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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

O CORRESPONDENTE

23
Jan23

Genocida: sempre genocida

Talis Andrade
 
 
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A política de extermínio dos índios no governo fascista é uma definição clássica do que é genocídio

 

“É preciso falar de esperança todos dias. Só para que ninguém esqueça que ela existe.” Mia Couto

 

por Antonio Carlos de Almeida Castro

Quando, no início da pandemia, eu chamei o então Presidente Bolsonaro de genocida, sofri muitas críticas pois havia uma indefinição sobre a pertinência técnica da tipificação do crime de genocídio. Reconheço que a discussão é séria e não podemos acusar sem o devido embasamento. Reconheço, também, que muitos exageraram do direito de criticar o enquadramento no tipo penal de genocídio por uma indisfarçável simpatia pelo então poderoso fascista. Mas, como advogado e militante dos direitos humanos, talvez eu tenha menos amarras que meus amigos professores e doutrinadores. É uma opção de vida e eu respeito, embora critique.

Agora, estamos em outro momento e a discussão sobre genocídio se dá pelo extermínio, deliberado e cruel, dos Yanomamis. Desta vez, o tipo penal parece que foi feito para responsabilizar o genocida Jair Messias Bolsonaro. Basta ler (Lei nº 2.889/1956):

Art. 1º Quem, com a intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso, como tal: (Vide Lei nº 7.960, de 1989):

a) matar membros do grupo;

b) causar lesão grave à integridade física ou mental de membros do grupo;

c) submeter intencionalmente o grupo a condições de existência capazes de ocasionar-lhe a destruição física total ou parcial;

d) adotar medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo;

e) efetuar a transferência forçada de crianças do grupo para outro grupo;

O Presidente Lula é hoje, inquestionavelmente, o maior líder político do planeta. A visita do Presidente aos índios Yanomamis vai sensibilizar o mundo. Vamos expor a todas as nações civilizadas a vergonha e o massacre coordenado deliberadamente pelo governo fascista do Bolsonaro. A política de extermínio dos índios no governo fascista é uma definição clássica do que é genocídio. Volto, tempos depois, a clamar por um processo que condene esse monstro que optou pela morte, que exaltou a tortura, que disseminou o ódio e a violência. As evidências estão postas. 

Com a palavra os professores e os doutrinadores. O povo originário agradece. Não só eles, mas toda a humanidade. Vamos aos Tribunais Internacionais.

“Mudar de conceitos sobre o tempo leva tempo. E quem fala de tempo fala de espera e da sua irmã gêmea, a esperança.”  Mia Couto

 
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17
Jan23

O lugar de Bolsonaro é na cadeia

Talis Andrade

A viagem do Torres

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Por Cristina Serra

A minuta de decreto encontrada na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres é prova mais do que contundente de uma conspiração golpista. Alguém pensou, buscou fundamentação jurídica (inexistente), escreveu e entregou o decreto de golpe nas mãos de Torres. Quem é o autor da proposta de estupro da Constituição, sempre desejado por Bolsonaro? Quem a encomendou? Se Torres era ministro e não denunciou a conspiração, dela fazia parte.

O presidente Lula conseguiu erguer uma muralha institucional contra o golpismo, imediatamente após o domingo infame na Esplanada, juntando até mesmo governadores bolsonaristas (pelo menos para o registro da História). Também recebeu maciço apoio e solidariedade internacional.

O Brasil não terá outra oportunidade como essa para enfrentar a contaminação golpista de setores das Forças Armadas e do aparato de segurança estatal, incluindo as polícias militares.

O sucesso da primeira tarefa dependerá muito da habilidade política de Lula e do que fará seu fraco e vacilante ministro da Defesa, José Múcio Monteiro. A democracia não sobreviverá no Brasil sem que as instituições confrontem a permanente ameaça de tutela militar sobre o poder civil e sem que os quartéis entendam, de uma vez por todas, que não existe previsão de “poder moderador” na Constituição.

Para a segunda missão, dependeremos da coragem de governadores comprometidos com o país. No caso dos governadores bolsonaristas, fica a dúvida: serão leais à democracia que os elegeu ou ao criminoso que se refugia na Flórida?

Bolsonaro tem que voltar ao Brasil para ser devidamente processado. É perigoso tê-lo de volta? Seu retorno vai inflamar a turba demente? Risco maior é a percepção de impunidade, que corrói a crença nas instituições. Enquanto o chefe da quadrilha estiver livre, leve e solto continuará incentivando ódio, terror e golpe. Bolsonaro é o maior inimigo da democracia no Brasil. Como tal, seu lugar é no xadrez.

PGR inclui Bolsonaro em inquérito do golpe

 
 
15
Jan23

O “Hino” ao Inominável, feito pra lembrar, pra sempre, o pior dos piores mandatários da nossa história; vídeo

Talis Andrade

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Redação Vio Mundo

- - -

No ar, o ”Hino” ao Inominável. Com letra de Carlos Rennó e música de Chico Brown e Pedro Luís.

Autoironicamente intitulada “hino”, é uma canção-manifesto contra a contra a candidatura de Jair Bolsonaro (PL) à presidência da República.

Num vídeo criado pelo Coletivo Bijari (versão integral, acima, tem 13min40), 30 artistas interpretam-na.

Entre eles, Wagner Moura, Bruno Gagliasso, Lenine, Zélia Duncan, Chico César, Paulinho Moska, Leci Brandão,  Marina Lima, Mônica Salmaso e Zélia Duncan.

Os versos falam de temas recorrentes no discurso do ex-capitão, como a ditadura militar, racismo, machismo,  destruição ambiental.

Citam literalmente ou se baseiam em declarações dadas pelo ‘inominável’ e encontradas na internet e em jornais.

“Feito pra lembrar, pra sempre, esses anos sob a gestão do mais tosco dos toscos, o mais perverso dos perversos, o mais baixo dos baixos, o pior dos piores mandatários da nossa história. E pra contribuir, no presente, pra não reeleição do inominável”, frisa o texto que acompanha o vídeo lançado nesse em 17-09-2022.

“Na íntegra, são 202 versos, mais o refrão, contra o ódio e a ignorância no poder no Brasil”, prossegue o texto.

Que arremata: “Porém, apesar dele – e do que, e de quem e quantos ele representa – a mensagem final é de luz, a luz que resiste, pois, como canta o refrão ‘Mas quem dirá que não é mais imaginável / Erguer de novo das ruínas o país?’”.

Letra completa do “Hino” do Inominável, de  Carlos Rennó

“Sou a favor da ditadura”, disse ele,
“Do pau de arara e da tortura”, concluiu.
“Mas o regime, mais do que ter torturado,
Tinha que ter matado trinta mil”.
E em contradita ao que afirmou, na caradura
Disse: “Não houve ditadura no país”.

E no real o incrível, o inacreditável
Entrou que nem um pesadelo, infeliz,
Ao som raivoso de uma voz inconfiável
Que diz e mente e se desmente e se desdiz.

Disse que num quilombo “os afrodescendentes
Pesavam sete arrobas” – e daí pra mais:
Que “não serviam nem pra procriar”,
Como se fôssemos, nós negros, animais.
E ainda insiste que não é racista
E que racismo não existe no país.

Como é possível, como é aceitável
Que tal se diga e fique impune quem o diz?
Tamanha injúria não inocentável,
Quem a julgou, que júri, que juiz?

Disse que agora “o índio está evoluindo,
Cada vez mais é um ser humano igual a nós.
Mas isolado é como um bicho no zoológico”,
E decretou e declarou de viva voz:
“Nem um centímetro a mais de terra indígena!,
Que nela jaz muita riqueza pro país”.

Se pronuncia assim o impronunciável
Tal qual o nome que tal “hino” nunca diz,
Do inumano ser, o ser inominável,
Do qual emanam mil pronunciamentos vis.

Disse que se tivesse um filho homossexual,
Preferiria que o progênito “morresse”.
Pruma mulher disse que não a estupraria,
Porque “você é feia, não merece”.
E ainda disse que a mulher, “porque engravida”,
“Deve ganhar menos que o homem” no país.

