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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

31
Mar23

Catástrofe histórica

Talis Andrade
 

 

 (crédito: Caio Gomez)
(crédito: Caio Gomez)

por Cristovam Buarque /Correio Braziliense

No início de 1964, as forças políticas conservadoras estavam descontentes com o presidente João Goulart por propor reformas sociais que o Brasil, havia séculos, se negava a fazer. Os norte-americanos não estavam satisfeitos porque temiam o Brasil assumir posição de não alinhado na guerra fria entre Estados Unidos e União Soviética. E o povo brasileiro estava descontente com a instabilidade social, a indisciplina e a polarização política, a inflação, a recessão, o desemprego, sucessivas greves, mobilizações, confrontos nas ruas, impasses e falta de rumo no parlamento. Havia um quadro propício à vitória de candidatos da oposição nas eleições de 1966, mas as Forças Armadas, com sua desconfiança permanente em relação aos civis e sua vocação para intervir na política, destituiu o presidente, interrompeu a democracia, prendeu líderes de esquerda e cassou direitos dos democratas de direita, suspendeu o funcionamento autônomo das instituições e aboliu liberdade acadêmica e de imprensa durante 21 anos.

Quase 60 anos depois, é possível dizer que o golpe de 1964 foi o maior de diversos erros históricos e oportunidades perdidas pelo Brasil no século 20. Se tivéssemos esperado as eleições de 1966 e as seguintes impedidas, teríamos enfrentado a crise conjuntural e encontrado rumos para superar nossos problemas estruturais.

A ideia de que o golpe militar evitou a implantação de um sistema comunista não resiste à análise séria. O partido comunista brasileiro era minúsculo e sempre foi conservador, no máximo defendia reforma agrária, tanto quanto qualquer democrata minimamente progressista da época. A União Soviética não queria outra Cuba na América Latina nem um Vietnam ou Coreia a 15 mil quilômetros de distância. Qualquer pessoa lúcida e bem-informada sabe que não havia ameaça de o comunismo ser implantado, tanto que, desde Cuba, nenhum país latino implantou esse sistema nem mesmo socialismo. A avaliação do golpe de 64 deve analisar o que os governos militares fizeram e suas consequências para o Brasil atual.

Uma potente infraestrutura foi construída ao custo de endividamento e inflação; houve crescimento econômico sem inovação nem competitividade, nossa economia não deu o salto que países democráticos conseguiram; foram criadas universidades e institutos de pesquisas sem liberdade e com professores presos, exilados ou silenciados. A pobreza se manteve, a tragédia social se agravou e a concentração de renda aumentou. O debate político sobre o futuro do país foi tolhido com Parlamento e Justiça tutelados e a população sem participação. Os partidos políticos foram desfeitos, a democracia suspensa, a moeda aviltada, a educação de base continuou abandonada. Foi montado um moderno sistema de comunicações, sob permanente censura.

Desde 1964, os militares se recusam a ver a história real da ditadura praticada em nome deles, mantêm desprezo ao poder civil, não percebem o divórcio criado entre FFAA e população. O regime militar não enfrentou nenhum dos problemas estruturais do Brasil, nem formulou estratégia para o país ingressar na civilização do conhecimento e da sustentabilidade ecológica que a década de 1960 já anunciava, não formou um "instinto nacional" desejoso e esperançoso por um Brasil eficiente, justo, culto, sustentável e democrático.

É possível imaginar que o Brasil teria hoje mais coesão política e rumo histórico se os militares tivessem permanecido nos quartéis, deixassem os civis e a democracia administrarem as crises. Se não tivessem imposto silêncio político por 21 anos sob a violência da censura, do medo, da tortura, da prisão, do exílio, do assassinato e do desaparecimento para impor um desenvolvimento arcaico, injusto e insustentável. Se não impedissem seis eleições presidenciais diretas, que teriam amadurecido e conduzido o país, naquele período, sem os retrocessos políticos, sociais, civilizatórios e humanistas que o autoritarismo provocou.

O regime militar, entre 1964 e 1985, foi um passo em falso da história brasileira, que nos permite a lição de "golpe nunca mais". O período posterior, até 2023, nos alerta para lacunas nos avanços da democracia dominada por interesses corporativos, polarizada em grupos sectários cegos por ideologias superadas, com políticas e políticos imediatistas que não aglutinam, não definem rumo e não estão enfrentando os desafios estruturais que o Brasil ainda atravessa.

31
Mar23

Polícia do Paraná faz operação contra marqueteiro da campanha de Moro ao Senado

Talis Andrade

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A investigação envolve um grande esquema de corrupção com agências de propaganda

 

247 - O Ministério Público do Paraná deflagrou nesta sexta-feira (31) uma operação contra possíveis crimes de corrupção, fraude em licitações e falsidade ideológica eleitoral supostamente praticados por candidaturas em campanhas eleitorais de 2014, 2016 e 2018.

Segundo site Paraná Portal, entre os alvos da operação está Marcelo Catani, que já foi secretário estadual e da prefeitura de Curitiba e que na última eleição fez a campanha do ex-juiz suspeito Sergio Moro ao Senado.

