa.
Onde está o relógio?
Os presentes milionários destinados a Bolsonaro e Michelle foram entregues pelo príncipe Mohammed bin Salman Al Saud ao então ministro de Minas e Energia, almirante Bento Albuquerque, que representou o Brasil naquela viagem ao Oriente Médio. O caso foi trazido pelo jornalEstado de S.Pauloe, com a repercussão, a Polícia Federal foi mobilizada para apurar a história.
As joias femininas acabaram barradas pela Receita, já na chegada. As masculinas, incluindo um relógio e um relicário árabe, entraram no país numa mala que não foi revistada. A informação de que esses objetos acabaram nas mãos de Bolsonaro e depois sido levados com ele elevou a temperatura política entre apoiadores do ex-presidente.
Bolsonaro afirma que os presentes foram encaminhados ao acervo da Presidência da República. A ex-primeira dama tem dito que não sabia da existência do agora famoso colar de diamantes. O ex-ministro de Minas e Energia diz que seguiu os procedimentos legais que pautam a troca de presentes entre autoridades de Estado.
“O correto, se fosse um bem que ficaria sob a guarda da Presidência da República, ou seja, para o acervo da Presidência, seria entrar no país pelas mãos de um diplomata através de uma mala diplomática, que nem é aberta na Receita Federal”, afirmou a advogada especialista em direito tributário, Raquel de Andrade Vieira Alves.
“Na esfera criminal, quem praticou a conduta em apuração é o servidor que fez o transporte desses bens. No caso, um ex-ministro de Estado e um dos assessores. Então a investigação da Polícia Federal recai sobre a conduta desses agentes. E aí teria que ser verificado se realmente eles agiram a mando da autoridade hierárquica superior, ou se agiram por vontade própria”, completou a advogada.
Pressão sobre a Receita
Entre as questões que precisam ser respondidas estão o destino final das joias masculinas entregues a Bolsonaro, a razão pela qual o assessor do ex-presidente que integrava a comitiva tentou esconder o presidente de Michelle e se ele recebeu ordens para isso. Também gerou especulações a pressão sobre servidores da Receita para que os presentes retidos fossem liberados.
“Qual foi o fundamento utilizado pelos integrantes do governo para reaver os presentes? Foi a comprovação de que foram incorporados ao acervo da Presidência e, portanto, ao patrimônio da União? Em caso positivo, não há que se falar em responsabilidade. Por outro lado, foi uma tentativa de pressionar as autoridades fiscais, através de integrantes do governo, a fazer a liberação das joias sem o pagamento de imposto ou de joias que deveriam ir para o acervo público? Nesse caso, a gente claramente estaria diante de uma conduta que deve ser repreendida. Então hoje não é possível ainda dizer se houve ou não houve um crime, mas a investigação responderá”, explicou à RFI o advogado tributarista Felipe Renault, destacando que os detalhes do caso e da investigação não foram divulgados oficialmente.
Por lei, qualquer pessoa tem que declarar bens que comprou ou ganhou no exterior, cujo valor ultrapasse U$ 1 mil. O viajante tem de pagar uma taxa de 50% sobre o valor do produto. Se for pego mentindo sobre o que traz na bagagem, terá ainda que arcar com uma multa, que varia de 25% a 50% do valor do objeto.
“O agente da Receita pode até considerar que um bem, mesmo que passe desse limite de U$ 1 mil, é de uso pessoal e que foi necessário na viagem, como uma máquina fotográfica, um computador ou um celular que a pessoa está usando. E aí o fiscal pode liberar a entrada sem o pagamento. Mas a regra é a declaração, até para que o contribuinte não corra o risco de ter maiores problemas. Declara e aí, ao mostrar ser um bem pessoal atrelado à viagem, ele é liberado”, orienta Raquel Alves.
Mas quando se trata de itens recebidos por agentes públicos e autoridades, há outras regras que também balizam o seu destino, inclusive um acórdão de 2016 do Tribunal de Contas da União que limitou bastante as chances de um presidente da República levar para casa algum presente. Apenas objetos de "caráter personalíssimo", como bonés, gravatas, perfumes ou camisetas entram nas exceções. O restante é considerado patrimônio da União.
“Pelo entendimento do TCU, não me parece que joias, principalmente com esse valor, possam ser enquadradas como bem personalíssimo. Até porque, quando a gente fala em missões internacionais, é tradicional essa troca de presentes entre os chefes de Estado, o Brasil recebe e dá presentes. E certamente, o presente que foi levado pelo país para Arábia Saudita foi pago com dinheiro público. E é de se esperar que aquele bem que veio do exterior como presente também o fosse. Então faz sentido esse acórdão do TCU, determinando que os objetos passem a integrar o acervo público”, avaliou à RFI Tadeu Puretz, advogado e coordenador de pós-Graduação em Direito do Ibmec.
Devido à decisão da corte de contas, Lula e Dilma Rousseff, que já tinham deixado a presidência à época, devolveram 472 objetos que estavam em seus acervos pessoais e foram levados de volta à Brasília.