Por tal conduta e atitude deplorável,
Sempre o comparam com alguns quadrúpedes.
Uma maldade, uma injustiça inaceitável!
Tais animais são mais afáveis e gentis.

Mas quem dirá que não é mais imaginável
Erguer de novo das ruínas o país?

Chamou o tema ambiental de “importante
Só pra vegano que só come vegetal”;
Chamou de “mentirosos” dados científicos
Do aumento do desmatamento florestal.
Disse que “a Amazônia segue intocada,
Praticamente preservada no país”.

E assim negou e renegou o inegável,
As evidências que a Ciência vê e diz,
Da derrubada e da queimada comprovável
Pelas imagens de satélites.

E proclamou : “Policial tem que matar,
Tem que matar, senão não é policial.
Matar com dez ou trinta tiros o bandido,
Pois criminoso é um ser humano anormal.
Matar uns quinze ou vinte e ser condecorado,
Não processado” e condenado no país.

Por essa fala inflexível, inflamável,
Que só a morte, a violência e o mal bendiz,
Por tal discurso de ódio, odiável,
O que resolve são canhões, revólveres.

“A minha especialidade é matar,
Sou capitão do exército”, assim grunhiu.
E induziu o brasileiro a se armar,
Que “todo mundo, pô, tem que comprar fuzil”,
Pois “povo armado não será escravizado”,
Numa cruzada pela morte no país

E num desprezo pela vida inolvidável,
Que nem quando lotavam UTIs
E o número de mortos era inumerável,
Disse “E daí? Não sou coveiro”. “E daí?”

“Os livros são hoje ‘um montão de amontoado’
De muita coisa escrita”, veio a declarar.
Tentou dizer “conclamo” e disse “eu canclomo”;
Não sabe conjugar o verbo “concl…amar”.
Clamou que “no Brasil tem professor demais”,
Tal qual um imbecil pra imbecis.

Vigora agora o que não é ignorável:
Os ignorantes ora imperam no país
(O que era antes, ó pensantes, impensável)…
Quem é essa gente que não sabe o que diz?

Mas quem dirá que não é mais imaginável
Erguer de novo das ruínas o país?

Chamou de “herói” um coronel torturador
E um capitão miliciano e assassino.
Chamou de “escória” bolivianos, haitianos…
De “paraíba” e “pau de arara” o nordestino.
E diz que “ser patrão aqui é uma desgraça”,
E diz que “fome ninguém passa no país”.

Tal qual num filme de terror, inenarrável,
Em que a verdade não importa nem se diz,
Desenrolou-se, incontível, incontável,
Um rol idiota de chacotas e pitis.

Disse que mera “fantasia” era o vírus
E “histeria” a reação à pandemia;
Que brasileiro “pula e nada no esgoto,
Não pega nada”, então também não pegaria
O que chamou de “gripezinha” e receitou (sim!),
Sim, cloroquina, e não vacina, pro país.

E assim sem ter que pôr à prova o improvável,
Um ditador tampouco põe pingo nos is,
E nem responde, falador irresponsável,
Por todo ato ou toda fala pros Brasis.

E repetiu o mote “Deus, pátria e família”
Do integralismo e da Itália do fascismo,
Colando ao lema uma suspeita “liberdade”…
Tal qual tinha parodiado do nazismo
O slogan “Alemanha acima de tudo”,
Pondo ao invés “Brasil” no nome do país.

E qual num sonho horroroso, detestável,
A gente viu sem crer o que não quer nem quis:
Comemorarem o que não é memorável,
Como sinistras, tristes efemérides…

Já declarou: “Quem queira vir para o Brasil
Pra fazer sexo com mulher, fique à vontade.
Nós não podemos promover turismo gay,
Temos famílias”, disse com moralidade.
E já gritou um dia: “Toda minoria
Tem de curvar-se à maioria!” no país.

E assim o incrível, o inacreditável,
Se torna natural, quanto mais se rediz,
E a intolerância, essa sim intolerável,
Nessa figura dá chiliques mis.

Mas quem dirá que não é mais imaginável
Erguer de novo das ruínas o país?

Por vezes saem, caem, soam como fezes
Da sua boca cada som, cada sentença…
É um nonsense, é um caô, umas fake-news,
É um libelo leviano ou uma ofensa.
Porque mal pensa no que diz, porque mal pensa,
“Não falo mais com a imprensa”, um dia diz.

Mas de fanáticos a horda lamentável,
Que louva a volta à ditadura no país,
A turba cega-surda surta, insuportável,
E grita “mito!”, “eu autorizo!”, e pede “bis!”

E disse “merda, bosta, porra, putaria,
Filho da puta, puta que pariu, caguei!”
E a cada internação tratando do intestino
E a cada termo grosso e um “Talquei?”,
O cheiro podre da sua retórica
Escatológica se espalha no país.

“Sou imorrível, incomível e imbrochável”,
Já se gabou em sua tão caracterís-
Tica linguagem baixo nível, reprovável,
Esse boçal ignaro, rei de mimimis.

Mas nada disse de Moise Kabagambe,
O jovem congolês que foi aqui linchado.
Do caso Evaldo Rosa, preto, musicista,
Com a família no automóvel baleado,
Disse que a tropa “não matou ninguém”, somente
“Foi um incidente” oitenta tiros de fuzis…

“O exército é do povo e não foi responsável”,
Falou o homem da gravata de fuzis,
Que é bem provável ser-lhe a vida descartável,
Sendo de negro ou de imigrante no país.

Bradou que “o presidente já não cumprirá
Mais decisão” do magistrado do Supremo,
Ao qual se dirigiu xingando: “Seu canalha!”
Mas acuado recuou do tom extremo,
E em nota disse: “Nunca tive intenção
(Não!) De agredir quaisquer Poderes” do país.

Falhou o golpe mas safou-se o impeachável,
Machão cagão de atos pusilânimes,
O que talvez se ache algum herói da Marvel
Mas que tá mais pra algum bandido de gibis.

Mas quem dirá que não é mais imaginável
Erguer de novo das ruínas o país?

E sugeriu pra poluição ambiental:
“É só fazer cocô, dia sim, dia não”.
E pra quem sugeriu feijão e não fuzil:
“Querem comida? Então, dá tiro de feijão”.
É sem preparo, sem noção, sem compostura.
Sua postura com o posto não condiz.

No entanto “chega! […] vai agora [inominável]”,
Cravou o maior poeta vivo, no país,
E ecoou o coro “fora, [inominável]!”
E o panelaço das janelas nas metrópoles!

E numa live de golpista prometeu:
“Sem voto impresso não haverá eleição!”
E praguejou pra jornalistas: “Cala a boca!
Vocês são uma raça em extinção!”
E no seu tosco português ele não pára:
Dispara sempre um disparate o que maldiz.

Hoje um mal-dito dito dele é deletável
Pelo Insta, Face, YouTube e Twitter no país.
Mas para nós, mais do que um post, é enquadrável
O impostor que com o posto não condiz.

Disse que não aceitará o resultado
Se derrotado na eleição da nossa história,
E: “Eu tenho três alternativas pro futuro:
Ou estar preso, ou ser morto ou a vitória”,
Porque “somente Deus me tira da cadeira
De presidente” (Oh Deus proteja esse país!”).

Tivéssemos um parlamento confiável,
Sem x comparsas seus cupinchas, cúmplices,
E seu impeachment seria inescapável,
Com n inquéritos, pedidos, CPIs.

………………………………………………………………

Não há cortina de fumaça indevassÁvel
Que encubra o crime desses tempos inci-vis
E tampe o sol que vem com o dia inadiÁvel
E brilha agora qual farol na noite gris.
É a esperança que renasce onde HÁ véu,
De um horizonte menos cinza e mais feliz.
É a passagem muito além do instagramÁvel
Do pesadelo à utopia por um triz,
No instante crucial de liberdade instÁvel
Pros democráticos de fato, equânimes,
Com a missão difícil mas realizável
De erguer das cinzas como fênix o país.

E quem dirá que não é mais imaginável
Erguer de novo das ruínas o país?