Segundo o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), foram cumpridos 16 mandados de busca e apreensão, sendo 15 em Curitiba e um em Campo Magro, na Região Metropolitana da capital, em endereços de residências e empresas relacionadas aos investigados.

 

Notícias outras na vara de Moro

 

bonat propaganda pessoal misturada com propaganda

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Deputada do MT está na mira por golpismo.

Por querer a dita dura

 
 

Deputada de SC exibe pau de fogo para metralhar

Lula 

31
Mar23

Razões para uma reforma militar

Talis Andrade

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por Manuel Domingos Neto 

Ainda menino, ouvi falar em reforma agrária. Na juventude, debati reforma universitária. Leio sobre reforma política, reforma do Estado, reforma do Judiciário, reforma tributária, mas desconheço propostas de reforma militar. 

Nas últimas décadas, a Política, a Estratégia e o Livro Branco de Defesa foram revisadas sem alterações de relevo nas Forças Armadas. 

Quando D. Pedro I foi embora, o Exército foi reorganizado, a Guarda Nacional foi criada. As mudanças foram tão significativas que Adriana Barreto afirma que o Exército nasceu em 1831. Ao longo do XIX, registraram-se alterações no ensino militar. Depois do banho de sangue no Paraguai, circularam propostas reformistas. No início da República, Benjamim Constant, quis transformar oficiais em pregadores da religião da humanidade. 

A última grande reforma militar começou antes da Primeira Guerra Mundial, quando o barão do Rio Branco e o marechal Hermes enviaram oficiais do Exército para estagiar na Alemanha. Voltaram deslumbrados, reclamando-se “apóstolos do patriotismo e do civismo”. 

As mudanças se aceleraram a partir de 1919, sob orientação francesa. O Exército foi transfigurado. A aviação militar impactou. Os orientandos dos franceses chegaram ao topo da hierarquia em 1928. Desconheço a cronologia da modernização da Marinha. O fato é que, depois de gastar muito, o Brasil não se preparara para enfrentar Hitler. 

Alguns creem que, depois da Segunda Guerra, com a influência estadunidense, a novidade foi a adoção da doutrina de segurança nacional, que priorizou o “inimigo interno”. Mas desde a Independência, esse “inimigo” esteve na mira. A Constituição de D. Pedro I reconhecia sua existência e Caxias firmou nome silenciando brasileiros “facinorosos”. 

Hoje, as mudanças no jeito de guerrear, a dinâmica social e o cuidado com a democracia impõem uma reforma militar. Neste mundo conturbado, o Brasil precisa ter como se defender. 

A reforma militar é necessária porque há generais e soldados em demasia e mal distribuídos no território. A concentração de tropas no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul é perdulária e sem sentido. Brasília está repleta de generais. 

A reforma é premente porque a supremacia da Força Terrestre não bate com uma Defesa Nacional que dissuada estrangeiro hostil. Proteção de imenso território, vasto mar e espaço cibernético não é para rambos. 

A reforma é indispensável porque academias militares concedem diplomas a quem não merece. O povo custeia a formação de quem não lhe respeita. 

A reforma precisa ocorrer para que crianças não sejam submetidas à formação militar. Estamos no Brasil do século XXI, não na Macedônia ou na Esparta de priscas eras. Em que contribui para a defesa do Brasil, crianças aprenderem posturas e valores do castro? 

A reforma é necessária para que as fileiras não continuem defendendo o legado colonial em pleno século XXI. A Constituição determina: “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações”. Por que não há mulheres no topo da hierarquia? 

A reforma tem que ocorrer para que a esposa do oficial possa ter profissão estável e inserção social. A intensa rotatividade nos postos radicaliza a dicotomia civil-militar. 

A reforma é imperiosa para ensejar a ascensão hierárquica dos negros. Com negros em comandos, queria ver Bolsonaro e Mourão desqualificarem afrodescendentes! Com indígenas nas cúpulas, o estrago na Amazônia poderia ser melhor contido. Nenhum bajulador de quartel reclamaria do cheiro dos índios. 

A reforma é indispensável para acabar com a endogenia. A honrosa condição de guerreiro deve ser estendida a todos e todas, sem primazia para a descendência de oficiais. Jovens pobres precisam ter direito de chegar ao topo. 

A reforma é fundamental para suprimir a obrigatoriedade do serviço militar e dar vez a formação de reservas adequadas. 

A reforma é necessária para que o quartel respeite a esquerda. O pluralismo político fundamenta a República. Diz a Carta: “ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política”. O militar pisa na Carta e empobrece a troca de ideias quando repele a esquerda. Como é possível alijar peremptoriamente boa parte da sociedade por prevenção descabida? A reforma é indispensável para que a coesão dos brasileiros seja a viga mestra da Defesa Nacional. 

A Carta determina “a dignidade da pessoa humana”. Não há homossexuais assumidos nas Forças Armadas, onde manifestações homofóbicas são comezinhas. A reforma deve permitir que homossexuais saiam do armário sem medo. 