O ministro da Justiça e Segurança Pública afirmou que o relato de que o governo de Jair Bolsonaro (PL) tentou trazer ilegalmente colar e brincos de diamante de R$ 16,5 milhões para a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro pode configurar os crimes de descaminho, peculato e lavagem de dinheiro. O jurista Wálter Maierovitch, que é colunista do UOL, comenta
O brilho valioso da Rlam, refinaria vendida a um fundo árabe.
A Federação Única dos Petroleiros (FUP) solicitou ao Ministério Público Federal (MPF), nesta terça-feira (7), que instaure inquérito civil público e ação judicial para apurar a eventual relação entre o caso das joias de R$ 16,5 milhões presenteadas a Michelle Bolsonaro e a venda da refinaria baiana Landulpho Alves (Rlam).
A tentativa de Jair Bolsonaro se apropriar de peças com diamantes apreendidas pela Receita Federal, está sendo investigada como um possível crime contra a administração pública. O envio das joias foi feito um mês antes da venda da refinaria, ocasião em que uma comitiva do Ministério de Minas e Energia viajou à Arábia Saudita. Comitiva chefiada pelo almirante Bento Albuquerque.
A venda da Rlam foi concluída pela Petrobras em novembro de 2021. A refinaria foi vendida para o Mubadala Capital, fundo soberano de Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos, por US$ 1,8 bilhão. Especialistas do Instituto de Estudos Estratégico de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), porém, estimam que o valor de mercado da refinaria seria praticamente o dobro, variando entre US$ 3 bilhões e US$ 4 bilhões. Analistas do banco BTG Pactual apontaram que o valor cobrado pela refinaria é abaixo do que foi projetado por eles.
“Requeremos a instauração de Inquérito para avaliar eventuais práticas ilegais envolvendo a venda da refinaria Landulpho Alves por 50% de seu valor de mercado”, destaca o coordenador-geral da FUP, Deyvid Bacelar.
No pedido, a FUP ressalta ter conhecimento de que os Emirados e a Arábia Saudita – doadores das joias e compradores da refinaria, respectivamente – são nações distintas, mas afirma que “há de se ressaltar a proximidade geográfica e a aliança estratégica entre os dois países”. Outro indício alegado pela FUP é o fato de Bolsonaro tentar se desvencilhar do escândalo apresentando o álibi de que não se encontrava naquele momento nos Emirados Árabes (sic), embora o presente tenha sido entregue na Arábia Saudita.
“Ato falho ou não, as datas batem. Qual seria o motivo das joias virem escondidas e não declaradas, como de praxe em uma relação diplomática entre dois países? Há relação entre a venda da Rlam abaixo do mercado e estas joias? A denunciante não pode afirmar de maneira contundente, mas esta afirmação gera dúvida que merece, ao mínimo, investigação a ser realizada por este Ministério Público Federal. As joias não foram declaradas como acervo público”, questiona a denúncia.
O Ministério da Justiça e Segurança Pública informou que o contrabando e abuso de autoridade em relação às jóias será investigado pela Polícia Federal (PF). De acordo com o ministro da pasta, Flávio Dino, o fato pode configurar crimes de descaminho, peculato e lavagem de dinheiro, entre outros possíveis delitos. O entendimento do Tribunal de Contas da União também considera imoral o recebimento por agentes públicos de presentes valiosos, portanto, estes devem pertencem ao acervo do Estado.
Uma refinaria por pedrinhas brilhantes
Como amplamente denunciado, as joias – apreendidas pela Receita Federal no aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, no dia 26 de outubro de 2021 – estavam na mochila de Marcos André dos Santos Soeiro, assessor do então ministro de Minas e Energia (MME), Bento Albuquerque, que retornava ao Brasil na comitiva após a referida viagem ao Oriente Médio.
Segundo Bacelar, “estamos diante da suspeita. Há relação entre a venda da Rlam abaixo do valor de mercado e estas joias? Essa dúvida merece, ao mínimo, investigação a ser realizada pelo Ministério Público Federal. As joias não foram declaradas como acervo público”.
Este início do mês de março foi particularmente dramático para os trabalhadores da Rlam, desde que deixou de haver vínculo entre os empregados da Petrobrás e a histórica Refinaria Landulpho Alves.
Os 230 trabalhadores concursados que ainda estavam lotados em Mataripe, por conta do contrato de transição assinado pela Acelen com a estatal, não prestam mais serviços para a empresa árabe. O contrato de 15 meses envolveu 830 trabalhadoras e trabalhadores que já atuavam na Rlam.
Rebatizada para Refinaria de Mataripe, após o controverso processo de privatização, que segue sendo contestado pelo Sindipetro Bahia e pela FUP, a Rlam foi a primeira refinaria nacional a abastecer o país, desde sua fundação em 1950.
Assim como a Rlam, os 70 anos da maior estatal brasileira, a Petrobras, foi celebrado sem a Reman, a SIX, a BR Distribuidora, a Liquigás, e sem vários polos de produção do Nordeste, sem campos de petróleo estratégicos da Bacia de Campos, sem as malhas de gasodutos e sem tantos outros ativos que integravam o Sistema Petrobrás e foram vendidos para grupos privados.
