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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

31
Jan23

Djalma Marinho homenageado

Talis Andrade
 
 
 
PENSE! 'Politicando Na Cidade' Deste Sábado Homenageia Djalma Marinho ⋆  Pense! Numa Notícia
 
 
 

A Câmara dos Deputados homenageou o centenário do ex-deputado federal Djalma Marinho. A presidente da OAB/DF, Estefânia Viveiros, participou da sessão solene dedicada ao ex-parlamentar do Rio Grande do Norte.

“Acima de tudo, Djalma Marinho é um exemplo nacional pela sua luta por um Congresso independente, mesmo em tempos de regime militar”, disse Estefânia.

Durante a sessão, foi lançado um livro sobre a vida de Marinho: O Homem que Pintava Cavalos Azuis, de Diógenes da Cunha Lima.

 
Livro: O Homem Que Pintava Cavalos Azuis - Diógenes da Cunha Lima | Estante  Virtual
 
 
 

A solenidade foi solicitada pelo deputado Rogério Marinho (PSB/RN), neto do homenageado. Também participaram do evento os senadores do Rio Grande do Norte, Garibaldi Alves (PMDB), José Agripino Maia (DEM) e Rosalba Ciarlini (DEM).

Garibaldi celebra centenário de Djalma Marinho e defende independência do  Parlamento — Senado Notícias
 
 
 

Honra

Djalma Aranha Marinho nasceu em 30 de junho de 1908, em Nova Cruz (RN). Foi eleito deputado federal por sete mandatos, presidente por quatro vezes e vice-presidente por mais três vezes da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara – que acabou recebendo o nome do potiguar.

Marinho se notabilizou, principalmente, ao renunciar a presidência da comissão por não concordar com uma determinação do governo militar. Em dezembro de 1968, sob as normas do Ato Institucional nº.5 – que cerceou o direito de livre expressão –, o governo solicitou que o deputado e jornalista Márcio Moreira Alves fosse processado no Supremo Tribunal Federal. O então presidente da CCJ, Djalma Marinho, negou-se a cumprir a ordem, renunciou ao cargo e proferiu um discurso, considerado um dos mais importantes da história do Parlamento. Inspirado no dramaturgo espanhol Calderon de La Barca, marcou a Casa com a célebre frase: “Ao rei tudo, menos a honra”. Djalma Marinho faleceu em 25 de dezembro de 1981. [Publicado OAB Distrito Federal, 8 de Julho de 2008] 

 
Todos os livros
 
 
 
29
Jan23

Por que Carlos Bolsonaro não prestou depoimento no inquérito sobre o evento de Juiz de Fora?

Talis Andrade
www.brasil247.com - Carlos Bolsonaro esteve em clube de tiro nos mesmos dias que Adélio
Carlos Bolsonaro esteve em clube de tiro nos mesmos dias que Adélio

 

Os dois estiveram próximos duas vezes. Em Florianópolis, quando Adélio fez curso de tiro. E em Juiz de Fora, quando Carlos se tranca no carro ao ver Adélio

 

por Joaquim de Carvalho

- - -

Uma das lacunas da investigação sobre a facada ou suposta facada em Juiz de Fora é a presença de Carlos Bolsonaro em Florianópolis no mesmo dia em que Adélio Bispo de Oliveira fazia o curso de tiro no .38, em 5 de julho de 2018.

O inquérito não faz referência se Carlos frequentou o .38 naquele dia, mas sua ida à cidade tinha o objetivo de ir ao local, de que era associado fazia três anos e ao qual prestou homenagem, na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, conforme mostra o diploma afixado na parede da recepção.

Quando fiz o documentário "Bolsonaro e Adélio - Uma fakeada no coração do Brasil", perguntei ao .38 se Carlos Bolsonaro esteve no local naquele dia e se havia imagens das câmeras de segurança. Um relações públicas do clube me atendeu, pediu que formalizasse a solicitação por e-mail, o que fiz e não recebi resposta.

Dois representantes do .38 prestaram depoimento no inquérito, o instrutor de tiro e um proprietário, mas não foram questionados sobre a presença de Carlos Bolsonaro. Um deles disse que, nesse dia, Adélio, à certa altura, ficou sentado na poltrona, mexia no celular e olhava sempre para a porta de entrada.

Adélio estava fazendo o curso, pelo qual receberia certificado, e pelas aulas recebidas teria pago três vezes o valor do aluguel do quarto onde vivia. Adélio não tinha arma. Em 7 de setembro, um dia depois do evento em Juiz de Fora, o Jornal Nacional publicou reportagem com entrevista da porta-voz do clube.

“Ele chegou aqui, fez um cadastro, foi acompanhado, após fazer um cadastro e dar a identidade dele, como todo e qualquer cidadão que vem aqui, por um instrutor para a prática de tiro. Esse instrutor fica junto no momento em que a arma é escolhida. Fica junto a todo instante”, disse Júlia Zanata, que, mais tarde, seria nomeada por Jair Bolsonaro para um cargo regional da Embratur em Santa Catarina.

Nas redes sociais, Júlia Zanata se destacou como militante bolsonarista e recorreu à Justiça para tentar tirar o documentário do YouTube, mas não conseguiu. A censura viria por iniciativa do próprio YouTube, alguns meses antes da eleição no ano passado.