Quando o militar denuncia a “crise moral” e o “esgarçamento do tecido social”, defende de soslaio valores retrógrados. A Carta não faz do militar guardião da moralidade. A reforma deve eliminar o medo das mudanças comportamentais. 

A reforma é necessária para incluir as corporações nos esforços de desenvolvimento socioeconômico. A experiência universal indica ser impossível o desenvolvimento à revelia de soldados e policiais. A reforma ajudará a industrialização. As corporações têm que parar de dar lucro aos complexos industriais de potências que não querem o bem dos brasileiros. Os escritórios das Forças Armadas nos Estados Unidos e na Europa precisam ser fechados. 

Há mais razões. Mas encerro dizendo que a reforma permitirá, quem sabe, a superação do distúrbio de personalidade funcional que o Estado impinge ao militar. Este servidor público poderá, talvez, mirar no estrangeiro cobiçoso e livrar-se de tarefas que não deveriam lhe caber. Poderá perceber, enfim, que o Brasil não é uma dádiva do quartel. 

(Trecho de um livro que estou finalizando, “As fileiras que merecemos”, no qual reúno apontamentos para uma reforma militar no Brasil).
 
 

 

31
Mar23

‘Objetivo não é absolver as empresas, mas de sepultar a herança maldita da Lava Jato’, diz Rafael Valim sobre ADPF

Talis Andrade

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PSOL, PCdoB e Solidariedade entraram com ADPF no STF para suspender acordos de leniência assinados por empresas acusadas de corrupção na Lava Jato

 

247 — Três partidos políticos, PSOL, PCdoB e Solidariedade, entraram com uma arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) no Supremo Tribunal Federal (STF) para suspender os acordos de leniência assinados pelas empresas acusadas de corrupção na Operação Lava Jato. Os acordos totalizam cerca de 8 bilhões de reais, dos quais apenas 1 bilhão foi pago até agora.

A ADPF também pede a redistribuição do caso ao ministro Gilmar Mendes, relator de outras ações que questionam os termos dos acordos entre o Ministério Público Federal e as empresas, e uma revisão das normas que regem esse tipo de acordo. 

A ação gerou uma forte reação de grupos favoráveis à Operação Lava Jato, que acusam os partidos de tentar livrar as empresas acusadas da punição merecida. A Operação Lava Jato não resultou apenas no colapso de uma ou duas organizações, mas afetou setores inteiros, incluindo o naval e a construção pesada, que abrigava algumas das empresas de construção mais competitivas do mundo.
 

“Diversos órgãos de persecução penal promoveram, comprovadamente, a instalação de um Estado de Coisas Inconstitucional… com o efeito cascata de quebra generalizada de companhias estratégicas para a economia brasileira”, segundo a ADPF.

Os autores da ADPF, assinada por três escritórios, Warde Advogados, Maimoni Associados e Oliveira, Moraes & Silva, listaram diversas denúncias de parcialidade, atropelos ao Estado de Direito, uso político e eleitoral e interesses financeiros que marcaram as decisões da força-tarefa de Curitiba e do juiz de primeira instância. A ação visa submeter a atuação dos órgãos de controle do Estado ao escrutínio do STF, permitindo a revisão dos acordos para que fiquem em conformidade com a Constituição e as leis brasileiras.

“Conforme reconheceu em diversas ocasiões o Supremo Tribunal Federal, a Operação Lava Jato, a título de ‘combater a corrupção’, promoveu uma sistemática violação da ordem jurídica brasileira”, afirma Rafael Valim, sócio do Warde Advogados, em entrevista à Carta Capital. “Não se trata, em absoluto, de ‘livrar a cara’ das empresas. Quem diz isso não leu uma linha da ação judicial e dá mostras de um profundo desprezo pela Constituição Federal. Trata-se de sepultar a herança maldita da Lava Jato”.

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31
Mar23

Copom atua como partido político clandestino

Talis Andrade

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247 - O economista André Roncaglia, professor de Economia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), criticou a atuação do Banco Central diante da manutenção da taxa básica de juros em 13,75%. 

Para Roncaglia, sob a presidência de Roberto Campos Neto, o BC age politicamente contra o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "Ao se pronunciar sobre (e atuar contra) propostas do governo, o Copom atua como um partido político clandestino. A autonomia operacional tem limites. O Copom precisa respeitá-los", afirmou o professor da Unifesp em artigo na Folha de S. Paulo

"Protegidos pelo estatuto da autonomia operacional, os integrantes do Conselho de Política Monetária (Copom) vêm abusando do seu poder, insinuando que podem derrubar o avião com base em medo infundado de os motores ficarem superaquecidos", acrescenta o economista.

Para André Roncaglia, manter o arrocho monetário até o fim de 2024 certamente produzirá uma recessão. "A grande falácia da ata é atribuir a inflação a um excesso de demanda agregada. O fato de o setor de serviços ter preços elevados não implica aquecimento excessivo", afirmou. 

 
31
Mar23

Manifestação por golpe militar é crime, mesmo desarmada

Talis Andrade

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Por Fernando Augusto Fernandes

 

A democracia fez o novo presidente da República eleito, Lula, por mais de 60 milhões de votos, derrotando Bolsonaro, que obteve pouco mais de 58 milhões de votos. Mas, terminada a eleição, se viu grupos nas ruas pedindo golpe militar.