Luis Nassif entrevista o deputado federal Carlos Zarattini (PT-SP), para falar dos danos políticos causados aos Bolsonaro com o escândalo. O político se manifestou nas redes sociais sobre a hipótese de as joias estarem associadas à propina pela venda de uma refinaria da Petrobras a um fundo árabe.
Dados públicos disponibilizados no Portal da Transparência informam que 100 generais de exército (último posto da escala hierárquica do Exército Brasileiro) receberam a patente de marechal, extinta desde 1967 após uma reforma no regramento da força terrestre que pôs fim ao título, normalmente atribuído a oficiais de alto escalão considerados heróis nacionais por comandarem tropas em conflitos bélicos. A partir da promulgação da Lei Federal 6.880, de 1980, chamada de Estatuto dos Militares, a possibilidade de um general passar ao posto de marechal voltou, mas em condições restritíssimas: somente em tempos de guerra.
Entre os generais elevados a tal posto, que não existe mais, exceto em casos de campanha, estão Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (GSI) do governo Bolsonaro, os ex-comandantes do Exército Edson Leal Pujol e Eduardo Villas Bôas, além de Sérgio Etchegoyen, que ocupou também o GSI, mas na gestão de Michel Temer. Enzo Peri e Francisco Roberto de Albuquerque, ex-chefes máximos da maior organização militar brasileira durante os governos Lula e Dilma Rousseff, são outros que engrossam a lista de marechais.
Na Marinha e na Aeronáutica, os postos equivalentes ao de marechal são, respectivamente, o de almirante e de marechal do ar, igualmente extintos. Nessas outras duas organizações militares a nomeação para a posição inexistente também corre solta. Na listagem disponível no Portal da Transparência é possível perceber que vários almirantes de esquadra e tenentes-brigadeiros (postos compatíveis com o de general de exército no Exército) receberam a “promoção” que deixou de existir há 54 anos. Eles somam 115 nesses dois ramos militares.
Os ex-comandantes da Aeronáutica Luiz Carlos Bueno, Juniti Saito e Nivaldo Rossato, que chegaram ao topo da hierarquia da FAB como tenentes-brigadeiros, figuram no site que divulga os gastos do governo federal como marechais do ar, da mesma forma que os almirantes de esquadra Roberto de Guimarães Carvalho, Julio Soares de Moura Neto e Eduardo Bacellar Leal Ferreira, que chefiaram a Marinha no passado, e que hoje são classificados como almirantes.
Foi a partir de uma Lei Federal que entrou em vigor em 2019, de número 13.954, que dispõe sobre questões previdenciárias dos militares e que não revogou o ordenamento jurídico anterior, que aparentemente esses generais passaram a figurar como marechais. Não se sabe qual foi a interpretação dada pelo governo federal para proceder com tais promoções, até porque o Ministério da Defesa não esclarece as circunstâncias dessas mudanças na hierarquia, tampouco a data em que elas ocorreram.
A reportagem da Fórum entrou em contato três vezes com a assessoria da pasta chefiada pelo general Walter Braga Netto, desde a última sexta-feira (30), por e-mail e via plantão do Centro de Comunicação, por WhatsApp, mas diferentemente da área de imprensa de outros ministérios, que respondem prontamente, o Ministério da Defesa ignorou os questionamentos sobre o assunto.
Ustra está entre ‘marechais’
Carlos Alberto Brilhante Ustra, coronel do Exército condenado em 2008 pela Justiça brasileira como torturador durante a Ditadura Militar (1964-1985), também foi elevado ao posto de marechal, segundo o levantamento da Fórum.
O fato mais conflitante fica por conta de Brilhante Ustra ter ido para a reserva como coronel, o que no máximo, se passasse a um posto acima, poderia conduzi-lo ao grau de general de brigada, três níveis abaixo da extinta patente de marechal, legalmente possível apenas em tempos de guerra.
Falecido em 2015, o oficial que usava o codinome Dr. Tibiriçá durante as sessões de tortura na sede do DOI-CODI, em SP, transmitiu sua pensão de marechal às filhas Patrícia Silva Brilhante Ustra e Renata Silva Brilhante Ustra, que recebem cada uma 15.307,90, totalizando R$ 30.615,80, valor correspondente aos vencimentos de outros “marechais” do Exército.
Bolsonaro, o fã do torturador
O presidente Jair Bolsonaro nunca escondeu sua admiração pelo coronel Brilhante Ustra, a quem se refere como um “herói nacional”, em que pese todas as acusações de violações aos direitos humanos praticadas pelo torturador condenado, inclusive na presença de crianças filhas de suas vítimas. Durante a sessão que votou o impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff, em 2016, o então deputado federal dedicou sua decisão favorável ao afastamento da petista com a seguinte frase: “Pela memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor da Dilma”.
A fala repercutiu entre autoridades e entidades da sociedade civil, no Brasil e no mundo, e foi classificada, entre outras coisas, como “execrável”, “estarrecedora” e “deprimente”. Os filhos de Bolsonaro, todos parlamentares, também costumam prestar homenagens ao torturador usando camisetas com a foto do militar já morto.