Mas quem dirá que não é mais imaginável
Erguer de novo das ruínas o país?

“Hino” ao Inominável

Produção e direção musical: Xuxa Levy

Produção e direção artística: Carlos Rennó

Colaboração musical e artística: Pedro Luís e Chico Brown

Intérpretes

André Abujamra

Arrigo Barnabé

Bruno Gagliasso

Caio Prado

Cida Moreira

Chico Brown

Chico César

Chico Chico

Dexter

Dora Morelenbaum

Héloa

Hodari

Jorge Du Peixe

José Miguel Wisnik

Leci Brandão

Lenine

Luana Carvalho

Marina Íris

Marina Lima

Monica Salmaso

Paulinho Moska

Pedro Luís

Péricles Cavalcanti

Preta Ferreira

Professor Pasquale

Ricardo Aleixo

Thaline Karajá

Vitor da Trindade

Wagner Moura

Zélia Duncan

Músicos:

Ana Karina Sebastião: baixo
Cauê Silva : percussão
Fábio Pinczowski: teclados
Juba Carvalho: percussão
Léo Mendes: guitarra
Thiago Silva: bateria
Webster Santos: violões
Xuxa Levy: máquina de escrever e programações

Participação especial: violoncelista Jacques Morelenbaum

Vídeo:

Coletivo Bijari
Edição: Guilherme Peres
Direção de fotografia: Toni Nogueira

03
Jan23

Os redentores do Império e o sangue de Deus

Talis Andrade

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(Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21.com.br)

 

É através da distorção do cenário bíblico do Antigo Testamento que pregadores punitivistas argumentam a favor da pena de morte no Brasil

 

Por André Kanasiro | Revista Opera

O governo que assola nosso país desde 2018 tem feito aflorar o que muitos chamam de viúvas da ditadura — pessoas que, por falta de conhecimento ou excesso de ódio, sentem falta dos gorilas que mataram seus irmãos e desafetos a partir de 1964. Mas ele faz aflorar, dos ralos da História, ainda outro grupo: as viúvas do Pentateuco, que sentem falta de sua própria versão distorcida do Antigo Testamento. Enxergando em Moisés a repressão e a impiedade que envenenam suas próprias almas, pregam aos quatro ventos que a receita para superar o que consideram “a decadência do Ocidente” é seguir princípios supostamente divinos que, através de um endurecimento radical de nosso sistema penal, seriam capazes de colocar ordem na casa brasileira. Os semeadores de ervas daninhas encontram aqui um terreno especialmente fértil para suas mentiras, nossas mentes já aradas pelo sensacionalismo criminal de apresentadores de televisão, e tornam cada vez mais hegemônica a imagem de um Deus sociopata, que se alegra com o sangue do pobre escorrido pelas ruas.

Para enfrentar essas mentiras não basta nos apegarmos ao Novo Testamento, alegando que Cristo anulou todo o resto, e ignorar os séculos de tradição semita que o precederam. Temos que compreender o raciocínio e os princípios subjacentes ao que realmente está escrito no texto mosaico, para só então nos perguntarmos: o que isso tem a ver com o Brasil do século XXI?

Go’el: compreendendo os papéis do redentor

Um dos principais versos utilizados por nossas viúvas do Pentateuco precede o nascimento de Israel e está em Gênesis 9:6, no que seria uma prescrição universal à humanidade: “Quem derramar o sangue do homem, pelo homem o seu sangue será derramado; porque Deus fez o homem conforme a sua imagem.”

Esse verso é um dos muitos que transmite um postulado teológico básico da Bíblia Hebraica: o sangue da violência e do homicídio poluem a terra, que clama a Deus e exige sua purificação para a aproximação da divindade. É a terra que engole o sangue de Abel derramado por Caim (Gn 4), o primeiro homicida, e é também a terra que a partir daí se nega a dar sua força ao assassino. É a violência que corrompe a terra até o ponto de não-retorno e motiva Deus a purificá-la com o Dilúvio (Gn 6). O homicídio não é só um crime contra o próximo, mas contra a própria natureza: o derramamento de sangue inocente introduz um desequilíbrio no cosmo, que só será restaurado à harmonia com o derramamento do sangue culpado.

Tal teologia não é exclusiva da religião de Israel; pelo contrário, variantes podem ser encontradas em várias de suas religiões contemporâneas no Antigo Oriente Médio (AOE). O mesmo se aplica à solução encontrada. A instituição da vingança de sangue, segundo a qual o parente mais próximo de uma vítima de assassinato tem o dever de matar o homicida e restaurar equilíbrio à terra em que habita, pode ser encontrada em todo o AOE. Mas é na Bíblia Hebraica que esta encontra um ápice em seu desenvolvimento teológico e, paradoxalmente, em sua adequação aos princípios divinos de misericórdia.

O vingador de sangue bíblico é uma das muitas faces do go’el, o redentor, que é responsável por restaurar o equilíbrio em diversas situações do dia-a-dia israelita: ele redime a descendência de seu parente que morreu sem deixar filhos ao casar-se com sua viúva, e redime seu irmão hebreu ao encontrá-lo escravizado  — comprando sua liberdade e até as propriedades que este perdeu. O próprio Deus de Israel é o go’el de seu povo, pois o redimiu da escravidão no Egito (Is. 41:14). O redentor restaura a descendência, liberdade e justiça à sociedade em que habita; e, apesar de por vezes trazer a morte, traz vida e liberdade ao seu povo.

Mas mesmo quando deve trazer a morte o redentor encontra um problema: o Deus bíblico é misericordioso demais. Caim, o primeiro homicida e alvo potencial de redentores, lamenta-se com Deus que “todo aquele que me achar, me matará” (Gn 4:14). Deus responde colocando-lhe uma marca, “para que o não ferisse qualquer que o achasse” (Gn 4:15). A regra radicaliza a exceção: em Números 35, ao tratar da legislação penal na futura Terra Prometida, Deus introduz cidades de refúgio para as quais podem fugir os homicidas. Uma vez nestas cidades, o assassino não poderia ser morto por seu redentor, que deveria esperar pelo julgamento a ser feito na assembleia dos líderes de Israel. Caso o homicídio fosse julgado doloso, o redentor atuaria como o carrasco do Estado israelita; mas caso o homicídio fosse julgado culposo, o redentor não poderia matá-lo. O homicida então viveria na cidade de refúgio até que o sangue que ele derramara fosse redimido pelo redentor e expiador de Israel por excelência — é o sumo-sacerdote que, ao morrer, redime a culpa do homicida e permite que este volte pra casa.

A legislação israelita parte de seus paralelos no AOE, mas não sem antes subvertê-los a favor da misericórdia: ao mesmo tempo em que valoriza a vida a ponto de não reconhecer o pagamento de indenizações pela família do homicida à família da vítima, institucionaliza a justiça de forma a conter a espiral de violência. Ao contrário de outras nações da sua época, o redentor não pode restaurar o equilíbrio matando outros membros na família do homicida, e seu testemunho não é o bastante para culpabilizar o réu em julgamento. A justiça penal israelita tem suas próprias contradições, mas possivelmente representou progresso histórico e humanizador ao mundo de sua época.

O Brasil contemporâneo e a redenção da barbárie

É através da distorção desse cenário bíblico que os pregadores punitivistas argumentam a favor da instituição da pena de morte no Brasil, assim como de um sistema penal mais duro que diminua a ocorrência de crimes através do medo. Ignoram, porém, que a falta de justiça em nosso sistema penal só tende a ser exacerbada por tais medidas: a despeito de nossas instituições policiais quebradas e ineficientes, que até 2013 arquivavam quase metade das ocorrências de homicídios sem sequer investigá-las, temos a terceira maior população carcerária do mundo, com pelo menos 812 mil pessoas vivendo em condições subumanas em nossas prisões. Destes presos, mais de 40% sequer foram julgados para estarem ali, e 63% se declaram pretos ou pardos. Entre 2009 e 2013, por exemplo, 65% dos presos não usavam armas, não faziam parte de organizações criminosas, e foram presos em flagrante pelo uso ou pela negociação de substâncias ilícitas. Passarão anos em seus campos de concentração, aguardando julgamento em celas superlotadas enquanto muitos outros crimes sequer são investigados.