Tratei, no artigo "Homicídio terrorista: assassinato por ódio de um integrante do PT", da necessidade de aperfeiçoamento da legislação de defesa do Estado democrático de Direito, para inclusão das motivações políticas. Continuo a defender a necessidade de modificação da lei.

Bolsonaro, no seu discurso irônico e perdedor, mantém esse movimento golpista ao assim se manifestar: "Os atuais movimentos populares são fruto de indignação e sentimento de injustiça de como se deu o processo eleitoral. As manifestações pacíficas sempre serão bem-vindas, mas os nossos métodos não podem ser os da esquerda, que sempre prejudicaram a população, como invasão de propriedades, destruição de patrimônio e cerceamento do direito de ir e vir…."

A Lei nº 14.197/21, inclusive aprovada por Bolsonaro, traz definição de crimes contra "o Estado democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais, com emprego de violência ou grave ameaça" — é o que cita o Artigo 359-L, com pena de reclusão de quatro a oito anos, além da pena correspondente à violência. E o Artigo 359-M — tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído — prevê pena de reclusão, de quatro a 12 anos, além da pena correspondente à violência [1].

Atos que não usam a violência, mas ameaçam a democracia com pedidos de uso de violência pelas Forças Armadas, também são crime.

Há previsão legal do crime de "incitação ao crime" do D.L. nº 2.848, e o parágrafo único dos Artigos 286 e 287, que prevê a criação de "animosidade entre as Forças Armadas contra os poderes constitucionais, as instituições civis ou a sociedade", é bem claro e objetivo (2).

Essas "manifestações" se iniciaram bloqueando estradas em todo o país. As manifestações ofenderam o direito de ir de vir constitucionalmente, conforme o inciso XV do Artigo 5 — é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens [3].

Elas se desdobraram, após omissão e participação de agentes do Estado, em frente a quartéis do Exército. Apesar da garantia constitucional de livre reunião do Artigo 5 no termo XVI [4]. Também podemos incluir as práticas do Decreto Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940, os Artigos 319 e 320. [5].

De toda forma, o Judiciário precisa ser instado a proibir tais manifestações, que desvirtuam a ordem constitucional. Evidente que elas não estão isentas de proibição, conforme cita o Artigo 5 nos termos constitucionais, XVIII, XIX e XXXV [6].

Para advogados que eventualmente postam, participam ou incentivam, tais atos devem ser punidos. É dever, pelo artigo 2º do Código de Ética: "V – contribuir para o aprimoramento das instituições, do Direito e das leis". O artigo 34 veda advogar contra literal disposição de lei (VI - advogar contra literal disposição de lei, presumindo-se a boa-fé quando fundamentado na inconstitucionalidade, na injustiça da lei ou em pronunciamento judicial anterior) [7].

Aqueles advogados que se referem à decisão do STF no caso Lula — que anulou seus processos — com deselegância e desrespeito, postando, falando em público descumprem o dever de zelar pela justiça (XIII - fazer publicar na imprensa, desnecessária e habitualmente, alegações forenses ou relativas a causas pendentes). Acima de tudo, advogado que incentiva, participa ou divulga atos antidemocráticos mantém atividade incompatível com a advocacia (XXV - manter conduta incompatível com a advocacia).

O incentivo de golpe militar é crime, mesmo sendo desarmado! A tentativa é crime contra o estado democrático. A omissão de atitudes ou a participação prevaricação. Aos advogados, infração ética.

Todos que desrespeitam a constituição devem ser punidos. Se agentes públicos, demitidos ou exonerados. Os demais, impedidos de participar de concurso público. Os advogados, suspensos por processo ético na OAB. Não é possível deixar de aplicar as punições com as leis vigentes

_____________________________________

[1] https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-n-14.197-de-1-de-setembro-de-2021-342334198

[2] https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm

Incitação ao crime

Art. 286 - Incitar, publicamente, a prática de crime: Pena - detenção, de três a seis meses, ou multa.

Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem incita, publicamente, animosidade entre as Forças Armadas, ou delas contra os poderes constitucionais, as instituições civis ou a sociedade. Incluído pela Lei nº 14.197, de 2021) (Vigência);

Apologia de crime ou criminoso

Art. 287 - Fazer, publicamente, apologia de fato criminoso ou de autor de crime: Pena - detenção, de três a seis meses, ou multa.

[3] https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm

XV - é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens;

[4] https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm

XVI - todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente;

[5] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm

Art. 319 - Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal: (Vide ADPF 881) Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.). Além indulgência criminosa em relação àquele superior hierárquico que não tomar providências quanto aos que praticarem crimes (Condescendência criminosa).

Art. 320 - Deixar o funcionário, por indulgência, de responsabilizar subordinado que cometeu infração no exercício do cargo ou, quando lhe falte competência, não levar o fato ao conhecimento da autoridade competente: Pena - detenção, de quinze dias a um mês, ou multa.)

