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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

24
Set20

O sono da democracia produz monstros

Talis Andrade

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Por Marcos Nobre

Acostumando-se a viver com fantasmas, por decisão deliberada ou não, o campo democrático prepara mais um pesadelo autoritário para o país Com a pandemia, uma janela para o afastamento de Bolsonaro se abriu no primeiro semestre de 2020. Mas não foi ocupada. Por que não?

Muitas respostas estão disponíveis, muitas são as razões. Mas talvez esteja faltando uma que é decisiva. Uma razão que explique por que não existe oposição e por que não se formou a frente ampla necessária para que o impeachment pudesse avançar. Acho que no primeiro semestre o debate público mainstream e o sistema político como um todo só confirmaram para si mesmos uma convicção que os faz girar em falso desde a eleição de 2018: tanto quem forma opinião quanto os partidos continuam agindo como se o governo Bolsonaro fosse mera continuidade do governo Temer.

A prioridade de quem se coloca no campo da democracia hoje não é derrotar o verdadeiro inimigo, que é Bolsonaro, mas seu adversário histórico. Um adversário que pertence a um passado que Bolsonaro já enterrou, aquele em que PT e PSDB representavam os dois polos organizadores da política. O adversário de um mundo que já não existe mais.

De maneira interessada ou não, democratas se encontram em estado de negação da realidade. A premissa da continuidade entre os governos de Temer e de Bolsonaro é irreal porque a magnitude da ameaça à democracia em cada um dos casos é incomparável. Ao mesmo tempo, a premissa é a mais real possível porque polariza de fato as disputas entre os campos democráticos da direita e da esquerda. As forças políticas que não partem dessa premissa, que querem evitar a polarização nesses termos, ficam sem lugar e sem espaço. O que acaba reforçando ainda mais a própria polarização, que se torna incontornável.

À direita, ataca-se no governo Bolsonaro tudo o que não é governo Temer. E, para ficar com a consciência democrática limpa, ataca-se também ministérios e órgãos de aparelhamento explícito da extrema direita e a pessoa e a atitude de Bolsonaro, como se fosse possível dissociar Bolsonaro do governo que dirige. Em todo o resto, continua-se a pensar e agir como se de governo Temer se tratasse.

À esquerda, Bolsonaro é apenas o resultado lógico da ação de uma direita golpista e, portanto, antidemocrática na sua essência. Para ficar com consciência democrática limpa, diz que o fascismo já se implantou no país desde o governo Temer e que a esquerda é o único campo verdadeiramente democrático ainda existente. Como a direita democrática, também a esquerda democrática continua a pensar e a agir como se de governo Temer se tratasse.

Nessa lógica de polarização, a premissa de uma continuidade entre Temer e Bolsonaro é entendida à esquerda como continuidade do “golpismo” que teria abatido a democracia já em 2016. À direita, entender o governo Bolsonaro como continuidade do governo Temer é entendê-lo como continuidade de um governo “reformista” liderado pelo Congresso Nacional. É essa concordância de fundo dos dois campos que permite a Bolsonaro manter vivas as condições para implantar seu projeto autoritário.

Tanto a esquerda como a direita democráticas se recusam a chamar o campo adversário de “democrático”, para começar. Consideram mais importante continuar a disputa de 2016 do que preservar a democracia. Porque, no fundo, acham que conseguirão derrotar ou conter Bolsonaro.

A direita democrática acha que conseguiu “conter” Bolsonaro. E acredita que conseguiu e conseguirá segurá-lo no projeto de destruir as instituições democráticas. A esquerda democrática continua no mesmo estado de desorientação em que se colocou desde a derrubada de Dilma Rousseff. Simplesmente não consegue fazer oposição. Espera que o fracasso, a seus olhos inevitável, do governo Bolsonaro faça com que o poder lhe caia no colo na eleição de 2022.

A inexistência de oposição e os obstáculos para a formação da frente ampla para afastar Bolsonaro têm a mesma raiz. E a raiz está na destruição mútua das forças políticas que culminou na parlamentada que afastou Dilma Rousseff. É o que elegeu Bolsonaro e o que o mantém no poder até hoje.

E, no entanto, no momento da chegada da pandemia ao país, Bolsonaro se viu ameaçado em grau máximo. Enxergou a ameaça e tentou adiantar seu cronograma de implantação do autoritarismo. Tentou dar um golpe clássico. As condições ainda não estavam prontas, não havia ainda um dispositivo paramilitar organizado, não conseguiu convencer as Forças Armadas de que seria o melhor caminho. E Fabrício Queiroz foi preso, com todas as consequências que essa ameaça traz para o presidente e para sua família.

“Bolsonaro inaugurou uma era em que não há mais situação e oposição. Mas a maior parte de nós continua pensando em termos do mundo político que deixou de existir, anterior à eleição de Bolsonaro”

Bolsonaro foi obrigado a fazer um recuo tático. Teve de se ocupar de aparelhar mais pesadamente a Polícia Federal e o Ministério Público. Teve de aceitar a saída que lhe foi oferecida pelo “partido militar”, que se impôs como força organizadora do governo e realizou a negociação com o centrão.

Passado o pânico inicial, Bolsonaro descobriu que se apavorou à toa, descobriu que tinha sido desnecessário mostrar todas as cartas que tinha na manga antes do tempo. Voltou a seu projeto original de destruir a democracia em duas etapas, sendo o primeiro mandato apenas a preparação para a consolidação do autoritarismo em um segundo mandato. Como escrevi em meu livro “Ponto-final: a guerra de Bolsonaro contra a democracia”, destruir “uma Constituição como a de 1988 e todo o lento trabalho de criação e consolidação das instituições democráticas leva tempo. O objetivo autoritário de Bolsonaro nunca foi para 4 anos”.

Mas o movimento atabalhoado e apressado de mostrar todas as cartas desnecessariamente teve dois resultados políticos imediatos de grande importância para o atual presidente. O discurso de elogio à ditadura militar está normalizado, tornou-se parte da paisagem. Não se vê agora nem mesmo as famosas e inócuas “notas de repúdio” de antes. Em seu discurso do 7 de setembro, Bolsonaro defendeu a ditadura militar em nome da defesa da democracia. Para ele, ditadura militar e democracia são sinônimos.

Bolsonaro conseguiu também fidelizar os 15% de apoio fanático, que se dispõem a ir com ele até o fim, seja lá como for, seja com Temer ou sem Temer, com ou sem centrão, seja com Renda Brasil ou sem Renda Brasil. Bolsonaro conseguiu essa fidelização não só porque encenou a céu aberto seu projeto autoritário. Também porque esses 15% não têm melhor opção do que Bolsonaro. Nem pretendem ter, aliás. Pela primeira vez desde a redemocratização, uma figura política conseguiu catalisar e concentrar a preferência do eleitorado autoritário, que andava disperso desde o fim da ditadura militar.

Mas teve mais. Bolsonaro também colheu desse momento outro resultado extremamente positivo para seu projeto autoritário: o fato de a janela que se abriu não ter sido ocupada mostrou que o atual presidente não tem adversários, que não precisa ter pressa nem mesmo diante de uma situação tão desfavorável quanto a da pandemia e da recessão econômica que a acompanha. Bolsonaro descobriu que não há alternativa a Bolsonaro.

Para o campo democrático, a lição a tirar da janela desperdiçada do impeachment no primeiro semestre foi que, sozinha, nenhuma candidatura ou força política conseguirá derrotar o atual presidente. Só o campo democrático organizado e unido pode derrotá-lo. E a chance de isso acontecer é baixa porque todo mundo acha que pode ganhar de Bolsonaro no mano a mano. E tudo o que Bolsonaro quer é produzir um mano a mano desse tipo.

Mais que isso, Bolsonaro entendeu que a manutenção da divisão no campo democrático depende da manutenção da crença de que seu governo é uma simples continuidade do governo Temer. E o que fez? Chamou o próprio Temer para seu governo! Passou a tratá-lo como conselheiro informal, fez dele enviado oficial do país ao Líbano devastado por uma trágica e altamente destrutiva explosão. E depois Bolsonaro é que é o burro e o tosco. Esse governo de recuo tático, com Temer e centrão, reforçou no debate público e na disputa partidária a divisão do campo democrático.

A vitória de Bolsonaro na eleição de 2018 e no teste da pandemia mostra claramente que foi o próprio jogo que mudou. Quem continuar jogando o jogo anterior, já perdeu. Quem tiver como única proposta política voltar ao jogo como foi jogado antes, já perdeu.