Como a radicalização de um sistema ineficiente e racista como esse, herança colonial de uma nação escravista e antipobres, poderia restaurar equilíbrio e justiça às terras da América Latina? Os pregadores não dizem, pois não lhes importa o equilíbrio — multiplicar a violência e a injustiça, ver o sangue dos pobres correndo pelas ruas, e clamar por um novo Dilúvio que os mate com toda a humanidade é o que os importa. Não redimem o sangue de vítimas, e sim a barbárie, pregando a guerra de um Estado contra seu próprio povo. Pregam a solução final — e matam dia após dia nosso grande sumo-sacerdote, Jesus Cristo, que expiou a humanidade e purificou toda a Terra ao derramar seu próprio sangue. Morreu, ironicamente, pelas mãos de um Estado que matava seus súditos e odiava seus pobres. Nossos piedosos pregadores não defendem a Cristo. Defendem o Império e seu direito de matar nosso Deus.

23
Dez22

A confirmação da vitória de Lula só poderá ocorrer o peso da lei penal cair por inteiro sobre os fascistas, os milicianos

Talis Andrade

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por Tarso Genro /A Terra É Redonda

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No dia 12 de dezembro de 2022, enquanto o presidente Lula era diplomado numa histórica sessão do Tribunal Superior Eleitoral, ouvindo um épico discurso do ministro Alexandre de Moraes, milicianos bolsonaristas atacaram a sede da Polícia Federal e incendiaram alguns veículos em Brasília. Era a nossa Cervejaria de Munich, um “putsch” para um golpe que faliu e um protesto pela sua derrota nas eleições presidenciais, onde toda sujeira que nela emergiu veio das suas estrebarias de “fake news”, dos órgãos de Estado aparelhados, das ações ilegais da Polícia Rodoviária Federal e dos escaninhos bandidos do orçamento secreto. Estas ações da direita bolsonarista mostram que a vitória de Lula e da democracia ainda pendem de um forte processo político de afastamento dos restos da tragédia ancorados no porto da nossa história recente.

Votado pela base do governo num gesto escandaloso que se tornou uma vergonha planetária da nossa decadência democrática, que se orgulhava do seu isolamento internacional, do negacionismo genocida e dos ataques sistemáticos às instituições da Constituição de 1988, este “orçamento” só poderia ser composto por uma aliança marginal das religiões do dinheiro com o que tem de pior no fisiologismo das elites empresariais do país. Foi a unidade da barbárie contra a democracia, do fisiologismo com o espírito miliciano, de grande parte das classes médias com as instituições “sacras” do espírito-santo monetarizado na corrupção política.

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Assim ele foi votado, para arrasar a paridade de armas nas eleições, em que o surpreendente foi a vitória de um homem supostamente aniquilado por uma conspiração midiático-judicial, que voltou com coragem e energia moral para reerguer um país dilacerado pelo ódio, obra de arte do fascismo que já percorreu no mínimo dois séculos da história ocidental. Aqui ele assumiu abertamente – com Jair Bolsonaro – a paixão necrófila do negacionismo e a naturalização da dor alheia pelo deboche planejado. Milicianismo e grupos políticos, milicianos e religiões do dinheiro: armas e gestos, assassinatos e naturalização da morte, do racismo e da misoginia, compuseram o dicionário da enciclopédia fascista nacional que quase nos levou ao suicídio.

O fascismo e o nazismo são siameses, ora acolhidos pela maioria das classes dominantes e das classes populares manipuladas pela política da extrema direita. Ambos são anti-sistema, propõe revoluções “pelo alto e “por baixo”, que reconhecem na barbárie uma substância permanente contida no Humano: “não um acidente infeliz da história” (…), como disse Simone Weil, mas “o bárbaro lamaçal da alma”, “um caráter permanente e universal da natureza humana”, esperando as oportunidades críticas para se manifestarem pela violência e pela negação da solidariedade e da justiça. (A barbárie interior, Jean-François Mattei, Unesp).

O livro Casta – as origens do nosso mal-estar, de Isabel Wilkerson (Zahar), lança luzes potentes sobre a formação da sociedade americana e sobre a sua estrutura de poder institucionalizada a partir do século XIX. As castas organicamente montadas em torno das “plantations” e a criação da identidade “negra” – como coisa – em contraposição à identidade branca dos colonos europeus, liberaram uma épica forma de exploração do trabalho. Ali se formavam as novas bases de acumulação – material e cultural – especificidades de um novo sistema capitalista em expansão, cujas tendências hegemônicas em escala global já eram visíveis.

Modernização e barbárie, ciência e técnica, política e ideologia, assim estão harmonizadas: moldam o império que se torna – ao mesmo tempo – exemplo do liberalismo político e também exemplo de convívio das suas liberdades com a barbárie. O Século XX condensa e integra, promove cisões e repulsas, na nação em crescimento, que são vividas tanto nos “partidos” da barbárie como entre os “partidos” da democracia moderna, moderadores da violência, cuja tendência seria adjudicar ao Estado normas mínimas de civilidade, que realizadas bloqueariam os excessos impeditivos de formação da nação.

O impulso da democracia americana, todavia, permanece atado ao sistema de castas, já orgânicas nas classes sociais em renovação, cuja política – a partir do Estado – promoveu tanto a democracia como o martírio de milhões, para a glória da civilização ocidental. Este conflito entre barbárie e civilidade democrática está expresso, também, nas lutas de resistência – vitoriosas ou derrotadas – contra o nazismo e o fascismo. E na luta entre as ditaduras e os defensores das bases constitucionais das democracias na América Latina, hoje uniformemente assediadas pelo fascismo, que retorna com diversos modelos formais em escala planetária

Não é muito divulgado na historiografia do racismo e do “apartheid” americano, que os intelectuais e cientistas “sociais” do Partido Nazista estudaram com muito interesse as estratégias de purificação social e racial nos EUA, tais como as zonas proibidas para a comunidade negra – tanto no espaço social como geográfico – bem como a proibição dos casamentos entre brancos e negros, nas origens da formação democrática americana. A eleição do presidente Joe Biden, que é o oposto de Donald Trump e da Klan nesta matéria, permite uma reflexão mais ampla e profunda sobre este tema vital do futuro das Américas.

Na verdade, a afirmação do modelo americano dentro do sistema de poder mundial foi um gigantesco laboratório de conciliação entre barbárie e humanismo moderno, no qual a força da barbárie que está viva e forte, foi recentemente testada na tentativa de golpe do presidente Donald Trump no assalto ao Capitólio. A escolha do local ocupado pelos milicianos bem remunerados não foi gratuita, pois ali estava o símbolo da democracia liberal que incorporou, processualmente, a vasta comunidade negra do país nas proteções do Estado de direito que foram formalizadas nas leis, como ideia que a nação queria fazer de si mesma.

Comparar a situação de ascensão do fascismo, na Itália, com os episódios políticos nacionais que foram gradativamente dando forma política legítima ao bolsonarismo (protofascismo), que vai lentamente se unificando com estratos relevantes do capital financeiro e com os setores mais marginais da burguesia mais “aventureira”, faz sentido: trata-se de compreender o processo de sucessão, entre as suas “elites”, que refletirá tanto na estratégia política dos setores populares, como nas mudanças necessárias para adaptação do capitalismo a um novo ciclo de acumulação.

Antonio Gramsci no cárcere em 1926, quase dois anos depois de eleito deputado  escreveu em plena era fascista que “os elementos da nova cultura e do novo modo de vida (…) são apenas as primeiras tentativas (…) iniciativa superficial e simiesca”, para interferir no que hoje “seria chamado de americanismo”: é crítica preventiva dos “velhos estratos que serão descartados” (…) “e que já estão tomados por uma onda de pânico social, reação inconsciente de quem é impotente” (Americanismo e fordismo”, Hedra), para alavancar – nos processos de mudança do sistema do capital – os aspectos que lhe interessam. O fascismo seria, assim, uma vitória reacionária com aparência de revolução.