O delegado da Polícia Federal Rodrigo Morais, que investigou o caso, disse a membros de sua equipe que havia dificuldade para investigar o entorno de Bolsonaro, mas, em junho de 2021, quando apurávamos o evento de Juiz de Fora, considerava a hipótese do auto atentado "plausível".

Na época, o Tribunal Regional Federal da 1a. Região analisava a possibilidade de reabertura do inquérito para, em princípio, analisar o celular e o computador apreendido no escritório de Zanone Júnior, que foi o advogado de Adélio.

Ele dizia que, se o caso fosse reaberto, avançaria na investigação, não apenas analisar os arquivos de Zanone. O delegado cogitava pedir autorização do Supremo Tribunal Federal para uma perícia médica em Bolsonaro.

"Ninguém é obrigado a produzir prova contra si, mas eu pediria, para saber se o que provocou o ferimento", disse a dois agentes da Polícia Federal. 

Quando o caso foi reaberto, Rodrigo Morais acabou promovido para um cargo nos Estados Unidos, e quem assumiu a investigação foi o delegado Martin Bottaro Purper, que tinha investigado a facção criminosa PCC.

Algumas semanas depois, o jornal Metrópoles publicou reportagem sobre a linha de investigação: Purper estaria buscando verificar se havia ligação de Adélio com a facção criminosa.

Nunca mais a Polícia Federal tocou no assunto publicamente, mas a notícia gerou barulho na internet. A militância bolsonarista tentava ligar Adélio ao PCC e o PCC a Lula. Puro delírio, mas em época de campanha o barulho poderia ter efeito junto aos eleitores.

Carlos Bolsonaro é chave para eliminar as lacunas do inquérito sobre o evento de Juiz de Fora. Um vídeo publicado no documentário "Bolsonaro e Adélio - Uma fakeada no coração do Brasil" mostra que Adélio tenta se aproximar de Carlos na tarde de 6 de setembro de 2018, logo após a chegada de Bolsonaro ao Parque Halfeld, início da caminhada pelo calçadão.

Ao vê-lo, Carlos Bolsonaro entrou no carro e se trancou. Em entrevista a Leda Nagle, Carlos falou sobre essa aproximação, que ele não poderia negar, já que as imagens tinham se tornado públicas.

"Tem um determinado momento da gravação do meu pai em Juiz de Fora em que eu saio do carro e o Adélio vem na minha direção, e eu, por um acaso, volto no carro e, quando eu entro no carro novamente, ele recua porque viu que não conseguiria chegar até mim. Tem essa gravação. É público, todo mundo consegue ver. Então, eu voltei para o carro e dez minutos depois aconteceu o que aconteceu", afirmou.

Se, ao se trancar no carro, desconfiou do homem que usava jaqueta preta apesar do calor na cidade, deveria ter alertado os seguranças.

Sobre a presença em Florianópolis no mesmo dia em que Adélio fazia o curso, contou que, naquele dia, não esteve no clube de tiro.

"Esse cidadão chamado Adélio esteve no clube de tiro .38 no mesmo dia em que eu estava em Florianópolis. Por um acaso, naquele dia, eu não fui ao clube de tiro. (...) Aloprei com um amigo meu que temos mais ou menos a mesma personalidade. 'Não vou praí, vou pro hotel e dane-se. Não fui'", disse, na mesma entrevista a Leda Nagle.

Se o clube de tiro tivesse atendido à minha solicitação para ver imagens daquele dia, seria eliminada a dúvida sobre o que diz Carlos Bolsonaro: se não esteve mesmo no clube de tiro naquele dia.

Se a Polícia Federal tivesse examinado o deslocamento de Carlos Bolsonaro a partir de seu celular, também se saberia por onde andou em Florianópolis. 

Mas, como não investigava a hipótese de auto atentado, o delegado Morais não requisitou as imagens do clube nem examinou o celular de Carlos Bolsonaro.

A Leda Nagle, Carlos Bolsonaro sugere que poderia ser alvo de Adélio, o que não faz sentido. Examinando a rede social dele, é possível verificar que Adélio só começou a atacar Bolsonaro alguns dias depois do curso no .38.

Entrou na própria página de Jair Bolsonaro no Facebook e o ameaçou. Foi a partir daí que também passou a criticar as propostas de Bolsonaro, e reproduziu entrevista antiga, em que Bolsonaro defende guerra civil no Brasil, com a morte de 30 mil pessoas.

São postagens muito diferentes daquelas que vinha fazendo antes de realizar o curso de tiro, em que defende um projeto de lei apresentado por alguns deputados, entre eles Bolsonaro, para a redução da maioridade penal.

Também era favorável ao serviço de militares em projetos de lazer e educação para jovens. Atacou o projeto de lei que criminaliza a homofobia, apoiado por Jean Wyllys, então deputado pelo PSOL, que os bolsonaristas tentariam ligar a ele.

Esse comportamento, sobretudo as contradições, devem ser investigadas, se o que se busca, no caso de Juiz de Fora, é a verdade factual.