[6] https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm

XVIII - a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento;

XIX - as associações só poderão ser compulsoriamente dissolvidas ou ter suas atividades suspensas por decisão judicial, exigindo-se, no primeiro caso, o trânsito em julgado;

XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;

[7] https://www.oab.org.br/content/pdf/legislacaooab/codigodeetica.pdf

31
Mar23

A falácia de sempre da luta contra a corrupção para justificar golpes de Estado

Talis Andrade

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Por Guilherme Marchioni /ConJur

 

31 de março marca a data do golpe em que se iniciou o período da ditadura civil-militar em 1964. Passados quase 60 anos da instauração do regime, ampliar a compreensão sobre o período é ainda absolutamente relevante. Em contraposição às pretensões de comemoração daquela data em uma espécie de desafio à democracia, desponta como necessário preservar a memória do período do regime antidemocrático e expor as suas entranhas autoritárias e ofensas aos direitos humanos — para que nunca mais aconteça.

Mais do que isso, vale resgatar as falácias da ditadura que turvam o conhecimento da realidade do período de repressão, limitação às liberdades e violência. Um olhar desatento à legislação da época poderia até mesmo afirmar que a "revolução", como se autodesignava o regime na intenção de camuflar a evidência do golpe, teve como fundamento assegurar o respeito à dignidade da pessoa humana.

Ora, dignidade humana está surpreendentemente inscrita como um dos valores elencados no Ato Institucional nº 5 de 1968 para justificar a edição do ato que inaugurou a época de maior agressividade do regime autoritário, com a suspensão da garantia de habeas corpus em casos políticos. Ao passo que declarava a intenção de assegurar a liberdade e a dignidade da pessoa humana, na prática desumanizava por sequestros, torturas e assassinatos. Bem por isso, a justiça de transição, as comissões da verdade, e a pauta do direito à memória são tão importantes.

Outro elemento que constava no Ato Institucional nº 5 era o atendimento à reconstrução econômica e financeira pela "luta contra a corrupção", ditando a falsa percepção de que o governo militar era a salvação para um Estado afligido pela corrupção.

É necessário observar, como premissa, que a tomada do poder por regimes autoritários é historicamente precedida de discursos anticorrupção. O emprego do discurso de combate à corrupção como argumento falacioso contra um inimigo interno é útil à instauração de Estados de exceção que declaram suspensão provisória da ordem jurídica, mas que na realidade se prolongamento no tempo. Foi com fulcro nesta espécie expediente que se construiu o rompimento com o Estado de Direito em 1964, culminando na ditadura que se instalou por 21 anos no país [1].

O historiador Carlos Fico [2] aponta que alardear uma "crise moral" foi um dos motes utilizados pelos golpistas de 64 para justificar a derrubada da democracia. Juntamente com o combate à "subversão" e ao comunismo, "acabar com a corrupção" era uma das bandeiras empregadas como pretexto para instalar a ditadura.

Vale ressaltar, com Juarez Tavares [3], que corrupção é um termo polissêmico e pode ser compreendida como uma referência a infração de normas sociais ou jurídicas, caracterizando-se tanto como violação de costumes quanto de proibições previamente definidas, e, portanto, um termo genérico que pode abranger diversos enfoques, a serviço de interesses persecutórios do poder.

Em uma aproximação à acepção jurídico-penal, o jurista Nelson Hungria, em seus Comentários ao Código Penal de 1958, definiu o tipo central da corrupção como a venalidade em torno da função pública, apenando-se na forma passiva quando se tem em vista a conduta do funcionário corrompido, e também na forma ativa ao se considerar a atuação do corruptor [4].

Assim, importa alcançar a questão essencial: era o regime de 64 mais resistente ao crime de corrupção na forma como insculpido no Código Penal?

A evidência é de que a resposta é negativa. Segundo Sérgio Habib em Brasil — 500 anos de corrupção, a partir de 1964 o Brasil ingressou em seu ciclo supremo de corrupção, "jamais tantos casos afloraram e de forma seguida como nos governos que sucederam ao golpe militar".

A censura e a repressão à oposição não evitam ou mitigam a ocorrência de corrupção, mas dificultam que os casos tornem-se conhecidos e sejam investigados, mesmo assim alguns eventos conseguiram romper essas barreiras, tal como as suspeitas de corrupção na construção ponte Rio-Niterói [5], suspeitas de desvio de dinheiro na nunca completamente concluída Transamazônica [6], ou os "escândalos financeiros verificados no país após a criação do Banco Central e reformulação do Sistema Financeiro Nacional (SFN), incluindo casos como Delfim, Halles, Banco de União Comercial" [7].

Emblemático para ilustrar a ilusão da luta contra a corrupção naquele período é o caso do diplomata José Jobim, que foi sequestrado, torturado e morto pela ditadura em 1979 pouco depois de revelar que denunciaria o superfaturamento na construção da usina hidrelétrica de Itaipu [8].

É sabido que os arquitetos do golpe de 1964 não foram isoladamente as forças armadas, o rompimento democrático se deu no contexto de uma articulação entre empresários, militares e apoio estrangeiro. Destas relações pode ser compreendida a gênese de alguns dos casos de corrupção durante a ditadura civil-militar, casos dos quais pouco foi elucidado, mas que naquilo que revelados se revelam significativos.