A grande síntese histórica deste complicado processo político de formação do Estado americano, dentro dos parâmetros da modernidade liberal democrática – um Estado imperial e de ocupações militares no seu exterior “vital” – está refletida em dois fatos históricos exemplares na atualidade, que dizem respeito ao que ocorre em nosso país: de um lado, o Exército americano negando-se, formalmente, a participar de um golpe contra as instituições da democracia liberal; e de outra, seu ex-presidente tentando descaradamente este golpe, manipulando suas marionetes fascistas no Brasil, para comporem um arco de alianças na extrema direita dos EUA, que vitoriosa refletiria seu poder fascista e racista em toda a América Latina.

A diplomação do presidente Lula foi a vitória de uma ampla frente democrática, que tem demandas diferentes sobre o Estado e diversas pretensões de futuro. Ela encerra um ciclo heroico de resistência e ofensiva democrática, pautada pela unidade em torno do Estado de Direito. E ela não foi somente civil, pois a falta de apoio majoritário ao golpismo de Jair Bolsonaro dentro das nossas instituições armadas, pode estar indicando um novo ciclo virtuoso da nossa história republicana.

Sua confirmação só poderá ocorrer, todavia, se o peso da lei penal – dentro dos rituais democráticos do Estado de Direito – cair por inteiro sobre os fascistas, os milicianos e os seus dirigentes políticos, que ainda no dia de ontem mostraram que o terror e a barbárie são suas armas principais contra a República e a democracia. Quem viver verá: vivemos e veremos!

A luta antirracista é um tema urgente e universal que atravessa a pauta do Instituto Brasil-Israel (IBI) e remete a um diálogo entre judeus e negros que encontra raízes históricas, especialmente nos EUA. A noção de casta proposta por Isabel Wilkerson desnuda pontos de contato entre a escravidão norte-americana, o nazismo alemão e o sistema indiano, e como essas hierarquias rígidas e arbitrárias dividem grupos sociais ainda hoje. Apesar do livro focar nos EUA e nos afro-americanos, entendemos que sua leitura pode auxiliar na compreensão do racismo brasileiro, sempre negado, mas profundamente internalizado. E podemos também expandir o raciocínio para todos os grupos marginalizados e colocados como párias em uma sociedade, fazendo-se a crítica à “supremacia branca”. A proposta da mesa é promover uma conversa sobre as principais ideias presentes no livro, em especial a noção de casta como categoria para a compreensão e enfrentamento do racismo. Além disso, pretende-se estabelecer aproximações com o Brasil. PARTICIPANTES Lilia Schwarcz, professora titular no Departamento de Antropologia da USP e Global Scholar na Universidade de Princeton. É autora de, entre outros livros, O espetáculo das raças (1993), As barbas do imperador (1998, prêmio Jabuti de Livro do Ano), Brasil: uma Biografia (com Heloisa Starling, 2015) e Lima Barreto: Triste visionário (2017, prêmio Jabuti de Biografia). Thiago Amparo, advogado, professor de direito internacional e direitos humanos na FGV Direito SP. Doutor pela Central European University (Budapeste). Michel Gherman, professor de História na Universidade Federal Fluminense, coordenador do Núcleo Interdisciplinar de Estudos Judaicos da UFRJ, pesquisador da Ben Gurion University e Diretor Acadêmico do Instituto Brasil-Israel.

28
Nov22

Um garoto de 16 anos não nasce assassino Notas sobre o absurdo

Talis Andrade

www.brasil247.com -

 

Notas sobre o absurdo

 

por Marcia Tiburi

- - -

Um garoto de 16 anos não nasce assassino. 

Um adolescente de 16 anos não cresce desejando se tornar um assassino em série. 

Um menino do interior do Espírito Santo não acorda um dia pela manhã e decide se tornar um fascista. 

O filho de um policial - ou de um não policial - não nasce nazifascista. 

O neto, sobrinho ou primo de qualquer um não cresce sabendo manipular armas. 

Um menino que vai à escola não nasce sabendo atirar. 

Um menino que joga bola não nasce cheio de ódio. 

Um garoto que tem problemas psicológicos - como tanta gente tem nesse mundo tão difícil de sobreviver emocionalmente - não planeja matar colegas e professores. 

Um menino que nem descobriu a si mesmo não conhece uma suástica sozinho. 

Ele não nasce camuflado. 

Ele não nasce vazio de reflexão. 

Ele não nasce vazio de emoção. 

Um garoto de 16 anos só pode se tornar um assassino em meio a uma cultura de ódio. A cultura na qual o ódio é um valor. 

A cultura em que as armas, como poderosos instrumentos de ódio prático, são tratadas como banais, como brinquedos. 

A lógica do assassinato - que parece não ter lógica nenhuma - é a racionalidade do fascismo do qual o nazismo é a expressão mais cruenta. 

A apologia da morte que fez história no fascismo europeu segue no Brasil onde pululam células e grupos fascistas e nazifascistas. Jovens estão sendo aliciados por agentes do ódio que encontram solo fértil para avançar com seu projeto de matança em massa. 

O garoto que destruiu a vida de pessoas por ele assassinadas e destruiu a vida das famílias dessas pessoas, destruiu a sua própria vida e a vida de sua família. 

Não há palavras que possam consolar familiares e amigos das vítimas que seguirão traumatizados. 

O Brasil está de luto porque o império da morte avança com a irresponsabilidade de instituições que devem coibir e punir os aliciadores de menores. Os agitadores fascistas e todos os que incitam a violência são responsáveis. 

A cultura do ódio se beneficia da cultura da irresponsabilidade. 

Só um projeto envolvendo educação, cultura e meios de comunicação para a paz e a não violência podem construir um futuro em que a catástrofe que a cidade de Aracruz acaba de viver não se repita.

19
Nov22

'Elite brasileira se propõe a pagar por um governo autoritário', diz analista político e psicanalista

Talis Andrade

Comissão Nacional da Verdade Brasil Comissões Estaduais Estadual Estados  ABC Tortura Violação de Direitos Humanos Ditadura Militar Brasileira Human  Rights Brazil truth commissions lei 7.376/10 7376/10 Congresso Nacional  torture torturadores forças armadas

 

  • Shin Suzuki /BBC News 

 

Apesar do governo Bolsonaro ter estourado as metas de inflação e os tetos previstos para gastos públicos, o mercado em nenhum momento reagiu tão negativamente como reagiu na semana passada a declarações do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva defendendo leniência quanto às responsabilidades fiscais. Para o psicanalista, escritor e analista político Tales Ab'Sáber, isto é uma mostra de que "talvez o ranço antissocial seja tão importante no Brasil a ponto de a elite se propor a pagar por um governo autoritário."

Professor na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e autor dos livros Lulismo, Carisma Pop e Cultura Anticrítica (2012), Dilma Rousseff e o Ódio Político (2015) e Michel Temer e o Fascismo Comum (2018, todos pela editora Hedra), há anos Ab'Sáber se dedica a analisar o cenário político brasileiro.

"Homens que se têm como modernos agenciadores do capitalismo de hoje abriram mão de suas referências, de seus critérios matemáticos, racionais e competitivos para dar aval a um governo que estourou a inflação e um teto de gastos que antes diziam ser fundamental. Sem planejamento, sem horizonte de crescimento, tudo sob aplauso dos 'faria limers'", diz ele, referindo-se aos operadores que trabalham na avenida Faria Lima, em São Paulo, o centro financeiro do país.

Desde 2019, o governo Bolsonaro já alterou por cinco vezes o teto de gastos, principal regra fiscal que limita o crescimento das despesas públicas.

"E é aí que entra uma questão que os psicanalistas podem levantar: há um desejo arcaico, autoritário, sádico que é tão forte quanto os cálculos racionais e que pode relativizar o lucro em nome de uma afirmação antipopular? Existe isso? Eu acredito que sim."