 

 

29
Jan23

A nossa Noite dos Cristais e um Tribunal de Nuremberg

Talis Andrade
Depredação em Brasília no dia 8 de janeiro. AGU apresenta valores dos danos.  Foto: Valter Campanato/AGBr

 

É imperativo levar aos tribunais todos os que atentaram por ações ou omissões contra a nossa incipiente democracia

 

29
Jan23

Acampamento golpista no quartel general no DF teve 73 crimes em dois meses

Talis Andrade

 

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De acordo com o documento, ocorreram furtos, lesões corporais, danos e até atos obscenos no acampamento no entorno do Quartel General do Exército (AP Photo/Bruna Prado)

por Paolla Serra

Desde a instalação até a desmobilização do acampamento montado em frente ao Quartel-General do Exército em Brasília, foram registrados 73 crimes na região. A informação consta no relatório de intervenção sobre os atos antidemocráticos apresentado por Ricardo Capelli ao ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, nesta sexta-feira. O documento mostra que, entre 10 de novembro de 2022 e 9 de janeiro de 2033, ocorreram furtos, lesões corporais, danos e até atos obscenos na região.

De acordo com o relatório, neste período, foram 19 furtos, 20 crimes contra a honra, 13 por lesão corporal e vias de fato, 11 por dano, um por ato obsceno, além de outros não especificados.

O relatório apresentado aponta as provas de que houve "falha operacional" na atuação das forças policiais no dia 8 de janeiro. Segundo Ricardo Capelli, o documento também revela a ação "programada" de "profissionais treinados" na invasão às sedes dos Três Poderes da República em 8 de janeiro.

O relatório, que tem mais de 60 páginas, 17 anexos e um arquivo com imagens das câmeras de segurança do entorno da Esplanada dos Ministérios e da Praça dos Três Poderes, foi divulgado pelo Ministério da Justiça. O documento aponta que houve alerta de inteligência da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal, relatando ponteciais riscos de invasão de prédios públicos pelos manifestantes golpistas. Os relatórios, no entanto, não ensejaram um "desdobramento adequado" das forças de segurança, segundo o inteventor.

O documento elenca ainda comunicações feitas pelos comandantes da Polícia Militar do DF nos dias 6, 7 e 8 de janeiro. O interventor afirma que protocolos não foram respeitados. Um desses exemplos seria que nenhuma "ordem de serviço" convocando um reforço no efetivo previsto para a data foi expedida. No dia dos atentados, os policiais estavam de sobreaviso e não de prontidão nos batalhões — no primeiro caso, eles ficam em casa e só começam a trabalhar caso sejam acionados.

29
Jan23

Uma condenação da tortura e morte na ditadura

Talis Andrade
Monumento Tortura Nunca Mais, no Recife

 

 

Condenação de delegados algozes da ditadura militar é saudada por Urariano Mota com um trecho de seu romance “A mais longa duração da juventude”

 

28
Jan23

Antologia “Poesia intratável” revela produção poética contemporânea brasileira na França

Talis Andrade
 
 
 
 
A obra tradutória de Inês Oseki Dépré - YouTube
 
 
 
 

“Poésie intraitable” (Poesia intratável): este é o título da nova antologia da poesia contemporânea brasileira, que acaba de ser publicada na França pela editora Les Presses du Réel/Al Dante poesia, dirigida por Laurent Cauwet. A obra, bilingue, é organizada pela experiente Inês Oseki-Dépré, que também assina o prefácio e a tradução de todos os poemas que integram a seleção.

A antologia de poesia contemporânea apresenta ao público francês 33 poetas brasileiros, de várias regiões do Brasil, dos mais emblemáticos aos mais jovens, de João Cabral de Melo Neto a Lorena Martins, passando pelos irmãos Haroldo e Augusto de Campos, Paulo Leminski ou Arnaldo Antunes. O título intrigante de “Poesia intratável” foi a alternativa encontrada para passar ao leitor francês a ideia de “Poesia/risco”, que também indica o rabisco, de Augusto de Campos. “Nós procuramos uma palavra que tivesse o sentido de arriscar e, ao mesmo tempo, um traço. (...) ‘Poésie intraitable’ porque tem também o traço (trait em francês), o rabisco”, explica a tradutora.

Inês Oseki-Dépré incluiu em sua seleção vários poetas que já morreram porque considera “que a poesia contemporânea não é necessariamente a poesia de poeta vivo”. Ela ressalta que esses autores, que já faleceram há muito tempo como João Cabral, Décio Pignatari, Haroldo de Campos e Paulo Leminski, “servem de referência, continuam sendo um modelo ou um antimodelo para os poetas que vêm a seguir”.

Grande presença de mulheres

A presença de poetas mulheres, principalmente mais jovens, é marcante na antologia, mas a paridade ainda não é total. A pouca visibilidade das mulheres na história da poesia influencia a produção das poetas atuais, acredita Inês Oseki-Dépré. “O poeta homem existe desde muito tempo, e eles constituíram uma espécie de memória, de reserva masculina, e, em geral, o poeta se refere a formas que foram trabalhadas por outros homens. As mulheres não têm essa memória”, analisa. A falta desse paradigma torna a escrita poética feminina “muito livre. Eu chamei de poesia performativa, quer dizer, uma poesia do real, uma poesia imediata”, descreve.

