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Foto: Pedro Vilela/Getty Images

 

Atos golpistas nas estradas e em frente aos quartéis avançam na escalada de violência e sobem o tom para desafiar o Judiciário

 

por João Filho

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“BOMBAS CASEIRAS feitas de garrafas com gasolina, rojões, óleo derramado intencionalmente na pista, ‘miguelitos’ (pregos usados para furar pneus), pedras, além de barricadas com pneus queimados, latões de lixo, e troncos de árvores cortados e jogados deliberadamente na pista”, foi assim que a Polícia Rodoviária Federal de Santa Catarina relatou em nota como foram os protestos golpistas no estado nessa última semana.

A corporação afirmou ainda que os atos foram na maior parte dos casos “ocorrências criminosas e violentas, promovidas no período noturno por baderneiros, homens encapuzados extremamente violentos e coordenados”. Segundo a PRF, na maior parte dos cerca de 30 pontos de bloqueio, “os métodos utilizados lembraram os de terroristas”. Apesar da nota dura, a polícia catarinense prendeu apenas um terrorista, que foi solto no dia seguinte e já está dormindo no quentinho da sua cama.

A escalada golpista já ultrapassou a fronteira do terrorismo. Os atos violentos aconteceram também em outros estados. No Mato-Grosso, onde Bolsonaro teve quase 70% dos votos, os golpistas  se mostraram ainda mais numerosos e violentos. No interior do estado, homens armados atacaram a base da concessionária que administra a BR-163 com tiros e coquetéis molotov. Queimaram guinchos, ambulâncias, os postos de pedágio e atiraram contra uma viatura policial.

Em Rondônia, os terroristas destruíram uma tubulação de água de um reservatório do município de Ariquemes, deixando parte da população sem abastecimento de água. Caminhões foram depredados, saqueados e incendiados. Um caminhoneiro que tentou furar o bloqueio foi perseguido, apedrejado e imobilizado com uma corda.

No interior do Paraná, uma van em excursão para o Beto Carrero, com 12 alunos e uma professora, colidiu com uma barreira de terra erguida pelos terroristas no meio da madrugada. Alguns estudantes  ficaram feridos.

Já faz quase um mês que os golpistas estão nas ruas incitando as Forças Armadas a se levantarem contra outras instituições — o que é inequivocamente um crime — sem que nada lhes aconteça. Esses protestos são criminosos mesmo quando pacíficos. Como se já não bastasse a impunidade, esses golpistas ainda costumam ser tratados a pão-de-ló pelas polícias que deveriam prendê-los. A escalada de violência iniciada por parte desses criminosos na última semana é, portanto, uma consequência natural. Naturalizou-se o crime e, nessa toada, o próximo passo será a naturalização de atos terroristas.  A escalada de violência se iniciou logo após uma decisão do ministro Alexandre de Moraes que bloqueou as contas bancárias de 43 bosonaristas suspeitos de financiarem os protestos na frente dos quartéis e nas estradas. A represália é clara. Os criminosos estão testando os limites do judiciário. Os ataques violentos tendem a aumentar se os líderes e financiadores do golpismo não começarem a ser presos.

Esqueça o vovô e a vovó reaça que vão de bengala e bandeira do Brasil pedir golpe na frente de quartel. Esqueça os idiotas que estão nas ruas pedindo socorro aos alienígenas. Esses reaças caricatos são inofensivos, apesar de igualmente criminosos. Agora a coisa extrapolou para a bandidagem armada e organizada. Uma bandidagem que atira na polícia, taca fogo em caminhão e ambulância, amarra e apedreja motorista que fura bloqueio, rouba carga de caminhão e protagoniza uma série de outros atos terroristas.

 

                               O bolsonarismo está agonizando, mas isso não deve ser motivo para comemorarmos.
 