"Se você pega [o livro] Raízes do Brasil, [o historiador] Sérgio Buarque de Hollanda fala de uma mentalidade antimoderna que persistia no país. Porque ela estava totalmente estruturada na lógica da época da escravidão", afirma.

O professor de filosofia da psicanálise na Unifesp publicou neste ano o livro O Soldado Antropofágico: Escravidão e Não-Pensamento no Brasil (N-1 Edições) no qual defende que o regime escravista do passado continua a marcar a sociedade brasileira por meio de exploração social e da ideia do "ponha-se em seu lugar" entre as classes.

"No meu livro eu sustento que existe sim, como dizem os psicanalistas, um gozo de não-pensamento na elite brasileira. O que ocorreu sob o bolsonarismo foi suspender os critérios de pensamento econômico quando houve o estouro da inflação, dos gastos públicos e a degradação do orçamento. Os critérios foram contornados por um traço identificador de classe", diz Ab'Sáber. 

 

     Quem eram os gorilas nos tempos da ditadura civil-militar - Jornal Opção

 

Estado de 'paranoia de guerra'

O psicanalista diz que o bolsonarismo teve adesão nas mais variadas camadas sociais da sociedade brasileira porque ativou um estado de "paranoia de guerra" no qual se inculca a ideia de que valores como a família e a religião estão sob ameaça e há a necessidade de sua defesa a qualquer custo.

Segundo ele, isso pôde ser observado nos protestos em frente a comandos militares nas últimas semanas.

"Não é por acaso que há o pedido constante de 'exército, exército, exército'. Há uma ideia de guerra. Mas, além disso, há a fantasia de que o Exército é o agente civilizatório do caos brasileiro. O Exército é uma instituição que funciona assim historicamente no Brasil e às vezes se vê no direito de intervir", afirma.

"Por isso é perigoso. Se o Exército considera que há solo social para reproduzir essa fantasia, ele pode sim destruir a democracia."

Ab'Sáber compara esse espírito de guerra de um grupo que se vê o tempo todo sob risco à dinâmica de uma seita.

"O grupo identitário em estado de guerra vai se isolando. E essa também é a lógica da seita, em que todo o resto está contaminado e a pureza só está lá. É um sistema desejante-delirante. Talvez uma seita apenas introduza nesse sistema de autoproteção em grupo um valor teológico, um valor transcendental a algum Deus, mas que está sempre nomeado por um líder. Numa seita se segue o desejo do líder."

General gorila defende Golpe Militar e Ditadura contra aos trabalhadores  brasileiros – Voz Operária

 

Teorias da conspiração nos grupos

Além de golpe militar como uma espécie de redenção salvadora para o país, outros elementos do imaginário de grupos conservadores brasileiros foram reunidos em um documentário dirigido por Ab'Sáber ao lado de Gustavo Aranda e Rubens Rewald e lançado em 2018.

Intervenção: Amor Não Quer Dizer Grande Coisa compila vídeos de 2015 e 2016 — um momento ainda pré-bolsonarismo — nos quais aparecem discursos sobre a "ameaça comunista" no país e teorias da conspiração dos mais variados tipos.

"Eu, como psicanalista, quis fazer esse documentário porque as ideias que estão lá têm uma lógica que convida à conversão, à identificação. Se você passa a acreditar naquilo, você passa a funcionar daquele jeito. Tudo o que a gente vê hoje em dia já estava lá nas falas do documentário, mas sem Bolsonaro. Ninguém toca no nome do Bolsonaro. É uma realidade psíquica, uma formação psicológica."

Esse conjunto de ideias que se descolam da realidade, na visão de Ab'Sáber, também está relacionado à instabilidade atual no mundo, cuja complexidade é rejeitada por meio de uma fuga em direção ao arcaico.

"Veja, tudo isso responde também a uma crise contemporânea em que o mundo se torna extremamente complexo e que o entendimento presente nesses grupos não consegue dar conta. Existe uma instabilidade geral e mundial em que se oferecem a esses grupos respostas arcaicas como solução desses problemas."

O psicanalista também vê se desenhando um impasse em que crises de diferentes naturezas, incluindo a ambiental, precisarão ser encaradas para evitar uma catástrofe final.

"O futuro está sobre a crise do trabalho, da renda e a ideia de que uma nova rodada de expansão do capital e da riqueza pode ser também uma rodada final de dissolução do planeta. O horizonte de destrutividade apocalíptica coloca um impasse em que, das duas uma, ou a continuidade, a repetição das mesmas práticas leva à destruição ou são gerados espaços de mediação e pensamento globais para dar conta da crise", diz.

"Essa é a grande complexidade. Essa mediação e esse pensamento têm que ultrapassar a própria lógica da crise. Observar os direitos ambientais, de outros seres vivos e dos biomas é uma revolução na lógica em que a única razão é a produção de mercadoria e de valor. O capitalismo está chegando no seu teto. E esse teto pode ser a catástrofe universal ou o espaço da consciência transformadora."

O CORRESPONDENTE

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15
Nov22

Poema para afastar o ódio

Talis Andrade

 

 

Manifesto contra a letra-munição e a palavra-arma que fazem do dia-a-dia terreno de batalha para almas baldias

Para Sofia, naquele tempo, neta de dezesseis meses que já se comunicava por beijos e carinhos. Hoje com oito anos, cheios de carinhos e beijos que assim seja sempre.

 

por Fernando Rios

- - -

1.

que palavra é essa
que fere além da boca
que morde, estraçalha
e sem qualquer ciência
transforma em tralha
toda possível consciência

que palavra é essa
assim mal dita
que seria benfazeja
(se fosse bem dita)
como a mesma mão
que se muda de tapa e soco
para carinho suave emoção

que palavra é essa
que grita, atemoriza
aterroriza
e faz do diálogo
um monólogo narcisista
de uma gente amiga
uma estranha inimiga

que palavra é essa
que afasta
transforma uma praça diálogo da paz
em tormenta de batalha
monólogos de guerra
e deixa no corpo
as letras-estilhaços
explodidas de uma boca-granada

que palavra é essa
que uso no cotidiano
e que não sei
que avaria ela causa
porque ela não me deixa ver nada
além do meu próprio nariz

que palavra é essa
que uso sem saber
que é um dardo envenenado
uma bala azeda
que sai enviesada
penetra fundo pelo ouvido
sem passar pelo coração
vira a cabeça de quem ali
amigo irmão conhecido desconhecido
expõe entranhas falácias e medos
porque não queremos mostrar
aquilo que somos,
arremedos
do que gostaríamos de ser

que palavra é essa
que o tempo todo
uso como ameaça
para lutar contra a sorte azar
virtude fortuna
maquiavelicamente construída
e fazer de mim um falso forte

essa fala, contudo
mal criada
não muda nada
porque continuo assim
sempre frente a frente
sem escapar de mim

que palavra é essa
que quando me dou conta
bumeranguemente
me expõe ao vazio
entranhamente vazio
eu
um corpo em terreno baldio

 

2.

quero tirar a palavra guerra da minha fala
já que não posso ainda tirá-la da vida afora
quero tirar a palavra luta da minha fala
porque não posso ainda tirá-la da vida que em outros assola
quero tirar a palavra arma da minha fala
já que não posso ainda tirá-la da mão assassina
quero tirar a palavra metralhadora da minha fala
já que não posso ainda tirá-la da linha de frente
quero tirar a palavra exército da minha fala
já que não posso ainda e ainda excluí-la dos impérios nações
quero tirar a palavra soldado da minha fala
já que não posso ainda transformá-lo em ave solta
quero tirar a palavra fuzil da minha fala
já que não posso ainda tirá-la do olho cego dos raivosos
quero tirar a palavra granada da minha fala
já que não posso ainda enterrá-la na areia movediça
quero tirar a palavra revólver da minha fala
já que não posso ainda removê-la das mentes covardes e dedos insanos
quero tirar a palavra trincheira da minha fala
já que não posso ainda transformá-la em canteiro de bons sabores e odores

quero usar na minha fala
somente tudo o que seja calma e verdade
e sobretudo
que não destrua
nem a minha nem a sua
alma irmandade

quero usar na minha fala
isto sim e sempre
ao invés de intrépidos e dolorosos torpedos
suaves, simples e claros argumentos