Uma característica comum a todos os poetas e poemas que integram a seleção seria a “poesia crítica, de resistência”. A tradutora lembra que começou a trabalhar nessa antologia em um momento crítico para o Brasil, depois do impeachment da presidente Dilma Rousseff. “Eu achei que a gente podia identificar a atitude deles como uma espécie de resistência, que não se manifesta na temática ou nas escolhas. É uma poesia de vamos continuar. Eu achei que devia fazer aparecer essas pessoas que continuam escrevendo, que continuam acreditando na poesia e na arte. E esse é o traço comum dessa antologia”, aponta Inês Oseki-Dépré.

A organizadora tentou “dar um panorama diferente do que se faz no Brasil em matéria de resistência à letargia, à morosidade ou ao desânimo. E em matéria de voz. Há muito muitos poetas que são promissores. É uma tentativa de dar apoio a poetas menos conhecidos para que eles continuem”. Duas poetas que integram a antologia serão em breve publicadas na França: Patricia Lavelle e Angélica Freitas que terão seus livros lançados em junho, pela mesma editora, Les Presse du Réel/Al Dante.

Como traduzir coisas intraduzíveis?

Inês Oseki-Dépré, nasceu em São Paulo e vive na França desde 1966. Ela foi professora da Universidade de Aix-en-Provence e, há anos, promove a literatura, e principalmente a poesia, brasileira e portuguesa. Ela assina várias traduções importantes de autores de referência como Fernando Pessoa, Lygia Fagundes Telles e Haroldo de Campos. Em 1999, ela recebeu o importante prêmio Roger Caillois pela tadução da obra “Galáxias” do poeta concretista. Mas fez várias traduções também do francês para o português, começando por “Escritos” de Jacques Lacan. “Quer dizer, eu comecei já com coisas difíceis”, salienta.

Ao ser questionada sobre seu método de tradução, ela responde com uma pergunta: “Como traduzir coisas intraduzíveis? Você tem que inventar o método, a maneira, tem de ficar muito próxima do texto. O Haroldo (de Campos) chama isso de isomórfico.” E quando não dá para traduzir, como na obra de Guimarães Rosa repleta de “brasileirismo, você tem que inventar”, explica. O objetivo é dar ao leitor, no caso francês, o mesmo prazer de leitura no texto original e para isso Inês Oseki-Dépré tenta entrar na cabeça do autor.

“A minha ideia era sempre querer tentar adivinhar o que o autor quis fazer, me colocar na cabeça dele, fazer uma espécie de imitação de como ele quis fazer. Assim, o método mimético que consiste a achar que eu estou na cabeça do autor, o que ele está querendo dizer, o que está querendo transmitir; se é inovador, se é cínico, se é brincadeira. É tentar me colocar no lugar da escrita original”, detalha

 

28
Jan23

Impunidade da ditadura contribuiu para violência golpista no Brasil

Talis Andrade

 

Manifestante segura placa com dizeres “cadeia para Bolsonaro e seus generais” durante protesto pela democracia na Avenida Paulista, em 9 de janeiro | Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

 

 

Human Rights Watch aponta em relatório que Bolsonaro, entusiasta de torturadores, promoveu ataques às instituições e incitou apoiadores a pedir golpe militar; pesquisadores recomendam revisão da Lei da Anistia

 

 

Os ataques às instituições e à imprensa e o descrédito do processo eleitoral promovido pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) são a ponta do iceberg que ensejou atos golpistas com pedidos de intervenção militar, acampamentos em frente a quartéis e a violência perpetrada às sedes dos Três Poderes em Brasília, no domingo (8/1). Mas há também um capítulo da história do Brasil que não foi resolvido e que se reflete nesse cenário: a ditadura civil-militar de 1964, de acordo com a organização Human Rights Watch (HRW), que elencou uma série de retrocessos em políticas do governo brasileiro em relatório publicado nesta quinta-feira (12/1), englobando uma análise da situação de direitos humanos em 100 países em 2022.

 

“A dificuldade hoje de a gente responsabilizar policiais por excessos cometidos tem tudo a ver com a nossa herança de impunidade relativa ao período da ditadura militar”, complementou.

A organização aponta que a Lei de Anistia protege abusadores e que deveria ser revista. “O Supremo Tribunal Federal, em contradição à decisão internacional, manteve essa lei válida”, declarou a diretora Maria Laura Canineu em referência uma decisão do STF, de 2010, que sacramentou a lei de 1979 que impede a punição de militares por crimes cometidos no período, embora a Corte Interamericana de Direitos Humanos decidiu que ela viola as obrigações legais internacionais do Brasil.

“A dificuldade hoje de a gente responsabilizar policiais por excessos cometidos tem tudo a ver com a nossa herança de impunidade relativa ao período da ditadura militar”, complementou.

Entre os efeitos no campo da segurança pública, por exemplo, está o fato de que o Brasil tem um dos maiores índices de letalidade policial no mundo, com 6.145 mortes em 2021, das 84% das vítimas eram negras, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública.

“Para se ter uma comparação, são 1.000 pessoas mortas pela polícia nos Estados Unidos por anom um país que tem maior população que o Brasil”, declarou Muñoz. “Existe uma vinculação clara da impunidade em casos de violência e a corrupção na polícia porque a possibilidade de matar com a impunidade faz com que a polícia tenha um enorme poder.”

Por isso, os pesquisadores indicaram, dentre diversas recomendações para a gestão do presidente Lula (PT), para que seja elaborado um plano nacional de redução de letalidade policial, indicador que foi excluído por Bolsonaro em 2021, e também a garantia de independência e fortalecimento de instituições, como o Ministério Público que tem previsão de constitucional de controle externo das polícias.