Só que é exatamente isso o que faz quem rejeita ou simplesmente não quer que Bolsonaro se reeleja: continua a achar que “o seu candidato” ou “a sua candidata”, seja lá quem for, derrotará o atual presidente em 2022 e magicamente curará fraturas estruturais das instituições democráticas do país. A grande maioria continua a fazer cálculos eleitorais em uma situação em que as próprias eleições correm o risco de já não significarem mais democracia.

Pode ser que uma nova janela para o impeachment se abra em 2021? Pode. É até bem provável que se abra, aliás. As pesquisas indicam que Bolsonaro só conseguiu manter (e mesmo aumentar em alguns pontos) sua base de apoio em cerca de um terço do eleitorado por causa do auxílio emergencial. E o auxílio emergencial terminará. Substituí-lo por um programa de renda básica e investimentos em obras não é tarefa evidente para um governo em dificuldade fiscal que nunca governou de fato. Sem contar as denúncias de corrupção que continuam surgindo contra Bolsonaro e sua família, hoje a fragilidade mais visível de seu governo de recuo tático.

E, no entanto, continua a não haver alternativa. Bolsonaro inaugurou uma era em que não há mais situação e oposição. Mas a maior parte de nós continua pensando em termos do mundo político que deixou de existir, do mundo político anterior à eleição de Bolsonaro.

A primeira versão da ilusão aconteceu sob o governo Temer, lustrado como se fosse uma volta dos tucanos ao poder. Ainda hoje, já sob Bolsonaro, economistas, por exemplo, continuam brigando pela política econômica como se o país ainda fosse governado por PT ou por PSDB. Como se as disputas que travam em papers e mídias sociais, de maneira não raro bruta e violenta, pudesse de fato definir a política econômica. Como se a política econômica ela mesma estivesse de fato em disputa. E como se pudesse ser definida em tuítes e brigas de jornal. É a ilusão máxima que Bolsonaro produz. Ilusão de que ele se aproveita eleitoralmente, sem dúvida.

“Não se trata aqui de igualar ações da direita e da esquerda nesse processo de destruição mútua. Os golpes não foram proporcionais, muito menos justos em termos democráticos. Só que isso agora é secundário”

Uma discussão de fato informada pela ameaça real de um governo autoritário começaria por uma conversa franca e aberta entre os dois campos sobre a atual correlação de forças na política brasileira. Seria já um começo importante. O campo da esquerda democrática poderia então reconhecer que a correlação de forças não lhe permite ascender ao poder com o afastamento de Bolsonaro. Que suas chances estão em 2022. Mas que essas chances dependem de um governo que não seja o de Bolsonaro.

Reconhecendo desde já que um processo bem-sucedido de impeachment de Bolsonaro levará a um governo de direita, a esquerda participaria da frente ampla para afastar o atual presidente, mas não do governo que vier a sucedê-lo. Com isso, a esquerda poderia negociar, dentro da frente ampla democrática, condições para garantir que poderá disputar de maneira justa as próximas eleições gerais. Poderia negociar condições para poder voltar a fazer oposição.

Esquerda e direita democráticas têm de se entender sobre a exigência de que o governo que vier a suceder o de Bolsonaro no caso de seu afastamento seja um governo que governe — o que Bolsonaro nunca fez —, que não seja um governo populista. Ao exigir que o governo que virá após o afastamento de Bolsonaro não seja um governo autoritário, em nenhum sentido possível, restabelecerá que é um governo que se pode apoiar e ao qual se pode fazer oposição. O que hoje é impossível porque governo não há — o que é exatamente a concepção de governo de Bolsonaro que desnorteia os partidos e a divisão entre situação e oposição.

O campo da direita democrática poderia reconhecer que a correlação de forças lhe permite suceder o atual presidente e afastar pelo menos a forma mais imediata da ameaça que representa seu autoritarismo de extrema direita. Mas não lhe permite aniquilar o adversário à esquerda. Teria de reconhecer que mesmo com o afastamento de Bolsonaro — o que não significa de maneira alguma a derrota do projeto autoritário no país, mas seria um passo decisivo nesse sentido —, nenhuma força política, mesmo que em aliança com outras forças políticas, conseguirá governar sem o reconhecimento de uma oposição organizada.

Em suma, a esquerda e a direita democráticas precisam se reorganizar como campos políticos. E, nessa reconstrução de seus respectivos campos, precisariam se ajudar, começando pelo reconhecimento do outro campo como democraticamente legítimo. Conseguir governar democraticamente exige que forças políticas de expressão aceitem ser oposição dentro das regras democráticas. Caberia aos dois campos democráticos reconhecer que esse mínimo democrático foi inviabilizado pela destruição mútua de anos recentes. Caberia reconhecer que essa destruição só vai parar se zerarem o jogo da culpabilização mútua.

Não se trata aqui, como se faz tão frequentemente, de igualar ações da direita e da esquerda nesse processo de destruição mútua de anos recentes. Os golpes não foram proporcionais, muito menos justos em termos democráticos. Só que isso agora é secundário. O fundamental neste momento é reconhecer que toda a destruição mútua realizada recentemente serviu e serve à perpetuação de Bolsonaro e à efetivação de seu projeto autoritário. E que essa constatação exige conceder prioridade absoluta às ações que possam dar um basta a esse processo de destruição mútua. Para que a institucionalidade democrática possa se estabilizar de alguma maneira e permitir o enfrentamento efetivo da ameaça autoritária.

Foi isso o que a janela não aproveitada da pandemia para o afastamento de Bolsonaro ensinou. Mas foi só Bolsonaro quem aprendeu essa lição. O sistema político continua a pensar e a agir como se a eleição de Bolsonaro ainda não tivesse acontecido. Como se ainda estivéssemos em pleno governo Temer. Acostumando-se a viver com fantasmas, por decisão deliberada ou não, o campo democrático prepara mais um pesadelo autoritário para o país.

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24
Set20

A lava jato pariu o gabinete do ódio contra o stf

Talis Andrade

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A campanha contra o Superior Tribunal de Justiça começou na autodenominada Liga da Justiça da República de Curitiba, também auto-apelidada, pela delegada Erika Marena, de Operação Lava Jato. 

Vamos destacar exemplos: 

Na campanha eleitoral para presidente, em 2018, o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava Jato no Paraná, escreveu no Twitter que fará "jejum, oração" e estará "torcendo pelo país" na quarta-feira, 4 de abril de 2018, data em que ele chamou de "dia D da luta contra a corrupção na #LavaJato", referência ao julgamento do habeas corpus preventivo do ex-presidente Lula no Supremo Tribunal Federal (STF). Os ministros decidirão se Lula pode ser preso após a condenação em segunda instância ou se deve aguardar em liberdade os recursos de instâncias superiores (Superior Tribunal de Justiça e STF).

Escreve Joelma Pereira, in Congressoem Foco:

"4ª feira é o dia D da luta contra a corrupção na #LavaJato. Uma derrota significará que a maior parte dos corruptos de diferentes partidos, por todo país, jamais serão responsabilizados, na Lava Jato e além. O cenário não é bom. Estarei em jejum, oração e torcendo pelo país", diz texto publicado pelo procurador neste domingo, 1º de abril.

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No mesmo dia, o juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal do Rio de Janeiro e responsável pela Lava Jato no estado, retuitou a mensagem e endossou o jejum do procurador: "Caro irmão em Cristo, como cidadão brasileiro e temente a Deus, acompanhá-lo-ei em oração, em favor do nosso País e do nosso Povo".

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A mensagem armada do juiz Bretas antecede o famoso grito de Jair Bolsonaro de que Lula "vai apodrecer na cadeia". 
 
Historia Paulo Moreira Leite: Uma semana antes do segundo turno da eleição presidencial, o então candidato do PSL Jair Bolsonaro fez um pronunciamento que se tornará um registro histórico para o dia de hoje, 14 de novembro de 2018, véspera do 139o. aniversário da República:
 

"Seu Lula da Silva, se você estava esperando o Haddad ser presidente para assinar o decreto de indulto, vou te dizer uma coisa: você vai apodrecer na cadeia”.

Foi na Lava Jato que começou a campanha contra o STF,  criando o clima, a permissividade, a ousadia dos ataques ao STF, que facilitaram a criação do gabinete do ódio dentro do Palácio do Planalto, sem que a Justiça cortasse na própria carne. Tudo por medo da Lava Jato que tudo ousa, como uma segunda, paralela, super justiça. 