A intenção de enfrentar a corrupção que prejudica a administração pública, ao contrário do que se poderia esperar com base no discurso empregado pelos correligionários do regime autoritário, deixou de constituir um projeto essencial para dar lugar à perseguição política. A corrupção na ditadura não deixa de existir, o que arrefece é a sua percepção pela ausência de denúncias públicas e punição, ocasionadas pela ausência de uma imprensa livre e de órgãos de apuração independentes [9].

Vale ressaltar que no Estado democrático de Direito há, sim, o enfrentamento do delito de corrupção, sendo idealmente realizado a partir de apreciação dos fatos pelos órgãos e agentes do Estado com respeito a direitos fundamentais e a condição de pessoa de investigados e acusados. Fatalmente, a garantia de direitos é absolutamente compatível com a perseguição e punição de comportamentos ilícitos.

- - -

[1] FERNANDES, Fernando Augusto. Geopolítica da Intervenção. São Paulo: Geração editorial, 2020, p. 429.

[2] FICO, Carlos. Como eles agiam – os subterrâneos da ditadura militar. Rio de Janeiro: Record, 2001, p. 149.

[3] TAVARES, Juarez. Corrupção. In: MAGALHÃES, José Luiz Quadros de; et al. Dicionário de Direitos Humanos. Porto Alegre: Fi, 2023, p. 69.

[4] HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1958, p. 365.

[5] https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2014/12/10/voce-sabia-que-a-ponte-rio-niteroi-e-a-pm-sao-herancas-da-ditadura.htm

[6] https://g1.globo.com/globo-news/noticia/2014/02/projeto-polemico-transamazonica-faz-40-anos-sem-nunca-ter-sido-concluida.html

[7] CAMPOS, Pedro Henrique. Ditadura, interesses empresariais, fundo público e corrupção. In: Projeto História, vol. 66, 2019, p. 94.

[8] https://oglobo.globo.com/epoca/diplomata-foi-morto-pela-ditadura-antes-de-denunciar-corrupcao-no-regime-confirma-nova-certidao-23089585

[9] SERRANO, Pedro. A justiça na Sociedade do espetáculo. São Paulo: Alameda, 2015, p. 249.

31
Mar23

Advogado lança site que reúne áudios de sessões secretas do STM na ditadura

Talis Andrade

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Por Sérgio Rodas /ConJur

O advogado Fernando Augusto Fernandes lança, nesta sexta-feira (31/3), aniversário de 59 anos do golpe militar, o portal Voz Humana — os arquivos sonoros de presos políticos. O site disponibiliza mais de 10 mil horas de gravações de julgamentos secretos de presos políticos ocorridos entre 1975 e 1979 no Superior Tribunal Militar.

O objetivo é ajudar os brasileiros a ter um conhecimento mais aprofundado da história do país, disse Fernandes à ConJur. O portal busca facilitar o trabalho de pesquisadores, ao disponibilizar as gravações e arquivos das ações contra presos políticos. E tem um blog com reportagens sobre os processos no STM, voltado a jornalistas e o público em geral.

"É preciso olhar para o passado, para os erros cometidos no passado, para o presente recente e os riscos à democracia, como o ataque de 8 de janeiro, e para o futuro. Temos que pensar na necessidade de manutenção da democracia, de não ampliarmos a competência da Justiça Militar, restringindo-a a crimes exclusivamente entre militares e contra militares, e na modificação das estruturas do Judiciário e do Ministério Público, para que não tenhamos desvios de jurisdição, como ocorreram na "lava jato'", afirma o advogado.

As gravações de julgamentos do STM revelam que os ministros tinham conhecimento das torturas, que eram denunciadas pelos advogados, aponta Fernandes. Mas os magistrados faziam vista grossa para as sevícias, exceto o general Rodrigo Octávio, que tentava tomar providências, diz.

"A tortura sempre existiu no Brasil. Mas a ditadura militar de 1964 institucionalizou a tortura como método de investigação", destaca o advogado.

Na visão dele, a ditadura deixou um legado negativo que engloba execuções nas periferias das cidades, a "lava jato" e o bolsonarismo.

"A operação 'lava jato', com a questão do lawfare, não é nada menos do que a guerra híbrida decorrente da doutrina de segurança nacional, que inverteu a máxima de Clausewitz, tornando a política a guerra por outros meios. A perseguição ao inimigo interno, que deixou de ser mero opositor, é uma decorrência da doutrina. E a 'lava jato' é o desvio da judicialização, tornando o Judiciário parte da guerra política."

De acordo com Fernando Fernandes, o fato de o Brasil não ter julgado e punido militares da ditadura, como fizeram países como Argentina, Uruguai e Chile, contribui para a visão positiva que uma parcela dos brasileiros tem sobre o período. Afinal, muitos desconhecem as torturas e desaparecimentos de presos políticos.