“A gente tem certeza que as instituições devem funcionar em conjunto, mas existe uma responsabilidade fundamental de um ente, que é muitas vezes deixado de lado da conversa, que é o Ministério Público para o controle da atividade, seja na ação, quando mata não em legítima defesa e comete excessos, seja na omissão, como no caso dos atos antidemocráticos no Brasil no domingo”, afirma Maria Laura Canineu.

 

"SEM ANISTA"

 

Ela faz alusão ao papel das forças de segurança pública que realizaram a proteção dos edifícios, sendo que alguns policiais militares do Distrito Federal foram flagrados abandonando barreira e comprando água de coco enquanto bolsonaristas invadiam o prédio do STF. Outra figura que ela destaca é a da procurador-geral da República, Augusto Aras, que foi escolhido por Bolsonaro fora da lista tríplice fornecida pelo Ministério Público Federal e que se comportou de maneira omissa às condutas do ex-presidente, que envolvem desde a condução da pandemia de Covid-19 à investigação dos protestos golpistas e o enfraquecimento ao combate à corrupção. Não à toa, durante a posse de Lula, o público fez um coro das palavras de ordem “sem anistia” durante o discurso.

Entre as recomendações da HRW, Canineu destacou que o novo governo terá de reforçar os pilares da democracia “para recuperar a credibilidade das pessoas e a realização dos direitos fundamentais”, que envolvem o respeito à liberdade de expressão e de imprensa, tendo em vista os ataques a jornalistas feitos por Bolsonaro; a promoção da transparência e fortalecimento dos poderes, como “eleger um procurador-geral da República que seja independente”; “fazer uma política externa que não seja carregada de vieses ideológicos”, já que Bolsonaro criticou governos da Venezuela e Cuba, mas apoiou líderes autoritários como o presidente da Rússia, Vladimir Putin, e o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orban; e promover os direitos humanos para todos, tendo em vista o recrudescimento de políticas voltadas ao meio ambiente, aos povos indígenas, às mulheres, às pessoas com deficiência, privadas de liberdade e comunidade LGBT+.

28
Jan23

Justiça condena três delegados a pagarem R$ 1 milhão por torturas e mortes na ditadura

TRF-3 apontou que Aparecido Calandra, David Araújo e Dirceu Gravina causaram danos à sociedade ao pa

Talis Andrade

 

Delegado Aparecido Laertes Calandra em audiência da Comissão Nacional da Verdade, em 2014, sobre imagens de Vladimir Herzog, torturado e morto em 1975 | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

 

por Jeniffer Mendonça /Ponte Jornalismo

O Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) condenou, na quarta-feira (18/1), os delegados aposentados Aparecido Laertes Calandra, David dos Santos Araújo e Dirceu Gravina a pagarem, cada um, R$ 1 milhão em indenização por danos morais coletivos sofridos pela sociedade brasileira em razão das torturas e mortes cometidas por eles durante a ditadura civil-militar. O dinheiro deve ser destinado ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, ligado ao Ministério da Justiça e da Segurança Pública.

 
Subordinado ao Exército, o DOI-Codi se dividia em unidades regionais e era responsável por sequestros e violências contra as pessoas detidas pelo regime militar, atuando fora das leis da própria ditadura. Na época, era comandado pelo coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, que foi condenado por tortura, mas morreu em 2015 sem pagar pelos crimes.
 
Para a coordenadora da área de Memória, Verdade e Justiça do Instituto Vladimir Herzog, Gabrielle Abreu, a decisão mostra um “avanço tímido” da justiça. “Todas as condenações como essa, de pagamento de indenização, a gente tende a celebrar porque a gente tem um histórico de impunidade em relação aos crimes perpetrados pelo Estado durante a ditadura. Pode não ser a decisão ideal, mas a gente celebra porque sempre é um avanço, ainda que tímido, e é uma oportunidade de colocar esse tema de volta ao debate público, sobretudo agora que a gente tem discutido a questão da anistia para os eventuais crimes do Bolsonaro e sua horda”, afirma.
 

13 anos de idas e vindas

 

A decisão acontece após um imbróglio de quase 13 anos. O MPF entrou com a ação civil pública em 2010, mas o tribunal não aceitou os pedidos, alegando que alguns já teriam prescritos e que valia a aplicação da Lei de Anistia, de 1979, para afastar a responsabilidade civil e administrativa dos torturadores. Em 2020, porém, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou que o TRF-3 processasse os delegados devido ao entendimento de que a Lei de Anistia não incide sobre causas de caráter civil e que “a reparação civil de atos de violação de direitos fundamentais cometidos no período militar não se sujeita à prescrição”.

Dirceu Gravina durante depoimento à Comissão Nacional da Verdade, em 7/4/2014 | Foto: Thiago Vilela/Ascom-CNV

A Procuradoria havia feito seis solicitações: que os delegados indenizassem o estado de São Paulo e a União pelos valores pagos com indenização às vítimas e familiares de vítimas; o cancelamento das aposentadorias; a perda da função pública e de qualquer cargo público que tivessem no estado de São Paulo; que o governo paulista disponibilizasse a relação de todos os servidores, com nomes e cargos, que atuaram no DOI-Codi; que a União e o governo paulista fizessem “pedido de desculpas formal a toda a população brasileira”, com a citação dos casos específicos da ação civil pública e divulgação em canais oficiais e em pelo menos dois jornais de grande circulação em São Paulo; que os delegados pagassem indenização de danos morais coletivos.