Patrícia Campos Mello, no The New York Times, explica "por que os brasileiros deveriam ter medo do gabinete do ódio:

Em 13 de junho de 2020, integrantes do “300 do Brasil”, uma milícia de extrema direita formada por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro, atiraram fogos de artifício em direção ao prédio do Supremo Tribunal Federal em Brasília, simulando um bombardeio. “Se preparem, Supremo dos bandidos…bando de bandidos, vocês estão levando o país para o caos, para o comunismo”, disse um dos líderes, que transmitiu o protesto ao vivo em um vídeo. “Acabou, porra”, disse um dos manifestantes, ecoando as palavras usadas por Bolsonaro ao condenar a investigação do Supremo contra alguns dos apoiadores do presidente, envolvidos em campanhas de desinformação e ameaças contra os ministros do STF.

De onde veio esse ódio contra o mais alto tribunal do Brasil?

Durante os meses que antecederam o incidente com os fogos, milhares de contas nas redes sociais, muitas delas falsas, ligadas a apoiadores de Bolsonaro ou a blogueiros de extrema direita, vinham postando obscenidades e ameaças contra os ministros do Supremo. Alguns apoiadores do presidente até falaram em matar e esquartejar ministros e seus familiares".

Postar uma foto, armado de metralhadora, não é uma ameaça explícita?

A imprensa hoje relembra os ataques da Lava Jato:

Do Conjur - O procurador Diogo Castor de Mattos, do Ministério Público Federal, desculpou-se perante o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) por ofensas a ministros do STF, veiculadas em artigo publicado em março de 2019 no site O Antagonista e que recebeu o título de "O mais novo golpe contra a lava jato".

Em decorrência do artigo, foi instaurado um processo administrativo disciplinar (PAD), no CNMP, contra o procurador. O pedido de desculpas foi feito nesta terça-feira (22/9) e ocorreu durante julgamento do caso.

Em sua retratação, Castor afirmou que não teve a intenção de ofender a honra de integrantes do STF ou da Justiça Eleitoral. "Talvez tenha inadvertidamente utilizado algumas palavras de forma descuidada, que deram margem para uma interpretação negativa", tentou se justificar.

"Caso tenha ofendido a honra destas autoridades, em especial a honra de integrantes do STF, dos ministros integrantes da 2ª Turma e do ex-presidente do Supremo ministro Dias Toffoli, o subscritor, humildemente, pede as mais sinceras escusas e neste ato profere o juízo de retratação", completou

Em seu artigo, Castor chamou a 2ª Turma do STF de "turma do abafa" — entre outras ofensas disparadas contra as instituições.

O procurador também informou que vai pedir ao site O Antagonista a retirada do artigo que motivou o processo.

Diante da manifestação de Castor, a relatora do PAD, conselheira Fernanda Marinela, entendeu ser necessário ouvir a vítima dos fatos — ministro Dias Toffoli. Por isso, pediu a suspensão do julgamento, para que a retratação seja levada ao conhecimento de Toffoli.

Espelho meu

Na mesma sessão de julgamento, o CNMP já havia decidido instaurar outro PAD contra Castor, para apurar a conduta do procurador em episódio sobre o "outdoor da lava jato". Trata-se de painel colocado em uma via de acesso ao aeroporto Afonso Pena em março de 2019. Isso para inspirar, atiçar o gabinete do ódio.

 
23
Set20

Na ONU, Bolsonaro se exime de erros na gestão da pandemia e choca ao culpar índios por incêndios

Talis Andrade

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FELIPE BETIM/ El País
 

Diante de uma Assembleia Geral que celebrava o 75º aniversário da ONU, com o lema “O futuro que queremos”, o presidente Jair Bolsonaro inaugurou nesta terça-feira a reunião de líderes —tradição reservada ao Brasil desde 1955— atacando com o mesmo estilo de sempre. Primeiro aos meios de comunicação, por supostamente “espalhar o pânico entre a população” ao longo da pandemia de coronavírus. Depois, sobre os incêndios na Amazônia e no Pantanal, Bolsonaro tentou mais uma vez livrar seu Governo das críticas por sua gestão no combate às queimadas ilegais, afirmando, assim como fizera em seu discurso do ano passado, que o Brasil é “vítima de uma das mais brutais campanhas de desinformação”. Sem mencionar as investigações sobre a ação criminosa de fazendeiros, tanto na Amazônia como no Pantanal, o presidente afirmou que “índios e caboclos” causam as queimadas para sua sobrevivência —novamente, sem citar fatores como a ação de garimpeiros e grileiros. Também fez referência às altas temperaturas no centro-oeste brasileiro como culpadas pelo desastre ambiental.

No discurso gravado para a abertura da reunião —adaptação imposta devido à crise sanitária—, Bolsonaro se valeu de uma leitura simplista sobre as responsabilidades do Brasil na preservação do meio ambiente para defender o avanço do agronegócio. Empresas do setor se juntaram recentemente a ONGs para apresentar propostas para coibir o desmatamento na Amazônia e evitar a fuga de investidores. O presidente, no entanto, destacou o agronegócio brasileiro como possuidor de uma das melhores licenças ambientais do mundo. As críticas fariam parte de uma suposta campanha de desinformação ambiental —uma retórica, aliás, que vários ministros estão adotando.

Essa retórica também vale para a Amazônia. Nela, Bolsonaro, defende que a riqueza local seria alvo da cobiça de instituições internacionais, aliada a grupos brasileiros “aproveitadores e impatrióticos”, que teriam como interesse prejudicar o Governo.

Sobre o Pantantal, a linha do discurso presidencial foi parecida. Ele não mencionou as investigações da Polícia Federal que identificaram o início de alguns focos em quatro fazendas, o que reforça as suspeitas de que os incêndios foram propositais. “Mantenho minha política de tolerância zero com o crime ambiental. (...) Lembro que a região Amazônica é maior que toda a Europa Ocidental. Daí a dificuldade em combater não só os focos de incêndio, mas também a extração ilegal de madeira e a biopirataria”, justificou.

Ainda na área ambiental, Bolsonaro também insinuou que a Venezuela foi a responsável pelo derramamento de óleo que atingiu a costa do Nordeste no ano passado, apesar de as investigações ainda não terem chegado a uma conclusão.

O presidente afirmou ainda que o Brasil utiliza uma parcela pequena de seu território para a agricultura, destacando que o país é líder em conservação de florestas tropicais, possui uma matriz energética mais limpa e diversificada do mundo e é responsável por apenas 3% da emissão de carbono no mundo, apesar de ser umas das dez maiores economias. “Garantimos segurança alimentar a um sexto da população mundial, mesmo preservando 66% de nossa vegetação nativa e usando apenas 27% do nosso território para a pecuária e a agricultura —números que nenhum outro país possui”.

Reações

A fala de Bolsonaro gerou reação de organizações ligadas à defesa do meio ambiente e dos direitos humanos. “Ao arrasar a imagem internacional do Brasil como está arrasando nossos biomas, Bolsonaro prova que seu patriotismo sempre foi de fachada”, afirmou Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima. “Acusou um conluio inexistente entre ONGs e potências estrangeiras contra o país, mas, ao negar a realidade e não apresentar nenhum plano para os problemas que enfrentamos, é Bolsonaro quem ameaça nossa economia. O Brasil pagará durante muito tempo a conta dessa irresponsabilidade. Temos um presidente que sabota o próprio país.”

Já Camila Asano, diretora de programas da Conectas Direitos Humanos, classificou o discurso do presidente de “desrespeitoso aos líderes mundiais”, uma vez “subestima a inteligência e nível de conhecimento e informação de seus pares sobre a crise no Brasil”. Para ela, o mandatário “negou a gravidade da destruição ambiental, culpou ‘caboclos e índios' e atacou o trabalho de organizações ambientais”.

Gestão da pandemia de coronavírus

O presidente também buscou defender seu Governo das críticas pela gestão da pandemia do coronavírus, que no Brasil já matou mais de 137.000 pessoas. Para isso, terceirizou a responsabilidade aos 27 governadores pela gestão das medidas de isolamento e de “restrições de liberdade”, distorcendo a decisão do Supremo Tribunal Federal determinando que as medidas mais duras de distanciamento social deveriam ser respeitadas, fossem elas decretadas por governantes locais ou não. Ao longo da pandemia, Bolsonaro se posicionou de modo contrário às medidas de isolamento decretadas por Prefeituras e Governos estaduais com base nas recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da comunidade científica. “Ao presidente coube o envio de recursos e meios a todo o país”, destacou o presidente, que também promoveu ao longo da crise sanitária o uso da hidroxicloroquina, cujos efeitos contra a covid-19 não foram comprovados cientificamente.

E partiu para o ataque contra a imprensa: “Como aconteceu em grande parte do mundo, parcela da imprensa brasileira também politizou o vírus, disseminando o pânico entre a população. Sob o lema ‘fique em casa e a economia a gente vê depois’, quase trouxeram o caos social para o país”, discursou.