Outra parcela da sociedade, no entanto, é abertamente favorável a um regime que persegue e mata opositores, avalia o advogado. "Quando o ex-presidente Jair Bolsonaro fez uma homenagem ao coronel Carlos Brilhante Ustra, um torturador, qual foi o seu objetivo a não ser o de manifestar uma deliberada opção de apoiar atos desumanos, a tortura e, nos tempos modernos, a eliminação de pessoas pelos assassinatos nas periferias das cidades?"

O portal Voz Humana — os arquivos sonoros de presos políticos será lançado nesta sexta-feira (31/3), às 18h, na sede da seccional do Rio de Janeiro da Ordem dos Advogados do Brasil.

Descoberta dos arquivos

Em 1997, Fernandes pesquisava a atuação de advogados em defesa de presos políticos durante a ditadura. Ao conversar com o advogado Lino Machado Filho, ele percebeu que havia fitas de gravações dos julgamentos no STM, que nunca tinham sido descobertas. Fernandes e Machado obtiveram autorização para acessar as fitas. Eles conseguiram copiar algumas sustentações orais de advogados como Sobral Pinto, Antônio Modesto da Silveira e do próprio Lino Machado Filho.

Porém, era evidente que o material iria ser colocado em sigilo, disse Fernandes à ConJur. Dito e feito: bastou a pesquisa chegar a uma sessão secreta em que se debatia caso envolvendo o guerrilheiro Carlos Lamarca para que proibissem o acesso ao arquivo.

Fernandes recorreu ao Supremo Tribunal Federal, e a 2ª Turma da corte, em 2006, liberou o acesso ao material por entender que a Constituição Federal só permite a restrição da publicidade dos atos processuais quando houver a necessidade de defesa da intimidade da pessoa ou no interesse da sociedade e do Estado, o que não seria o caso.

O problema, segundo o advogado, é que o STM só atendeu parcialmente a decisão, apenas disponibilizando áudios sobre sessões públicas. Com isso, ele apresentou reclamação ao Supremo. Em 2017, o Plenário do STF decidiu que o STM havia descumprido ordem da corte ao limitar o acesso às gravações. Dessa maneira, o foi obrigado a fornecer inclusive as falas de ministros e sustentações orais durante sessões secretas.

Com a decisão do STF, o ministro do STM José Coêlho Ferreira entregou a Fernandes um disco rígido externo contendo dez mil horas de gravações dos julgamentos.

Mesmo depois disso, Fernandes localizou diversos casos julgados pelo STM durante a ditadura, dos quais ele encontrou acórdãos e outros documentos, cujos áudios não foram a ele disponibilizados. Por isso, ele pediu ao STF, em janeiro, que o STM forneça acesso a todas as suas gravações de julgamentos desde a década de 1970.

30
Mar23

Fantasias masculinas: o reflexo abjeto de Nikole e Bolsonara

Talis Andrade
 
Quem é Nikolas Ferreira, o deputado que discursou de peruca na Câmara, e o  que é transfobia | Política | Valor Econômico
 
 

 

por Renato Duarte Caetano, Gabrielle dos Santos Marques e Ricardo Fabrino Mendonça /Cult

 

Eis aqui a mulher do bolsonarismo: ela veste terno, usa uma peruca gema de ovo de quinta categoria e brada histericamente a paranoica ladainha de seu deplorável kit básico da intolerância: “homens têm pipi, mulheres têm pepeca, pessoas trans têm uma agenda oculta que visa abusar das nossas inocentes criancinhas, e eu sou oprimida por falar o óbvio”. O nível de ressentimento, ódio e medo presente em seu discurso deixa evidente a vitimização que é tão marcante nos caminhos que levaram à ascensão da extrema direita no Brasil.

O paladino da moral e dos bons costumes não usa armadura reluzente nem anda de espada em punho. Ele ostenta sua ferida. Aberta, sangrando, em necrose. Mas só isso não basta.

Para realmente conquistar os corações patriotas, é preciso adicionar à performance o tempero paródico do palhaço estereotipado. Sem ele, a performance não fingiria ser inclusiva e democrática. É rindo da mulher que caricatura que Nikolas expõe a feminilidade que entende ser possível, restrita à projeção do próprio olhar misógino. Não há ali vias para o deslocamento e encontro com o feminino. A mulher de Nikolas é a projeção de si mesmo. Nikole é um espelho que revela muito do bolsonarismo, de suas inseguranças, seus temores, suas projeções e suas impotências.

A deputada Nikole aprendeu essa receita com sua grande mentora, a candidata Bolsonara. Para quem não se lembra, durante o debate presidencial transmitido pela Globo em 29 de setembro de 2022, a candidata à presidência Simone Tebet chamou, por equívoco, sua adversária Soraya Thronicke de “candidata Bolsonara”. O então presidente Bolsonaro logo fez chacota, não apenas rindo ao vivo durante o debate, mas também no dia seguinte, quando postou uma foto em seu Instagram com um filtro que transformava seu rosto no de uma mulher.