 

Tudo isso está acontecendo sob o silêncio conivente do presidente da República, que abandonou o trabalho desde que perdeu a eleição e só voltou recentemente para organizar uma outra frente do golpismo. Bolsonaro busca criar fatos políticos que façam com que os golpistas nas ruas sigam mobilizados. O último factóide foi uma ação aberta no TSE  pedindo a anulação dos votos de quase 280 mil urnas que estariam com problemas. Valdemar da Costa Neto, aquele que sempre defendeu a lisura das urnas eletrônicas, foi pressionado por Bolsonaro para contestar judicialmente o segundo turno das eleições. A petição foi baseada numa auditoria fuleira criada por um instituto ligado ao bolsonarismo.

Alexandre de Moraes, o terrível Xandão, deu 24 horas para o PL apresentar também a auditoria dessas mesmas urnas no primeiro turno, o que não aconteceu. Claro, a anulação das urnas no primeiro turno poderia prejudicar a eleição da base parlamentar e dos governadores do PL. Valdemar, então, convocou uma nova coletiva e recuou, dizendo que não pretendia anular as eleições. Mas não deu muito certo. No despacho em que pede para a corregedoria eleitoral apurar o caso, Xandão apontou litigância de má-fé por parte da coligação bolsonarista e citou “possível cometimento de crimes comuns e eleitorais com a finalidade de tumultuar o próprio regime democrático brasileiro”. Além disso, impôs uma multa de R$ 22,9 milhões à coligação.

Valdemar sabe que não há problema nenhum com as urnas, mas cumpre as ordens do capitão porque tem uma dívida —  e o rabo preso — com ele. O PL se agigantou com a chegada de políticos bolsonaristas, tornando-se a maior bancada da Câmara e do Senado. Hoje, Valdemar é o político que comanda o maior orçamento do fundo partidário. E, como se sabe, é esse tipo de coisa que historicamente moveu Valdemar na política brasileira. Xandão acertou em mexer no bolso da turma, ainda que isso seja insuficiente para frear a violência do movimento golpista nas ruas e pode até alimentá-la.

No dia seguinte à decisão, Bolsonaro interrompeu o abandono de emprego mais uma vez para se reunir com a cúpula das Forças Armadas, que são direta e indiretamente responsáveis pela escalada de violência nos atos golpistas. Indiretamente por se omitir, diretamente por instigar os atos criminosos com declarações de apoio. Uma série de generais e coronéis tem feito declarações em apoio aos criminosos que se aglomeram em frente aos quartéis e nas estradas. Ataques dos militares a Xandão, Lula, Alckmin e PT, por exemplo, foram normalizados. Esse tipo de manifestação político-partidária de agentes das Forças Armadas é proibida, mas sabemos que eles não temem a lei.

A última vez que Bolsonaro havia se reunido com a cúpula das Forças Armadas foi no último dia 11. Horas depois da reunião, comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica divulgaram uma carta em que não recriminam os protestos golpistas em frente a quartéis Brasil afora e defenderam a liberdade dos “manifestantes”. Nesta semana, o general Braga Netto, foi além e incentivou de maneira velada os criminosos a continuarem a cometer crimes: “não percam a fé. É só o que eu posso falar agora”, disse depois de abraçar os golpistas na rua.

O caráter terrorista que os atos golpistas têm tomado são resultado direto do incentivo do Presidente da República, das Forças Armadas e de políticos bolsonaristas. Esses movimentos não podem mais ser tratados de maneira cômica, como sendo fruto de uma meia dúzia de lunáticos que acreditam em mentiras absurdas do Whatsapp. Por trás deles existe uma máquina financiada, que não deve ser subestimada. De qualquer maneira, essa máquina começa a dar sinais de problema. O bolsonarismo está agonizando, mas isso não deve ser motivo para comemorarmos. É nesse momento em que ele se torna mais perigoso. O golpe não vingará, mas o estrago pode ficar muito maior. Qual será o próximo passo dos terroristas? Homens-bomba?