Em seguida, destacou as medidas econômicas de seu Governo. Ele citou o programa de renda básica emergencial de 600 reais (iniciativa do Congresso Nacional) aprovado por ele, para 65 milhões de pessoas, afirmando que suas parcelas “somam aproximadamente 1.000 dólares” —o valor das parcelas individuais é de 600 reais, equivalente a cerca de 120 dólares pelo cambio atual, numa soma dos benefícios no presente e futuro. Também destacou o apoio para ações de saúde e socorro a pequenas e microempresas, assim como a compensação pela perda de arrecadação dos Estados e Municípios.

Política exterior e aceno à base religiosa

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Bolsonaro também afirmou que o Brasil não é apenas “líder em preservação ambiental”, como também se destaca no campo humanitário e dos direitos humanos. E atacou mais uma vez o regime de Nicolás Maduro na Venezuela, ao lembrar que o Brasil acolheu refugiados do país. “A Operação Acolhida, encabeçada pelo Ministério da Defesa, recebeu quase 400 mil venezuelanos, deslocados devido à grave crise político-econômica gerada pela ditadura bolivariana”.

O presidente terminou seu discurso “reafirmando” sua “solidariedade e apoio ao povo do Líbano pelas recentes adversidades sofridas”, assim como confirmando o apoio brasileiro aos acordos de paz entre Israel e os Emirados Árabes Unidos e o Bahrein. “O Brasil saúda também o plano de paz e prosperidade lançado pelo presidente Donald Trump, com uma visão promissora para retomar o caminho da tão desejada solução do conflito israelense-palestino”.

Também acenou para sua base religiosa, ao fazer “um apelo a toda a comunidade internacional pela liberdade religiosa e pelo combate à cristofobia”, destacando que “o Brasil é um país cristão e conservador, e tem na família sua base”.

23
Set20

Comer é luxo

Talis Andrade

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por Urariano Mota

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O ministro Paulo Guedes, que recebe nesse “guedes” a definição de palerma, maníaco ou vadio, no Dicionário Aulete, ou então, se preferir o Dicionário Houaiss, a certeira definição de plural de pequeno jumento, cometeu esta semana mais uma das suas. Diante dos preços escandalosos do arroz, que não permitem mais ao povo almoçar, cravou com poderosos dentes:

“O preço do arroz está subindo porque eles (da gentinha) estão comprando mais – está todo mundo comprando mais”.

Entendam o zurro do ministro. Ele assim zurrou porque em meio ao mais alto desemprego do Brasil, quando o povo carente não tem mais nada a não ser um auxílio de 400 reais, o que aconteceu? Segundo guedes, “os mais pobres estão comprando, estão melhorando a condição de vida”, Pois é claro: em lugar de trabalho e salário, com 400 trocados por mês começaram a consumir arroz como nunca. Incrível, mas até parece que a população já se acostumou ao tipo de voz que sai do ministro. O guedes não consegue abrir a boca sem que alcance altas notas de ornejo. Mas não há mais escândalo.

Por enquanto, o que parece crescer é uma revolta silenciosa, uma surda vingança dos excluídos no Brasil. Há muito pude observar uma vingança nada patológica. Não era nada absurda e nada havia nela que espantasse, ainda que recebêssemos com choque e repulsa os efeitos dos monstros criados. Eu fui despertado por uma notícia de jornal, faz tempo.

Quando houve uma intoxicação geral do Blue Tree Park, em Pernambuco, ninguém perguntou por que os empregados do Hotel não foram também intoxicados. Era e é natural que eles, como animais ou pessoas humanas, não estivessem imunes ao efeito geral. Se eu, empregado, nado com necessidades em meio ao filé, por que dele também não retiro um pedaço? Mas não, não se soube de vítimas entre cozinheiros e garçons. Por quê? A hipótese mais provável era a de que, do cardápio servido, os empregados não tenham comido para matar a fome. Com a minha experiência, digo que certamente provaram, furtaram pequenos, muito pequenos nacos, tão pequenos quanto as suas pessoas. Mas comer, comerem e se envenenarem à farta, não. Isso ficou para os doutores hóspedes.

Entendam. Até hoje, vemos em restaurantes como as pessoas de classe média tratam a pessoa pequena – gentinha – que lhes serve. Que desprezo! O cidadão de direitos do consumidor não olha para o empregado, para o ser que existe sem qualquer garantia. Dirige-lhe, melhor dizendo, rosna, vocifera o prato escolhido e se mantém raivoso, hostil, perigoso e áspero a qualquer aproximação. Pelas carnes gordas e carranca, tais Pessoas – de P maiúsculo – nos lembram sempre a figura de um buldogue, sem coleira sentado em frente à mesa de um circo. Imaginamos sempre a mágoa que fica em um homem, um subalterno, tratado assim por um cão, o Doutor. O quanto o “inferior” é machucado em uma sociedade de classes.

Menos que imaginamos, às vezes vemos, percebemos, sentimos. Quando íamos comprar frios, queijos, sentimos. E aqui a nossa experiência particular devia ter algo de universal. Era flagrante a má vontade com que um empregado ou empregada nos atendia, acintosa a indiferença e dificuldade que ele opunha a qualquer consideração sobre tipo ou maciez do queijo escolhido. “Só tem este”, ou “tem não”, ou “acabou”, ele nos dizia, a custo. Era grande a pena, a mesquinhez com que cortava fatias que, sobrepostas, muito demoravam a atingir o peso dos frios que pedíamos. Isso em lugar de causar alguma raiva, muito nos envergonhava. Porque sabíamos que o empregado nos servia o que não poderia comer, a não ser por furtos, por pequenos e miseráveis furtos, como se fosse um mísero e pequeno roedor.

Agora, com o zurro de guedes, o “tem não” foi atualizado: em lugar de queijo e presunto, o desempregado come como praga todo arroz. Daí que o mercado sobe o preço, para equilibrar melhor a fome com a vontade de comer.

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23
Set20

Dilma aponta as 12 mentiras contadas por Bolsonaro na ONU

Talis Andrade

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por Dilma Roussef

Praticamente não há uma sentença no discurso de Bolsonaro na ONU que não cometa pelo menos uma falsificação, uma manipulação, uma adulteração dos fatos. O Brasil que Bolsonaro descreve não existe, e não existe por causa dele.

As maiores florestas brasileiras ardem em chamas, com recordes de incêndios, e ele culpa os índígenas, que são as primeiras vítimas desses crimes ambientais.

Os maiores biomas do país são consumidos pelo desmatamento ilegal, e ele diz que exerce controle rigoroso sobre a ação dos destruidores das florestas, o que é falso.

O Brasil voltou a registrar a mazela da fome, que maltrata mais de 10 milhões de pessoas, e ele se jacta de estar alimentando o mundo.

Quase 140 mil brasileiros já morreram de Covid19, e ele diz que agiu com rigor para combater a doença. ao mesmo tempo em que culpa os governadores pelas mortes.

Bolsonaro dissimula de maneira contumaz e o faz por cálculo, não por ignorância. Mesmo quando fala na ONU, não é ao mundo que está se dirigindo, mas ao seus seguidores mais radicalizados, que ele mantém mobilizados à base de fake news e deturpações da verdade. Seu objetivo é manter a iniciativa política e a polarização. Foi assim que, na Itália dos anos 1910 e 1920 e na Alemanha dos anos 1930, o fascismo e o nazismo cresceram até chegar ao poder: mobilizando permanentemente uma minoria de seguidores agressivos, capazes de intimidar o campo democrático da sociedade.O mundo já não acredita em Bolsonaro. Parte dos brasileiros já não acredita nele. Mas não há sinal de que ele pretenda parar. Terá de ser parado.

É possível verificar pelo menos 12 falsificações que Bolsonaro apresentou ao mundo, ontem, no seu discurso.

1

A fala – “Desde o princípio, alertei, em meu país, que tínhamos dois problemas para resolver: o vírus e o desemprego, e que ambos deveriam ser tratados simultaneamente e com a mesma responsabilidade.”

A verdade – Bolsonaro negou a gravidade da doença. Tratou-a com desdém, afirmando que era uma gripezinha. Não tomou medidas efetivas para garantir o emprego, propôs R$ 200 de auxílio emergencial e foi apenas diante da pressão da sociedade e da iniciativa da oposição no Congresso que acabou sendo aprovado o valor de R$ 600. Por culpa do governo, o Brasil foi o país que menos aplicou testes. Bolsonaro foi contrário ao isolamento e distanciamento social, ele próprio promovendo e participando de aglomerações e desprezando o uso de máscaras. Defendeu e expandiu a produção de cloroquina, enquanto deixava de adquirir analgésicos para a implantação de tubos respiratórios nos doentes graves.