 

3.

quero tirar algumas palavras da minha vida
já que não posso excluí-las do dicionário
porque não posso tirá-las da cabeça dos incautos

quero tirar a palavra bala irada da minha fala
e transformá-la num sempre doce alimento

porque a bala que se aninha e se aloja
provoca um sangrento ferimento
tanto no corpo animado
como no pensamento

falo em metáfora bala
como qualquer armamento
porque são letras soltas
que em dado momento
desconstroem uma cabeça
e com uma simples sentença
destroem qualquer sapiência

 

4.

há que cuidar das letras
e temperá-las com aromas
que as transformem em perfumes
ou saborosos sabores
daqueles comidos em família
sangue ou não do meu sangue
sem ser exangue

quero brincar com as letras
e com elas criar palavras
sensíveis, verdadeiras, possíveis
como paz, amor, carinho, solidariedade,
e usá-las à vontade
sem medo nem vergonha
e tentar que elas pouco a pouco
afastem calma e suavemente
o ódio, a raiva, a inveja, a maldade

vamos juntar letras areias e barros
e criar palavras tijolos e paredes
e construir novas moradas
para cabermos todos inteiros
nos nossos todos momentos
quando somos grandes ou pequenos
mas somos
e conscientemente
existimos

vamos juntas letras sementes
e criar hortas, canteiros, pomares, florestas
e criar alimentos
daqueles que se almoça e janta
para sonhar intensamente a noite
e comemorar um novo dia

vamos juntas letras notas musicais
e cantar em coro a alegria de sorrir

vamos juntar letras
e construir palavras
e então
poder olhar
depois da tempestade
um arco-íris
num horizonte porvir

o alfabeto é nosso
as letras estão aí
e as palavras…

só nos faltam ciência, coragem e consciência
para reconstruir talvez as mesmas palavras
para um novo nosso dicionário
que humanize pacificamente
por noites e manhãs
toda a nossa fala hoje amanhã dia após dia

08
Nov22

O sinistro do golpismo

Talis Andrade

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Por Juan Manuel Palomino Domínguez 

Sair às ruas, interditar rodovias e estradas, vestindo a camisa da seleção brasileira, portando a bandeira do país, se apropriando do hino nacional, para pedir para o exército que aponte seus fuzis para irmãos compatriotas que tem uma ideologia diferente, com o fim de amedrontá-los, até de atentar contra sua integridade física, é algo bem sinistro. 

Como cidadão, como humano, quem pede golpe de estado é um ser sinistro, macabro, funesto. Não tem outra forma de nomear essas pessoas que hoje estão na rua  prejudicando a economia do país de forma deliberada por não admitir um resultado eleitoral. A ignorância e a alienação, alimentadas de forma permanente pelas redes de comunicação do gabinete do ódio, tem solo fértil no mau caratismo de quem acredita estar certo em impedir o percurso da história democrática da nação por mera intolerância e mesquinidade, além da incompetência cognitiva para entender os limites que a cidadania tem dentro do campo de ação democrático.    

Não existe hoje na situação institucional e social brasileira nenhum fenômeno que possa servir de argumento para pedir a intervenção das forças armadas, a não ser que seja a intolerância política, religiosa, classista, racista e patriarcal. É uma combinação lúgubre dos piores sentimentos cidadãos.   O ódio pelo ódio mesmo. 

As agressões já não tem somente como alvo militantes petistas, comunistas, professores, cientistas, ativistas sociais.  Hoje se agride jornalistas da Globo, da Record, do SBT, da Jovem Pan. A situação está chegando a limites onde o bolsonarismo está a um degrau de se tornar uma forma de terrorismo de extrema-direita (se não é que já se tornou isso há tempo). A  imprensa toda tornou-se um empecilho entre a realidade paralela, a idolatria obcecada, o delírio místico e violento. 

A agressão tornou-se uma prática legitimada pela própria insanidade e perversão da massa golpista. Passou-se da agressão verbal, praticada pelo presidente Bolsonaro contra jornalistas sobre tudo, que questionassem qualquer ação do governo, a agressão física praticada pelos grupos golpistas contra todo aquele que não se submeta aos pedidos e reclamações lunáticas que os mantêm na rua.

Foram agredidos trabalhadores, estudantes menores de idade, famílias dentro de carros, pessoas que precisavam chegar a algum lugar com urgência por questões de saúde, caminhoneiros, motoristas de ônibus e transeuntes.

Percebe-se uma ostensiva despreocupação por parte dos bolsonaristas em partir para  agressão física ante qualquer obstrução aos seus pedidos.  O preocupante é ver como essa gente consegue ter proximidades assustadoras com as forças policiais e do exército. O golpismo é um caldo assassino conformado por diversos setores sociais decididos a exterminar toda oposição, toda diversidade e pluralismo.  A imprensa toda hoje mostra sua preocupação. É preocupante. Não vale de nada agora sinalizar a responsabilidade óbvia da mídia tradicional brasileira que alimentou a barbárie desde os atos apropriados pela direita no ano 2013. Que foi cúmplice do golpe constitucional de 2016 contra a presidenta Dilma Rousseff.

As feras estão descontroladas. Acreditam que se foi possível dar o golpe uma vez, podem dar um golpe as vezes que quiserem. Só que dessa vez o pedido é mais radical. O pedido hoje é pela militarização da sociedade, o que barraria de vez com todos os privilégios dos setores civis que foram comparsas durante o destituição ilegal da Dilma. A militarização da sociedade é algo que iria prejudicar setores de poder que estão ferreamente interligados: setores da alta burguesia junto a setores da alta cúpula do judiciário.  Esses setores são hoje o muro de contenção entre o golpe de estado e a democracia no Brasil. Como diria Cazuza no plural, “estamos sobrevivendo pela caridade de que nos detesta”. A democracia nesse país, poderia se dizer, sobrevive hoje em parte, graças à resistência de setores de poder que detestam, em essência, a democracia.

O que fica no ar é esse ambiente de medo, de pasmo, ante essa loucura violenta que parece ter tido seu pico de evolução durante o feriado do dia 2 de novembro. A transição já  foi iniciada por Geraldo Alckmin. E Bolsonaro não tem poder nem competência para dar um golpe. Essa direita, tão perigosa, que se agigantou tanto, sabemos, está conformada por um bando de ratos cobiçosos e medrosos. As armas são o instrumento do medo para destruir a liberdade e o amor.

Por sorte, não existem no Brasil hoje armas suficientes para demolir o ato de amor à democracia encarnado por uma grande proporção do povo brasileiro durante as eleições do dia 30 de outubro de 2022.

25
Out22

Manifestantes se reúnem em Paris em defesa da democracia brasileira

Talis Andrade
Centenas de manifestantes se reuniram neste sábado (22) em Paris em defesa da democracia no Brasil.
Centenas de manifestantes se reuniram neste sábado (22) em Paris em defesa da democracia no Brasil. © RFI

 

Apreensivos com os resultados do primeiro turno das eleições no Brasil e de olho na votação do próximo dia 30, manifestantes se reuniram neste sábado (22) na Place de la Nation, a leste de Paris, em defesa da democracia.

 

Por Andréia Gomes Durão /RFI

Ídolo dentro e fora dos gramados, o eterno craque Raí subiu ao palanque compartilhando com o público seu entusiasmo pelo exercício cívico de ir às urnas no segundo turno, convidando os eleitores a votarem “contra as desigualdades sociais, à agressão ao meio ambiente, contra o desrespeito ao direito das minorias e contra o ódio, mas principalmente a votarem a favor do amor”.

Sob gritos de “Fora Neymar”, que declarou publicamente seu apoio a Jair Bolsonaro, Raí afirmou que “o Brasil se encontra em um momento terrível, depois de tudo que se passou nos ‘últimos quatro anos’”, se recusando a pronunciar o nome do atual presidente brasileiro.