 
Bolsonaro posta montagem para ironizar Tebet: 'Candidata Bolsonara'
 
 

Aqui se via, em primeira mão, a mulher do bolsonarismo, expressa no grotesco e burlesco autorretrato gerado por um filtro de Instagram. Enquanto criticam o pressuposto de que mulheres trans reduzem a categoria mulher a um sentimento teoricamente fortuito e efêmero, o bolsonarismo reclama um retorno ao que há de mais duradouro e estereotipado na representação das mulheres: fantasias masculinas. Projeções que se fazem caricatas a partir do barato e do banal: a peruca de plástico e o filtro de Instagram.

Criando uma versão abjeta da própria paródia de gênero mobilizada por drag queens, o bolsonarismo dobra sua aposta na chacota para reforçar estereótipos de gênero. Nikolas Ferreira não questiona nenhuma relação de poder ao se colocar como deputada Nikole. Tampouco o faz Bolsonaro ao “assumir-se” como candidata Bolsonara. Muito pelo contrário, o movimento realizado por ambos é o de reforçar hierarquias sociais que historicamente condenam certas mulheres e certos homens à condição de dejetos da sociedade.

Esse é o poder do ridículo que emana da grotesca paródia da extrema direita: o de relativizar o poder político, a seriedade e as conquistas de movimentos sociais que lutam pela inclusão de seus corpos na conta sempre malfeita da democracia, para lembrar os termos de Jacques Rancière. A violência contra mulheres trans e cis é uma realidade perversa que se constitui como parte fundante do pacto social brasileiro.

Ao convocarem o povo a rir de suas imagens travestidas, o que desejam Nikolas e Bolsonaro é reafirmar e renovar a dimensão violenta e excludente desse pacto. Como um jogo de espelhos tortos e deformados, o bolsonarismo busca refletir um horizonte político no qual só é possível vislumbrar uma imagem porca e suja do povo brasileiro. Uma imagem que revela a si mesmo.

Apesar de tudo, a performance carnavalesca da deputada Nikole nos coloca de frente a uma clássica e justa questão: o que é uma mulher? Sua resposta, óbvio, não tem nada a acrescentar ao antigo debate; ela é mais velha do que o próprio conceito, restringe-se a mulher à mãe. E como se não bastasse, ela é a mãe em perigo, a que precisa ser resgatada dos “homens de dois metros” que querem roubar seus, pasmem, banheiros!

Fôssemos nós psicanalistas, veríamos aqui uma versão barata do ilustre presidente Schreber. O alto nível de perversidade imbuído no delírio paranoico é inversamente proporcional à baixeza estética de sua performance. Mas deixemos a psicanálise aos analistas. De um ponto de vista político, o que está em jogo na cena que se desenrolou no último Dia Internacional da Mulher é um problema social com amplas repercussões: a ideia de que os movimentos LGBTQIAP+, em especial as pessoas trans, querem ditar a maneira pela qual as pessoas devem viver suas vidas. Ideia que arrebata corações, aplausos e simpatias ao alimentar temores e ansiedades das pessoas diante de um mundo tido como incerto.

Quando tudo parece de ponta-cabeça, a estabilidade é buscada no retorno, mas como nos lembra Derrida, a violência do fantasma que retorna concentra-se em sua estética espectral. A fantasia masculina ressuscitada é mais grotesca e ridícula do que já foi antes, mas ela não deixa de partir do assombro e do horror.

Mas tranquilizemos a extrema direita. Não… a esquerda, o feminismo, as pessoas trans e outros fantasmas não querem invadir banheiros nem acabar com suas famílias. Não há porque imaginar que a existência dessas pessoas vá derreter a solidez da fantasia da família-padrão-margarina. Dessa forma, Nikole e Bolsonara podem despir-se de suas pseudofeminilidades indignas, que usam estética da afetação caricata para suavizar seus autoritarismos.

Até porque, o 8 de março de 2023 foi o primeiro em que duas mulheres trans, apesar de tudo e para o terror do referido deputado, puderam discursar em plenário sobre o significado da data. Muitas outras virão.

 

 

 

 

 


30
Mar23

R$ 16,5 milhões: joias para Bolsonaro valem mais do que itens apreendidos em seis anos em Guarulhos

Talis Andrade
 
 
 
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por Caique Lima

 

As joias da Arábia Saudita apreendidas com comitiva do governo Bolsonaro equivalem a todo o valor de joias e obras de arte interceptadas entre janeiro de 2017 e janeiro de 2023 pela no aeroporto de Guarulhos. Os itens estão avaliados em R$ 16,5 milhões, valor próximo ao total apreendido pela Receita Federal no local nos últimos seis anos: R$ 16,4 milhões. A informação é da CNN Brasil.

Entre os itens apreendidos pela Receita no aeroporto estão artigos de joalheria, obras de metais preciosos, quadros e pinturas que tentaram ingressar ilegalmente no Brasil. O conjunto trazido pela comitiva do governo continha um colar, um anel, um relógio e um par de brincos de diamantes, todos seriam um presente para a então primeira-dama Michelle Bolsonaro.

Entre 2017 e 2023, os aeroportos brasileiros apreenderam, no total, quase R$ 27 mihlões em joias e outros itens de valor não declarados por passageiros. 61% deles entraram no país pelo aeroporto de Guarulhos e outros 20% pelo Galeão, no Rio de Janeiro.

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