2

A fala – “Por decisão judicial, todas as medidas de isolamento e restrições de liberdade foram delegadas a cada um dos 27 governadores das unidades da Federação. Ao Presidente, coube o envio de recursos e meios a todo o País.”

A verdade – Bolsonaro vem se escondendo por trás de uma decisão do STF que, supostamente, transferia o poder de enfrentar a Covid-19 para estados e municípios. Trata-se de uma versão inverídica e absurda, pois há uma clara obrigação constitucional da Presidência da República de coordenar ações diante da gravidade da crise sanitária, que já matou 138 mil pessoas; também somos uma Federação e, assim, há o dever intransferível de a União articular a ação dos 26 estados, o Distrito Federal e os 5.570 municípios. O Supremo nunca eximiu o governo federal do dever de agir, nem transferiu seu poder. Apenas deu a estados e municípios o direito de também tomar decisões sobre medidas sanitárias, de isolamento e de distanciamento social, segundo suas circunstâncias específicas.

3

A fala – “Nosso governo, de forma arrojada, implementou várias medidas econômicas que evitaram o mal maior: concedeu auxílio emergencial em parcelas que somam aproximadamente 1000 dólares…”

A verdade – Não houve arrojo, mas mesquinharia. Bolsonaro tentou impor um auxílio emergencial de apenas R$ 200 por mês. O auxílio só foi de R$ 600 por decisão do Congresso, proposta pelo PT e demais partidos de oposição, impondo uma derrota ao governo. Bolsonaro insinua, na fala, que pagou mil dólares por mês. Mas mesmo somadas, as parcelas do auxílio emergencial estarão longe de totalizar mil dólares. Se cumprir o que anunciou, o governo terá pago, até o fim de dezembro, 5 parcelas de R$ 600 e no máximo 4 parcelas de R$ 300. Isto totalizará, na melhor hipótese, R$ 4.200, muito abaixo de mil dólares, que são R$ 5.470. A iniquidade do governo também se fez sentir no tratamento dado aos que têm direito ao auxilio emergencial, na forma de milhões de exclusões injustificadas, atrasos, filas e aglomerações nas agências da Caixa, aplicativos que não funcionam — um labirinto burocrático que transformou a busca por ajuda num grande sofrimento.

4

A fala – “[Nosso governo] assistiu a mais de 200 mil famílias indígenas com produtos alimentícios e prevenção à Covid.”

A verdade – Do projeto aprovado no Senado de apoio às comunidades indigenas, Bolsonaro vetou artigos que obrigavam o governo federal a fornecer água potável, material de higiene e limpeza e cestas básicas às aldeias. Em outro momento, proibiu a entrada de equipes da organização Médicos sem Fronteiras nas comunidades indigenas.

5

A fala – “Não faltaram, nos hospitais, os meios para atender aos pacientes de covid.”

A verdade – O governo federal falhou fragorosamente no planejamento e na distribuição de máscaras, EPIs e respiradores aos hospitais de todo o país. A testagem é uma das mais baixas do mundo. A falta de testes suficientes é uma das causas de o Brasil ter se tornado um dos epicentros da doença no mundo. A maior parte dos recursos federais destinados ao combate à pandemia nos estados não foi liberada de fato, segundo várias reportagens. A maioria das máscaras e equipamentos prometidos não chegou aos hospitais e os estados e prefeituras foram obrigados a agir por conta própria. Faltaram equipamentos e medicamentos nos hospitais, sobrou cloroquina nas prateleiras do ministério da Saúde, comandando por um militar especializado em logística.

6

A fala – “O caboclo e o índio queimam seus roçados em busca de sua sobrevivência, em áreas já desmatadas. Os focos criminosos são combatidos com rigor e determinação.”

A verdade – Praticamente todos os casos de incêndios na Amazônia e no Pantanal identificados ou suspeitos de ação criminosa foram cometidos por fazendeiros, grileiros e invasores de terras públicas e reservas florestais e terras indigenas. Sentiram-se autorizados para tal diante do desmonte das políticas de contenção do desmatamento e da fiscalização. Os caboclos e os indígenas são, sabidamente, vitimas dos incêndios e do desmatamento criminosos, não seus autores. Dados obtidos pelo sistema de monitoramento da NASA mostram que 54% dos focos de incêndios na Amazônia estão relacionados ao desmatamento. No Pantanal, organizações de proteção ambiental informam que incêndios iniciado em 9 fazendas particulares destruiram 141 mil hectares, quase a área da capital de São Paulo. Cinco destas fazendas estariam sendo investigadas pela PF.

7

A fala – “Lembro que a Região Amazônica é maior que toda a Europa Ocidental. Daí a dificuldade em combater, não só os focos de incêndio, mas também a extração ilegal de madeira e a biopirataria. Por isso, estamos ampliando e aperfeiçoando o emprego de tecnologias e aprimorando as operações interagências, contando, inclusive, com a participação das Forças Armadas.”

A verdade – A extração ilegal de madeira e os incêndios criminosos não são combatidos devidamente por causa da leniência deliberada do governo Bolsonaro, que desde ao assumir desautorizou, fragilizou e desmontou a fiscalização, assim como cometeu ataques contra o INPE, tendo, inclusive, demitido seu diretor, um dos cientistas mais respeitados do Brasil. O ministério do Meio Ambiente não apenas suspendeu o trabalho de fiscalização, e cancelou operações, como tem protegido os verdadeiros criminosos ambientais. Chegou a trazer a Brasília, em aviões da FAB, para reunião com o ministro, um grupo de garimpeiros ilegais que atuava em reserva indígena. Em famosa reunião ministerial, filmada e divulgada, o ministro defendeu que o governo aproveitasse a distração criada pela pandemia para, como disse, “passar a boiada” de decretos e portarias que facilitem os crimes ambientais.  

8

A fala – “Somente o insumo da produção de hidroxicloroquina sofreu um reajuste de 500% no início da pandemia.”

A verdade – No Brasil e no mundo, a comunidade científica séria e conceituada alertou o tempo todo, desde o início da pandemia, para o fato de que a cloroquina e a hidroxocloroquina não têm eficácia contra a Covid19, em nenhum estágio da doença, e podem, ao contrário, acarretar efeitos colaterais que levam à morte. Até mesmo Trump, a quem Bolsonaro imitou agindo como garoto-propaganda de um remédio perigoso, abandonou a defesa da cloroquina e, para livrar-se do medicamento que parou de indicar, despachou o estoque para o Brasil.

9

A fala – “No campo humanitário e dos direitos humanos, o Brasil vem sendo referência internacional.”

A verdade – Só se for referência negativa. Desde a posse de Bolsonaro, a situação dos Direitos Humanos no Brasil vem se deteriorando, a ponto de provocar advertências da Alta comissária de Direitos Humanos da ONU, Michelle Bachelet, que denunciou a miliarização de instituições civis, a violência policial, e ataques a ativistas, líderes comunitários e jornalistas.

10

A fala – “Em 2019, o Brasil foi vítima de um criminoso derramamento de óleo venezuelano, vendido sem controle.”

A verdade – Não há nenhuma conclusão ou prova de que a Venezuela tenha contribuído para o derramamento de óleo no Atlântico, trazido pelas correntes marítimas à costa brasileira. O que ficou demonstrado, sobejamente, foi a demora e a inação do governo brasileiro, que levou quase três meses para tomar as primeiras providências em relação ao desastre que atingiu o litoral de 10 estados.

11

A fala – “No primeiro semestre de 2020, apesar da pandemia, verificamos um aumento do ingresso de investimentos, em comparação com o mesmo período do ano passado. Isso comprova a confiança do mundo em nosso governo.”

A verdade – A imprensa informa hoje que do ano passado para cá houve, na verdade, uma queda de 30% nos Investimentos Estrangeiros Diretos no Brasil. E nos primeiros oito meses deste ano o Brasil sofreu uma fuga recorde de capitais, que chegou a US$ 15,2 bilhões. Outra notícia dá conta de que, por causa do estado de paralisia do MEC desde a posse de Bolsonaro, o país deixou de receber os repasses de um empréstimo de US$ 250 milhões do Banco Mundial para dar suporte à reforma do ensino médio.

12

A fala – “O homem do campo trabalhou como nunca, produziu, como sempre, alimentos para mais de 1 bilhão de pessoas. O Brasil contribuiu para que o mundo continuasse alimentado.”