 

O ex-jogador Raí convida os eleitores brasileiros a votarem contra o agravamento das injustiças sociais.
O ex-jogador Raí convida os eleitores brasileiros a votarem contra o agravamento das injustiças sociais. © RFI

 

Representantes e líderes de entidades francesas e brasileiras comprometidas com a defesa da democracia se revezavam no palco. A presidente do grupo Amitié France-Brésil no Senado, Laurence Cohen, destacou a importância de mostrar que, “na França, há uma solidariedade em relação ao Brasil, em relação à democracia”.

“Já dei meu apoio a Lula quando ele estava na prisão, assim como me solidarizei a Dilma Rousseff, quando ela foi ameaçada de impeachment e, infelizmente, conseguiram tirá-la do poder. [...] É preciso mostrar que os democratas franceses estão mobilizados pelo mundo inteiro, e não apenas pelo Brasil, onde a democracia está ameaçada por um governo que tem ódio da população negra e dos povos autóctones, que é contra o direito das mulheres”, enfatiza a senadora em declaração à RFI.

 

“Sociedade francesa atenta”

 

Glauber Sezerino, co-presidente da associação Autres Brésils, uma das entidades organizadoras da manifestação, faz coro ao discurso de Laurence Cohen, uma vez que o ato evidencia que “a sociedade francesa está atenta ao que está em jogo hoje no Brasil, que é a continuidade de um projeto mortífero”.

“Vimos um aumento considerável de assassinatos no Brasil, um aumento da pobreza, da fome. E nós conseguimos reunir uma série de organizações francesas, que desenvolvem trabalhos na França, mas com um olhar em relação ao Brasil, para mostrar que o Brasil não aguenta mais quatro anos de governo Bolsonaro. Estamos mostrando que vamos continuar mobilizados, solidários a todos os movimentos no Brasil”, sublinha Sezerino.

 

Glauber Sezerino, co-presidente da asssociação Autres Brésils, uma das entidades organizadoras da manifestação.
Glauber Sezerino, co-presidente da asssociação Autres Brésils, uma das entidades organizadoras da manifestação. © RFI
A antropóloga e ativista Kowawa Apurinã.
A antropóloga e ativista Kowawa Apurinã. © RFI

 

Em seu discurso, a ativista indígena e antropóloga Kowawa Apurinã falou da importância da luta de todos os povos “com esse sentimento de mudar o mundo”. “A democracia é uma utopia que nós estamos sempre correndo atrás dela, e no Brasil ela está se tornando algo quase inalcançável. A resistência se faz em ocupar todos os lugares de luta, não só pelo poder, mas uma luta de vida no Brasil. Nós estamos lidando com o mal, estamos lidando com coisas malignas. O Brasil está na escuridão. Nas eleições, esperamos que o fascismo seja finalmente derrotado. [...] Se Bolsonaro não cair, iremos fazer uma revolução.”

A condição dos povos originários também estava entre as principais motivações para a artista plástica Cláudia Camposs participar da manifestação, uma vez que as populações indígenas tangenciam de diversas formas seu trabalho. “Estou muito emocionada com esse movimento todo a favor da democracia aqui em Paris. E eu sempre fui muito motivada às alianças com os representantes indígenas dentro da minha arte. É inadmissível manter Bolsonaro no poder, porque os direitos [desses povos] não estão sendo respeitados. Ele é um genocida e não dá a essas pessoas o direito de viver em seus territórios ancestrais. Isso já acontecia, é histórico, mas piorou muito. A democracia tem que ser defendida, [...] não podemos privilegiar apenas os interesses do homem branco”.

 

A artista plástica Claudia Camposs vê na ameaça à democracia uma ameaça também aos povos originários.
A artista plástica Claudia Camposs vê na ameaça à democracia uma ameaça também aos povos originários. © RFI

 

Meio ambiente

 

Não somente os povos originários, mas uma pauta tão inerente quanto, o meio ambiente, é o que leva o animador gráfico Meton Joffily a participar desta manifestação com uma obra em punho: uma releitura do mapa do Brasil. “Não é só o Brasil que está em jogo. Meu cartaz vem aqui manifestar esta preocupação com a Amazônia, com o tip point, o ponto de não retorno, que está muito próximo. E ainda há brasileiros achando que Bolsonaro é aceitável, depois de quatro anos as pessoas ainda votam nele. Ou elas são inocentes e estão sendo manipuladas pelas mentiras e fake news ou são meio mal caráter e concordam com essa agenda que é realmente autoritária. Todo mundo sabe que um segundo mandato vai fechar o caixão do Brasil.”

 

O animador gráfico Meton Joffily e seu alerta sobre o desmatamento da Amazônia.
O animador gráfico Meton Joffily e seu alerta sobre o desmatamento da Amazônia. © RFI

 

O também artista plástico Julio Villani expressou sua preocupação em “recuperar tudo que o Brasil perdeu”. “Sobretudo essa destruição da palavra que a extrema direita tem feito no mundo e especialmente no Brasil é a coisa que mais me tira o sono. Porque quando a palavra perde o sentido, a educação perde o sentido, a cultura, tudo é destruído. E é o retrato do Brasil atual. Eu tento ao máximo ser otimista. Eu tento me agarrar a esse otimismo, porque a gente ainda vai ter que lutar muito.”

Para o performer, coreógrafo e escritor Wagner Schwartz, esse encontro de pessoas e ideias representa um exercício democrático. “O mais importante de estar aqui é de encontrar as pessoas que são constituintes, que compõem esse grupo que forma a democracia no Brasil. É importante que a gente se encontre nesse momento porque a democracia realmente está em crise. E quando a gente se vê, a gente se sente menos desamparado”, acredita.

 

Wagner Schwartz e Julio Villani.
Wagner Schwartz e Julio Villani. © RFI
O escritor Julian Boal.
O escritor Julian Boal. © RFI

 

Já o escritor e crítico de teatro Julian Boal destaca que este “é um momento muito complicado, em que está havendo muitas mobilizações”. “A questão é saber como fazer para que essas mobilizações permaneçam depois das eleições. Porque o bolsonarismo não é só um fenômeno eleitoral. É também a presença nos palácios dos governadores, nas câmaras, nas assembleias legislativas. E a gente vê também a presença de Bolsonaro nas igrejas evangélicas, nas milícias, e nos corações e mentes de milhões de brasileiros. Então a questão é como a gente continua se mobilizando depois das eleições para tentar lutar contra isso. Porque o fascismo não é um fenômeno que começa e acaba nas urnas. Infelizmente”, diz Boal à RFI.

 

Democracia e autocrítica

 

Para o artista plástico Ivar Rocha, encontros como esse, em defesa da democracia, são também uma oportunidade de autocrítica. “É importante olhar para este momento como uma crítica para a esquerda, para nós todos, para entender a fragilidade do momento e entender que todos nós temos que dar um passo à frente. Porque meu medo, além do Bolsonaro, é constatar que a nossa geração talvez esteja longe de fato querer lutar pela emancipação do homem, e sim querer humanizar um capital, e isso seria uma tragédia muito maior do que qualquer Bolsonaro. Um momento como esse serve para a gente refletir e entender qual é nosso limite, quais são as nossas fronteiras na luta, na entrega, na organização.”

 

Para o artista plástico Ivar Rocha, o momento político no Brasil exige reflexão e autocrítica.
Para o artista plástico Ivar Rocha, o momento político no Brasil exige reflexão e autocrítica. © RFI
O psicólogo Jean-Pierre Guis.
O psicólogo Jean-Pierre Guis. © RFI

 

O psicólogo e fotógrafo Jean-Pierre Guis destaca que, independentemente no resultado nas urnas no próximo domingo, o Brasil seguirá fortemente dividido, o que torna a defesa da democracia ainda mais relevante para assegurar o diálogo e o equilíbrio entre lados tão opostos, que ele traduz como o contraste entre o paraíso – os avanços durante o governo Lula, a cultura brasileira, o calor humano de seu povo – e o inferno, representado pela gestão de Bolsonaro, pela manipulação dos evangélicos e pela agravamento das desigualdades sociais. “Sem um Brasil democrático, o planeta Terra terá se tornado um erro”, ele sintetiza.

 

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