 

 

A juíza federal Diana Brunstein acatou apenas o pedido sobre os danos morais coletivos, afirmando que os três delegados, “investidos de poder estatal” e pela prática de tortura e assassinatos, “causaram indiscutíveis danos psíquicos/morais à sociedade brasileira como um todo”. Ela argumenta que a prática de tortura era “institucionalizada”, mesmo com a proibição da antiga Constituição de 1969, e que não só as vítimas, mas a população como um todo “até hoje se ressente das arbitrariedades praticadas por agentes de estado no período ditatorial e, de maneira geral, teme o retorno das violações perpetradas no período”.

A juíza federal Diana Brunstein acatou apenas o pedido sobre os danos morais coletivos, afirmando que os três delegados, “investidos de poder estatal” e pela prática de tortura e assassinatos, “causaram indiscutíveis danos psíquicos/morais à sociedade brasileira como um todo”. Ela argumenta que a prática de tortura era “institucionalizada”, mesmo com a proibição da antiga Constituição de 1969, e que não só as vítimas, mas a população como um todo “até hoje se ressente das arbitrariedades praticadas por agentes de estado no período ditatorial e, de maneira geral, teme o retorno das violações perpetradas no período”.

A magistrada estipulou o valor de R$ 1 milhão para cada acusado pelo “relevante interesse social lesado” e pelas condições financeiras deles. De acordo com o Portal da Transparência do estado de São Paulo, Aparecido Calandra e David Araújo receberam, respectivamente, R$ 19.753,68 e 19.787,61 em valores líquidos em dezembro de 2022. Já Dirceu Gravina, R$ 27.846,80.

Sobre os demais pedidos do MPF, Brunstein argumentou que as indenizações pagas pelo governo de São Paulo e pela União prescreveram e que os delegados não poderiam ter as aposentadorias canceladas nem perderem as funções públicas porque caberia a abertura de um procedimento administrativo, o que não estaria na alçada do Judiciário. A juíza também escreveu que, “mesmo que a instância administrativa pudesse ser suprimida em tais casos, as leis estatutárias preveem prazos prescricionais para a instauração de ações disciplinares, os quais, considerando a data dos ilícitos cometidos, já teriam se esgotado”.

Sobre o pedido público de desculpas, a juiza afirmou que não seria necessário porque, na sua visão, “o Estado brasileiro, há tempos, reconheceu oficialmente sua responsabilidade pelas mortes e desaparecimentos ocorridos no período da ditadura e vem, ao longo dos anos, promovendo diversos atos que visam o resgate e memória da verdade dos fatos ocorridos em tal momento histórico”. E sobre a divulgação de servidores que atuaram no DOI-Codi, argumentou que a Lei de Acesso à Informação garante esses dados e que “não houve pretensão resistida na via administrativa” para isso.

À Ponte, a assessoria disse que o MPF vai recorrer da decisão em vista dos outros pedidos negados.

David dos Santos Araújo, agora reconhecido pela Justiça como torturador e assassino 

 

Nesta semana, o ministro de Direitos Humanos e Cidadania, Silvio Almeida, publicou portaria que reformula a composição da Comissão de Anistia, criada em 2002 para avaliar pedidos de reparação de vítimas da ditadura, mas que havia sido descaracterizada, durante o governo Bolsonaro, com a inclusão de militares entre seus membros. Com a nova reformulação, os militares ficam de fora e no seu lugar entram perseguidos políticos. “A exclusão de militares da comissão foi fundamental. Não pode haver em um instrumento como esse representantes das Forças Armadas que foram perpetradoras de crimes de Estado durante a ditadura. Precisam ser civis sensibilizados com a causa e com prioridade, inclusive, em figuras que foram atravessadas de alguma maneira pelas violências da ditadura”, aponta Gabrielle Abreu, do Instituto Vladimir Herzog.

No ano passado, o Instituto Vladimir Herzog levantou que, dos 50 acusados em mais de 70 ações judiciais propostas pelo MPF,  31 ainda estão vivos. Entre os algozes com maiores números de ações estão Dirceu Gravina, que aparece em quinto lugar, com seis ações, e Aparecido Calandra em sétimo lugar, com quatro denúncias.

Gabrielle sinaliza que esse histórico de impunidade se dá pela morosidade de responsabilização dos envolvidos. “Isso revela a demora do Brasil em encaminhar uma justiça de transição. A gente só foi ter um fórum de discussão dos crimes da ditadura décadas após o fim do regime, com a Comissão Nacional da Verdade em 2012, que fez um trabalho extremamente relevante e fundamental, mas tardio, porque os crimes identificados pela comissão. Muitos deles jamais serão apurados e investigados para além do âmbito das comissões [nacional e regionais], que não têm esse caráter punitivo, mas de fazer recomendações para aperfeiçoamento do Estado Democrático de Direito”, critica.

“A impunidade é uma constante na história do país, se dá pela período da escravidão, passa pela ditadura e acomete também os crimes do Estado no presente”, completa.