A verdade – O Brasil de fato continua sendo um grande produtor e exportador agropecuário, mas dilapidou a agricultura familiar, que até 2014 era responsável pela produção de 70% dos alimentos consumidos pelo povo brasileiro. Por esta e outras escolhas de índole neoliberal, o Brasil voltou a registrar a calamidade da fome, que aumentou em 43,7% em cinco anos, atingindo mais de 10 milhões de brasileiros.

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23
Set20

O exemplo do iPhone um invento estatal

Talis Andrade

Iñigo ErrejonDeputado espanhol Iñigo Errejon

 

Rogério Tomaz Jr., especial para o 247

Em um discurso que durou pouco mais de um minuto [vídeo abaixo], o deputado espanhol Iñigo Errejon demoliu o mito do “comunista de iPhone”, usado por militantes da direita em qualquer lugar do mundo para alardear os supostos êxitos do capitalismo, que tem em Steve Jobs um símbolo e garoto-propaganda do modelo que defendem como ideal.

Em sessão na Câmara da Espanha, nesta terça-feira (22), Errejon mostrou o seu aparelho de iPhone, que é dado pelo Congresso a todos os parlamentares, e desmontou a falsa ideia de que o produto é fruto do “livre mercado” e da genialidade de Jobs e dos outros engenheiros da Apple, quando na verdade é, em boa medida, resultado do investimento de órgãos estatais financiados pelo conjunto da sociedade.

“Muitas vezes isso é tido como exemplo de ‘empreendedorismo’. Steve Jobs, que começou numa garagem e foi capaz de levar adiante um negócio privado em condições muito difíceis quase por seu mérito individual”, disse o jovem deputado.

“A economista de Londres Mariana Mazzucato se dispôs a estudar de onde vêm a maior parte das aplicações e inovações tecnológicas incorporados pelo iPhone”, continuou Errejon, referindo-se à economista italiana que é professora da tradicional Universidade de Sussex, no sul da Inglaterra.

“E o resultado é que a tela sensível ao toque se desenvolveu na Universidade de Delaware, com dinheiro público da Fundação Nacional para a Ciência. A Internet é um projeto que começa com financiamento público do Departamento de Defesa. O [protocolo] HTTP é do laboratório europeu CERN [público] em Genebra. O GPS, também com investimento público do Departamento de Defesa. As baterias de íon-lítio começaram com uma pesquisa pública do Departamento de Energia”, listou o espanhol, que é doutor em Ciência Política.

O deputado refutou o lugar comum do “comunista de iPhone” que surge cada vez que alguém de esquerda defende ideias de redistribuição de riquezas e de um Estado forte.

“Quando eu olho um iPhone, na realidade o que vejo é a perfeita demonstração de que a única possibilidade de se ter um desenvolvimento industrial é com um papel central de um Estado empreendedor, do qual depois se aproveitam e com o qual depois colaboram muitas empresas privadas”, concluiu.

Errejon, 36, atualmente no grupo “Mais País”, foi um dos fundadores e principais dirigentes do Podemos, partido nascido como resultado da onda de protestos conhecidos como “movimento dos indignados” e pela sigla #15M que varreram a Espanha entre 2011 e 2013.

Em 2018 ele e outros militantes saíram do partido – hoje rebatizado de “Unidas Podemos” – devido a diferenças políticas com Pablo Iglesias, atual ministro de Direitos Sociais do governo Pedro Sanchez (PSOE), e criaram um projeto local na capital espanhola que aos poucos tem se expandido para outras regiões do país.

Ele também é especialista em política latino-americana. Sua tese de doutorado analisou o primeiro governo de Evo Morales na Bolívia (2006-2009) e este ano ele publicou em conjunto com Álvaro García Linera, que foi vice de Evo, o livro “Qué horizonte. Hegemonía, Estado y revolución democrática”.

Agora pense que será do Brasil com a política de Bolsonaro, de Paulo Guedes de vender as empresas brasileiras, os bancos estatais, entregar a Amazônia, o Pantanal, os aquíferos, as riquezas do Brasil? E com a política da Lava Jato que destruiu as grandes empresas estatais e privadas? 

 

 
 

 

 

22
Set20

Bretas ordenou bloqueio de R$ 1 bilhão por suposto desvio de R$ 151 milhões

Talis Andrade

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RUIM DE CONTA

por Luiza Calegari/ ConJur

Ao levantar o sigilo sobre a determinação de bloqueio das contas de advogados e escritórios, o juiz federal Marcelo Bretas tentou expor seus alvos, mas acabou exposto.

Por um erro ocasionado pela troca de sistemas, o ato não chegou a ser efetivado. Com o fim do sigilo, no entanto, foi possível saber que Bretas pediu o bloqueio de mais de R$ 1 bilhão, entre todos os investigados, em uma investigação que apurava supostos desvios de pelo menos R$ 151 milhões, conforme amplamente divulgado pelo Ministério Público Federal do Rio de Janeiro e destacado pelo juiz na decisão.

Bretas até tentou se justificar, mas as contas não fecham: segundo ele, por se tratar de prejuízo à coletividade, "principalmente porque envolve suposto desvio de numerário de entidade paraestatal voltada para o desenvolvimento e bem-estar da população", seria "indubitável a necessidade de arbitrar dano moral mínimo", razão pela qual decidiu estabelecer "para cada investigado o mesmo montante da reparação a título de dano moral". Mesmo que se aceite essa lógica, qualquer estudante do nível fundamental é capaz de dizer que o dobro de R$ 151 milhões não é R$ 1,09 bilhão.

Mas há um problema em aceitar essa lógica: ela contraria entendimento do Supremo Tribunal Federal. Em 2018, a 2ª Turma, no julgamento da Ação Penal 996 (caso de Nelson Meurer), indeferiu o pedido de reparação por danos morais coletivos em caso de corrupção, nos termos do voto do ministro Dias Toffoli.

Em seu voto, o ministro levou em conta que ação penal não é, via de regra, o meio para atribuir reparação por danos morais. "Se, no próprio âmbito da ação civil pública, cujo objeto específico é esse tipo de reparação, já se mostra extremamente tormentoso estabelecer a existência do dano moral coletivo ou difuso e mensurá-lo, que se dirá da tentativa de o fazer, a latere , no processo penal, em que o contraditório e o direito à prova orbitam em torno da pretensão acusatória, vale dizer, do direito de liberdade do imputado", afirmou o ministro em seu voto.

Para o criminalista Pierpaolo Cruz Bottini, é preciso respeitar essa distinção. "Danos morais coletivos não são objeto do processo penal. Os critérios, parâmetros e contornos são objeto de outros ramos do Direito, e lá devem ser apurados e medidos. Deixemos com o direito penal apenas aquilo que é seu objeto natural."

No caso julgado, Toffoli também já tinha considerado equivocada a tentativa da Procuradoria-Geral da República de equiparar os danos morais ao montante supostamente cobrado a título de propina. O voto foi acompanhado por Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski.

Assim, Bretas poderia ser enquadrado na Lei de Abuso de Autoridade (Lei 13.869), que considera crime, em seu artigo 36, "decretar, em processo judicial, a indisponibilidade de ativos financeiros em quantia que extrapole exacerbadamente o valor estimado para a satisfação da dívida da parte e, ante a demonstração, pela parte, da excessividade da medida, deixar de corrigi-la".

A pena prevista é de um a quatro anos de prisão, mas caberia ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) decidir sobre a condenação, uma vez que o bloqueio não foi feito devido a falha do sistema.

Ruim de conta
Além da ilegalidade, os cálculos do bloqueio são mal explicados. Alguns exemplos são gritantes: no trecho em que diz que vai individualizar a suposta conduta criminosa de cada agente, Bretas apontou que um escritório de São Paulo teria recebido R$ 67,8 milhões ao longo de quatro anos por prestação de "pretensos" serviços jurídicos.

Esse é o valor apontado por relatório da Receita Federal, oriundo de quebra de sigilo. No entanto, o bloqueio ordenado por Bretas para esse caso era de R$ 237 milhões. Na individualização da conduta de outros escritórios, ele diz que a banca em questão teria recebido repasses, mas em nenhum momento especifica como a quantia atingiu os R$ 237 milhões finais.

Na justificativa para o bloqueio do segundo escritório, Bretas soma os valores que foram provenientes de pagamentos da Fecomercio (R$ 4,8 milhões) com o recebimento de outra quantia paga à parte (R$ 975 mil) e de outro montante que teria sido repassado a um auditor do TCU (R$ 827 mil). Somados os valores e multiplicados por dois, o bloqueio ordenado, de R$ 13 milhões, se justificaria. O problema é que os R$ 827 mil também embasaram o pedido de bloqueio das contas do auditor (R$ 1,65 milhão, já que o dano moral dobraria o montante). Ou seja, o juiz "cobrou" quatro vezes pelo mesmo "delito".

Em relação ao terceiro escritório listado na decisão por Bretas, por meio da quebra de sigilo ordenada judicialmente, a Receita apontou o recebimento de R$ 17,7 milhões pela Fecomercio, dos quais parte teria sido repassada, de acordo com a denúncia, a outros três escritórios. O bloqueio ordenado pelo juiz federal? R$ 43,1 milhões. Novamente, sem especificar de onde teria surgido o restante do dinheiro.

Um último exemplo: para justificar o bloqueio de R$ 5 milhões nas contas de um escritório que sequer fechou contratos com a Fecomercio, Bretas diz genericamente que a banca recebeu repasses de outros advogados, atuando de forma ilegal, mas cita nominalmente apenas um repasse de R$ 1,6 milhão.

Na maioria dos casos, o próprio juiz afirma na decisão que existem contratos entre as bancas e a Fecomercio, mas o MPF do Rio alega que os serviços não foram efetivamente prestados, e que os pagamentos foram efetuados para garantir tráfico de influência com ministros de cortes superiores (TCU e STJ). Para se sustentar, essa alegação atrairia a competência da Procuradoria-Geral da República e dos ministros do Supremo Tribunal Federal para o julgamento, conforme afirma a OAB em reclamação apresentada ao STF.

Bloqueio desastrado
Nesta sexta-feira (18/9), Bretas admitiu ter ordenado o bloqueio de contas de escritórios, mas afirmou que era para ter acontecido no dia da operação, como é de praxe. Já que o bloqueio não constaria do sistema, ele levantou o sigilo sobre o pedido, expondo os alvos da operação — isso após a divulgação de notícias, da Folha de S.Paulo e da ConJur, de que alguns escritórios relataram estar com suas contas indisponíveis.

Segundo Bretas, a mudança do sistema BacenJud para o SisbaJud ocasionou um erro técnico, e o bloqueio não foi feito. "Somente no dia seguinte, ao que tudo indicava, a ordem teria sido finalmente transmitida aos bancos, porém até hoje não consta do Sisbajud a confirmação de que a ordem foi cumprida", afirmou, justificando o levantamento do sigilo.

Outras incompetências
Na última quarta-feira (9/9), Marcelo Bretas autorizou o maior bote contra a advocacia já registrado no país, ordenando o cumprimento de 75 mandados de busca e apreensão contra escritórios, casas de advogados e empresas (mais do que os 50 estimados anteriormente, e 33 deles em endereços residenciais).

A ordem foi considerada uma tentativa de criminalização da advocacia pela comunidade jurídica. Além disso, tem erros de competência, já que a Fecomércio é uma entidade privada e deveria ser investigada pela Justiça Estadual; e de imputação de crimes, já que seus dirigentes não podem ser acusados de corrupção nem peculato. Em outra vertente há quem entenda que, por pretender investigar ministros do STJ e do TCU, a competência seria do STF.

Entre os abusos registrados pela decisão, há duas ordens de busca e apreensão em casas de desembargadores — um deles com mandato no TRE de Alagoas, e outro casado com uma advogada que foi alvo. Especialistas ouvidos pela ConJur afirmam que apenas o Superior Tribunal de Justiça poderia ter emitido as ordens.

Uma semana depois do ataque, um grupo de seccionais da OAB protocolou uma reclamação no Supremo Tribunal Federal contra os abusos e violações das prerrogativas cometidos por Bretas.

O bote se baseia na delação do ex-presidente da Fecomercio do Rio de Janeiro, Orlando Diniz. O empresário já foi preso duas vezes e vinha tentando acordo de delação desde 2018 — que só foi homologado, segundo a revista Época, depois que ele concordou acusar grandes escritórios de advocacia. Em troca da delação, Diniz ganha a liberdade e o direito de ficar com cerca de US$ 1 milhão depositados no exterior.

Trechos vazados da delação de Diniz ainda mostram que o empresário foi dirigido pelo Ministério Público Federal do Rio no processo. Em muitos momentos, é uma procuradora quem explica a Diniz o que ele quis dizer. Quando o delator discorda do texto atribuído a ele, os procuradores desconversam, afirmando que vão detalhar nos anexos.

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21
Set20

Governo Bolsonaro deve ser principal processado por política de devastação no Pantanal

Talis Andrade

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Da decisão do presidente vieram cortes de verbas, redução dos quadros técnicos e científicos e nomeações de dirigentes inabilitados

 

por Janio de Freitas

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O governo Bolsonaro deve ser o primeiro e principal processado pelo crime de devastação incendiária do Pantanal. As leis de proteção ambiental e numerosos acordos internacionais de que o Brasil é signatário, assim como a própria Constituição, foram e continuam transgredidos na meticulosa desmontagem do sistema de vigilância, prevenção e combate às agressões ao patrimônio natural. Esta é, notoriamente, uma rara política de governo em um governo sem políticas.

É notória, aqui e no mundo, a responsabilidade pessoal e direta de Bolsonaro. Da sua decisão vieram os cortes de verbas, a redução dos quadros técnicos e científicos, e as nomeações de dirigentes inabilitados em setores como Ibama, Funai, ICMBio, INPE, e os outros de importância vital para a Amazônia, o Pantanal e os povos indígenas.

Amazônia tem 2º pior agosto de desmate, atrás só de 2019” (já governo Bolsonaro). “Em 14 dias, Amazônia queimou mais que em setembro de 2019.” Títulos como estes recentes, da Folha, sucederam-se desde a posse de Bolsonaro. E, por consequência, a do executor do projeto de desmonte da proteção ambiental, Ricardo Salles —já condenado por improbidade na secretaria do Meio Ambiente de um governo paulista de Geraldo Alckmin.

A indiferença de Bolsonaro ao clamor interno e internacional, a cada pesquisa de desmatamento e queimadas, só não foi completa por suas provocações e represálias administrativas. Entre elas, a demissão escandalosa do cientista Ricardo Galvão, conceituado presidente do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais que divulgou, como de hábito e do seu dever, o crescimento alarmante da devastação amazônica no então novo governo.

Constatado que o fogo no Pantanal tornava-se incontrolável, a explicação foi imediata: não era tanto pelo fogo, mas pela falta de equipes habilitadas para combatê-lo. Explicação complementar: a verba deste ano para combatentes a queimadas, em comparação com a de 2019, foi cortada em mais de metade. A dimensão da tragédia pantaneira não estava prevista, mas o fogaréu na Amazônia já exigia maior investimento, e não perda de verba.

Acima das necessidades está a política contra a Amazônia e a riqueza ambiental. Com mais provas oferecidas pelo próprio governo. O Orçamento para 2021 mandado por Bolsonaro ao Congresso, por exemplo, corta ainda mais os recursos dos setores de monitoramento, defesa e pesquisa visados pela destruição programada.

Essa política transgride a legislação. É criminosa. Proporciona a apropriação de terras do patrimônio da União, o desmatamento e o contrabando de madeira valiosa. Protege o garimpo ilegal e se incorpora a toda essa criminalidade. Bolsonaro e seu governo são passíveis de processo criminal — e o merecem.

Voz séria

A esquerda brasileira está chamada a refletir sobre o apoio incondicional a Nicolás Maduro e ao regime venezuelano. O mais recente relatório a pedir “investigações imediatas” do governo Maduro, sobre torturas e execuções extrajudiciais, saiu sob a responsabilidade de Michelle Bachelet. Alta comissária do Conselho de Direitos Humanos da ONU, a ex-presidente do Chile não se confunde com instrumentos da guerra de propaganda e outras guerras dos Estados Unidos contra o governo Maduro.

Conquistas proporcionadas à maioria desde sempre desvalida, mantidas ou mesmo ampliadas por Maduro, não se confundem com criminalidade política.

Em cena

Durante alguns dias, as notícias foram inflando: a equipe econômica quer congelar aposentadoria por dois anos, governo quer cortar R$ 10 bilhões do auxílio a idosos e pobres com deficiências, senador bolsonarista (Márcio Bittar, MDB-AC) quer congelar salário mínimo. Então Bolsonaro saca a espada e salva os ameaçados. Com a TV devidamente preparada para o ato. Quem de nada desconfiou tem, ainda, uma chance. O que Abraham Weintraub fez para receber cargo precioso, quando deveria ser excluído do governo pelos insultos vagabundos ao Supremo e seus ministros? Nada. A menos que alguém lhe devesse uma compensação, por se dar mal em um gesto, como diziam, a pedidos.