 

Veja as vítimas de tortura e morte pelos delegados, reconhecidas pela Justiça

 

Delegado Aparecido Laertes Calandra:

  • Hiroaki Torigoe (tortura e desaparecimento)
  • Carlos Nicolau Danielli (tortura e homicídio)
  • Maria Amélia de Almeida Teles (tortura)
  • César Augusto Teles (tortura)
  • Janaína Teles (tortura)
  • Edson Luís Teles (tortura)
  • Manoel Henrique Ferreira (tortura)
  • Artur Machado Scavone (tortura)
  • Paulo Vannuchi (tortura)
  • Nádia Lúcia Nascimento (tortura)
  • Nilmário Miranda (tortura)
  • Vladimir Herzog (tortura e homicídio)
  • Manoel Fiel Filho (tortura e homicído)
  • Pierino Gargano (tortura)
  • Companheira de Pierino Gargano (tortura)

 

Delegado David dos Santos Araújo:

  • Joaquim Alencar de Seixas (tortura e homicídio)
  • Ivan Akselrud Seixas (tortura)
  • Fanny Seixas (tortura)
  • Ieda Seixas (tortura)
  • Iara Seixas (tortura)
  • Milton Tavares Campos (tortura)

 

Delegado Dirceu Gravina:

  • Lenira Machado (tortura)
  • Aluizio Palhano Pedreira Ferreira (tortura e desaparecimento)
  • Altino Rodrigues Dantas Junior (tortura)
  • Manoel Henrique Ferreira (tortura)
  • Artur Machado Scavone (tortura)
  • Yoshitane Fujimore (tortura e desaparecimento)

 

27
Jan23

Razões jurídicas para responsabilização penal pelo genocídio yanomami

Talis Andrade
 
 
 
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Por Lenio Luiz Streck

Dias atrás escrevi artigo sobre razões jurídicas (teoria do delito) para responsabilização dos autores dos atos golpistas do dia 8 de janeiro.

Dias depois Juarez Tavares me instigou a escrever sobre o "caso yanomami", a partir de um comentário do jornalista Demétrio Magnoli na Globo News.

Juarez se diz chocado — corretamente — com o que disse Demétrio, para quem o caso dos yanomamis não caracterizaria crime de genocídio por ausência da intenção de extermínio do grupo étnico. Veja-se o grau de responsabilidade de um comentarista político. Lembremos dos estragos causados pelos comentaristas (juristas e jornalistas) acerca do sentido do artigo 142 da CF. Deu no que deu. Sobre isso, escrevi aqui tratando da Hermenêutica de Curupira.

Todos conhecemos a lei do genocídio (Lei 2.889/56, com suas alterações) e o Estatuto de Roma, que empregam a expressão "intenção" em sentido genérico. As palavras possuem sentido de acordo com o contexto. Disputar uma cadeira na Câmara não quer dizer "disputar um pedaço de um móvel do parlamento"! A polifonia das palavras a gente aprende quando, saindo para a rua pela primeira vez, ouvimos alguém dizendo "mamãe, mamãe"... Damo-nos conta, então, de que a nossa mãe não é a única. E que manga pode ser fruta, peça de roupa e goleiro do Botafogo.

E aqui entra a ciência penal, da qual Juarez é expert, seguramente o maior dos experts que conhecemos.

Essa expressão — intenção — tem que ser adequada aos conceitos de dolo do Código Penal, que servem de holding para todas as leis especiais. Isso é velho. O dolo direto pode comportar duas espécies: dolo direto de primeiro grau, quando o sujeito atua e dirige sua vontade no sentido do alcançar um objetivo final, e dolo direto de segundo grau, quando o agente atua e dirige sua vontade para realizar um fato que constitui uma circunstância necessária à produção do objetivo final.

Depois, porém, da introdução da teoria da imputação objetiva no direito penal, alimentada pelo fundamento do aumento do risco, como proposto por Roxin, alterou-se um pouco a definição do dolo direto de segundo grau, para comportar a atuação do agente, que dirige sua vontade para realizar um fato que encerra uma condição de risco que irá conduzir, com certeza, ao alcance do resultado final.

Assim, com Juarez, é possível dizer, contrariando Demétrio, que a atuação do governo, sob o comando de Bolsonaro, com suas ações, embora não se dirigisse à matança direta dos indígenas, materializou-se na realização de condições de risco que, certamente, conduziriam ao resultado de extermínio do grupo étnico. E foi o que aconteceu.

Onde se enquadra, então, a intenção de que trata a lei do genocídio? No assim denominado dolo direto de segundo grau. Isto é, Bolsonaro — e seus coautores — ao permitirem o garimpo, ao deixar de mandar socorro, ao incentivar a invasão e degradação das condições ambientais, dirigiram sua vontade no sentido de realizar condições de risco que certamente levariam o grupo à extinção.

Por isso Demétrio não tem razão. Juarez Tavares é quem tem razão. O enquadramento é bem possível. E nem se trata de invocar dolo eventual. O que houve foi uma ação ilegal consciente e com consciência de que certamente produziria um resultado como a morte e doenças de uma etnia. O resto todos sabem.

 
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27
Jan23

Como os grandes filósofos explicam os golpistas brasileiros

Talis Andrade
 
 
 
Folha de S.Paulo on Twitter: "Esta é a charge de João Montanaro publicada  na Folha. Quer ver mais charges no jornal. Acesse https://t.co/SYBMd91i4u  |📱Assine a Folha, um jornal a serviço da democracia:
 
 
 

Por Lenio Luiz Streck

Em tempos de ode ao golpismo — poxa, só se fala disso, com anúncio para 7 de setembro (já está até ficando chato!) — em que, em nome da democracia, prega-se a sua extinção, fiz uma pesquisa para saber o que os filósofos e literatos poderiam dizer sobre os golpistas brasileiros, que vão de cantores sertanejos à motoristas e fazendeiros, passando por policiais militares dos Estados.

 

Origem e "natureza jurídica" do golpismo


Os golpistas já estavam listados para embarcarem na Nau dos Insensatos, o best seller pré-moderno de Sebastian Brant, que foi traduzido para 40 línguas. No entremeio de toda aquela gente, lá estavam eles: os golpistas.

No Auto da Barca do Inferno, de Gil Vicente, havia, ao que consta, lugares reservados a eles, os golpistas. Um capítulo secreto, descoberto há pouco em escavações — ainda inédito —, mostra que Cervantes se irritava com duas coisas: néscios e golpistas, o que dá no mesmo, ele dizia.

Atravessaram os séculos e, com o advento da computação e das redes sociais, finalmente saíram da toca. Umberto Eco dizia — e aqui o parafraseio — "os golpistas perderam a vergonha".

Os golpistas fazem lives propondo golpe de Estado. E tem muitos apoiadores. Muitos. Há uma paixão pela farda. Uma questão psicanalítica mal resolvida. Nota: nem todo néscio é golpista. Mas todo golpista é néscio. Mas ser néscio não tem cor ideológica. Podem estar em todos os lugares. Conheço vários néscios do campo da não-direita (para ser eufemístico).

Os golpistas residem em neocavernas. Platão foi o primeiro a denunciar os golpistas e os néscios. Faça o teste: entre em um grupo de golpistas e tente dizer que golpe é antidemocrático e você será expulso, como aconteceu no Mito da caverna.

Golpistas adoram tuitar. Golpistas odeiam literatura. Para eles, o mundo é como as Ideias de Canário, de Machado de Assis: uma gaiola pendurada em um brechó. "O resto tudo é mentira e ilusão", como diz o falante canário ao Senhor Macedo, que o descobriu.

 

"Natureza filosófica" do golpismos e dos golpistas


O que os filósofos diriam d'eles? Eis as respostas, colhidas a partir do método palimpsesto (os golpistas não sabem o que é, claro).

Parmênides: tudo permanece (inclusive os golpistas).

Heráclito: o fogo é a origem de tudo. E os golpistas gostam de fogos de artifício.

Protágoras: o golpista é a medida de todos os golpes e da estultice.

Platão: os golpistas fazem parte do mundo sensível. Jamais alcançarão o suprassensível. Por isso, para eles, as sombras são a realidade. Não sairão jamais da caverna.

Górgias de Leôncio, o sofista mais famoso: um golpista é incognoscível e, se for cognoscível, é impossível contar para o vizinho.

Guilherme de Ockham: não há golpismo universal; apenas golpismo singular.

Hobbes: o golpista é o lobo do próprio golpista. Cuidado!

Locke: a mente do golpista é como uma folha de papel em branco.

Rousseau: O homem nasce livre, até que o golpista vem para implantar uma ditadura.

Edmund Burke: Desconfio de revoluções. Desconfio mais ainda de golpistas!

Maquiavel: atrás de um golpista sempre surge outro. Não deixe nenhum perto de você.

Heidegger: faz parte do modo próprio de ser no mundo o golpista ser assim.

Descartes: golpistas não possuem cogito; golpeio, logo sou. Golpistas não possuem cogito; mas há aos montes!

Kant: não existe um golpista em si.

Leibniz: vivemos no melhor dos mundos possíveis. Até vir um golpista encher o saco.

Wittgenstein (do Tractatus): se os limites da linguagem são os limites do mundo, golpistas possuem apenas um "mundinho". Ele estava pensando em uma determinada filósofa brasileira que não o leu. Mas parece que Wittgenstein simplificou a proposição 7 para "em boca fechada não entra mosca".

Nietzsche: Deus está morto. Um golpista matou e tomou conta.

Camus: é preciso imaginar Sísifo feliz — melhor carregar uma pedra nas costas do que aguentar o golpismo barato de terrae brasilis!

Beauvoir: um golpista não nasce golpista; torna-se, após uma overdose de mensagens com notícias falsas no WhatsApp.

Marx: golpistas são o lúmpem.

Dworkin: a raposa sabe muitas coisas, o ouriço sabe uma grande coisa, mas o golpista não sabe nenhuma coisa.

E há uma frase famosa atribuída a Martin Luther King: não me preocupa o barulho feito pelos golpistas; o que me inquieta é o silêncio dos não-golpistas. Opa, essa é no fígado, hein?

Este é, pois, o meu tributo ao anti-golpismo. Afinal, como dizia o Barão do Itararé: 

"diga-me se andas com um golpista e verei se posso sair contigo." [ Publicado em Consultor Jurídico, 26 de agosto de 2021]

 
Sorriso Pensante-Ivan Cabral - charges e cartuns: Charge: pré-golpe
 
 
 
 

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