 

 

20
Set20

Janio de Freitas diz que Bolsonaro deve ser principal processado por política de devastação no Pantanal

Talis Andrade

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247 - Em artigo na Folha de S.Paulo, o jornalista Janio de Freitas afirma que o governo federal deve ser o principal processado pela política de devastação que assola o Pantanal, pois a partir da decisão de Jair Bolsonaro "vieram cortes de verbas, redução dos quadros técnicos e científicos e nomeações de dirigentes inabilitados".

"O governo Bolsonaro deve ser o primeiro e principal processado pelo crime de devastação incendiária do Pantanal. As leis de proteção ambiental e numerosos acordos internacionais de que o Brasil é signatário, assim como a própria Constituição, foram e continuam transgredidos na meticulosa desmontagem do sistema de vigilância, prevenção e combate às agressões ao patrimônio natural", afirma o jornalista.

Segundo ele, as ações fazem parte de "uma rara política de governo em um governo sem políticas". "É notória, aqui e no mundo, a responsabilidade pessoal e direta de Bolsonaro", acrescentou.

Freitas diz que Bolsonaro fornece todas as condições para ser responsabilizado pessoal e direta. "É criminosa", diz ele sobre a política do governo. 

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19
Set20

O voto exemplar de uma desembargadora que cobra uma Lava Jato dentro da lei

Talis Andrade

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O voto de Simone Schreiber é auspicioso porque parece que o Judiciário brasileiro começa a despertar do transe provocado pela Lava Jato, diz Reinaldo Azevedo

por GGN

Reinaldo Azevedo publicou em seu blog no UOL a íntegra do voto da desembargadora Simone Schreiber no julgamento, pelo Órgão Especial do TRF-2, que decidiu pela punição do juiz Marcelo Bretas.

Segundo o jornalista, a desembargadora deixa claro o óbvio: “o juiz participou, sim, de atos político-eleitorais — e, por consequência, digo eu, partidários.”

“Seu voto é auspicioso porque parece que o Judiciário brasileiro começa a despertar do transe provocado pela Lava Jato, esses longos seis anos em que se tem confundindo o necessário combate à corrupção com a corrosão do estado de direito e com a agressão permanente ao devido processo legal”, descreveu Azevedo.

“Simone faz clara objeção, por exemplo, à aberração que consiste um juiz federal destinar dinheiro decorrente de multas pagas por delatores para Prefeituras ou para algum outro setor da administração.” Além disso, “vai ao centro dos desatinos em curso quando critica o que chama de ‘supercompetência’ da Lava Jato, a partir de conexões não muito claras entre os casos investigados.”

GGN reproduz o voto resgatado por Reinaldo Azevedo abaixo (os intertítulos são do jornalista):

EXPLORAÇÃO DO PRESTÍGIO DA LAVA JATO

“Entendo que o fato de o juiz ser responsável pela Operação Lava Jato, que tem como alvo inúmeros políticos do Rio de Janeiro, aumenta a sua responsabilidade no que se refere a um comportamento de autopreservação. Isso aumenta a sua responsabilidade. Ele deve se conduzir de maneira absolutamente reservada; ele deve se preservar. Ele não deve permitir que alguns políticos, ou que alguns segmentos desse mundo político, capitalizem para si o que seria o sucesso da operação Lava Jato.

Então, os resultados obtidos com a operação Lava Jato, na verdade, as condenações que foram feitas, as absolvições, o dinheiro que foi recuperado, tudo isso deve representar o resultado de um trabalho sério feito pela Justiça, um trabalho imparcial da Justiça. A Justiça não pode simplesmente permitir que esse tipo de resultado acabe sendo interpretado como um apoio a alguns segmentos políticos; que ele seja aproveitado por alguns segmentos políticos como discurso de palanque.

Evidentemente, o juiz deve se privar, deve se restringir, ele não deve se permitir subir no palanque com um político. Independentemente de ser um palanque de púlpito ou de inauguração de obra. Esse comportamento, um juiz não pode ter. Ele não pode agir assim. Ele não pode ser ingênuo a esse ponto, acreditando que isso não signifique uma capitalização política da Operação Lava Jato. Isso acaba gerando uma dúvida, um descrédito sobre o próprio Poder Judiciário, especificamente do nosso tribunal.”

O DINHEIRO E OS MÉTODOS DA LAVA JATO

“No caso do juiz Marcelo Bretas, algumas coisas me chamaram a atenção no interrogatório, e eu registrei aqui no meu resumo. Várias vezes, o juiz Marcelo Bretas falou sobre como o fato de ele ter destinado alguns dinheiros, alguns recursos recuperados na Operação Lava Jato, para a Segurança Pública aproximou o juiz Marcelo Bretas de algumas figuras militares que acabaram, depois, sendo enaltecidas nas suas redes sociais. E como, também, em determinado momento, houve uma demanda do prefeito Marcelo Crivella para que ele doasse recursos públicos para a Prefeitura.

Eu chamo a atenção de Vossas Excelências para o fato de que alguns comportamentos e alguns métodos que foram utilizados nessa Operação Lava Jato devem ser objetos de reflexão aqui pelo tribunal, inclusive essa autonomia que se dá ao juiz para decidir destinação de recursos públicos, e o juiz, eventualmente, poder decidir se ele vai destinar os recursos a uma Prefeitura, a um esforço pela segurança pública do Rio de Janeiro.

Eu acho que isso não compete a nós, juízes. O juiz não deveria ter essa liberdade. Isso acaba fazendo com que alguns laços sejam firmados, alguns laços que não deveriam ser firmados. O próprio juiz parece não ter consciência disso quando ele reforça que vínculos foram construídos — vínculos que ele considera de admiração pelo seu trabalho a partir de determinados comportamentos adotados na condução dessa operação.

Então algumas questões devem ser pensadas. Não estou dizendo aqui que a operação Lava Jato não tenha a sua importância. E que ela não tenha sido uma importante mudança de paradigma de algumas questões que nós conhecemos no direito penal, especialmente a questão da seletividade. E que ela não tenha permitido a apuração de crimes muito relevantes, recuperação de valores num patamar muito importante e, eventualmente, punição de pessoas que geralmente não são atingidas pela Justiça Penal, pelo aparato repressivo penal.

Mas isso traz desafios, isso traz responsabilidades”.

A SUPERCOMPETÊNCIA: É TUDO LAVA JATO?

“Eu também sou crítica, aproveito para dizer isso aqui, dessa questão da supercompetência, das conexões que vão se estendendo indefinidamente. E o juiz se queixa em seu interrogatório. Diz que há quatro anos, cinco anos, ele é juiz da Lava Jato e [que] isso impõe a ele sacrifícios muito desproporcionais. Contudo, essa superconexão, que faz com que a operação acabe pessoalizada — um juiz é símbolo de todo um esforço de combate à corrupção –, isso também é muito pernicioso para a Justiça.

Eu acho que, com essa medida de censura ao juiz Marcelo Bretas, talvez nós possamos um pouco corrigir o curso das coisas e trazer as questões da Operação Lava Jato para um patamar mais normal, de como deve ser conduzido todo o processo criminal… Um patamar mais republicado, um patamar mais impessoal, resgatando a ideia da imparcialidade do Poder Judiciário no trato desses processos criminais.

Diversos corregedores que antecederam o doutor Luiz Paulo já ressaltaram que o doutor Marcelo Bretas foi orientado na Corregedoria, foi orientado individualmente, foi orientado verbalmente sobre o risco desse comportamento, e o juiz ainda não compreendeu bem qual é o seu papel e qual deve ser a sua postura na condução desse processo. Então me parece que essa é uma boa oportunidade.

ATIVIDADE POLÍTICO-PARTIDÁRIA, SIM!

“E, em relação aos fatos que estão narrados na portaria de instauração, eu não considero adequado que um juiz compareça a um culto religioso, independentemente de caracterizar ou não atividade político-partidária. Evidentemente, ele subiu num palanque porque [era] um culto religioso de grandes dimensões, que reúne centenas de milhares de pessoas, num ambiente público, com um presidente da República e com um prefeito num ano eleitoral…

Ele, várias vezes, no seu interrogatório, diz que, na verdade, o presidente da República não está em disputa eleitoral direta e, portanto, não era um ato com caráter eleitoral. O prefeito está em campanha. Ele é pré-candidato à Prefeitura do Rio de Janeiro. Esse evento ocorreu no mês de fevereiro desse ano. E, também, desculpem dizer, o presidente sempre está em atividade político-eleitoral, independentemente de ser para o cargo que ele próprio ocupa, mas ele também precisa construir as suas bases. Isso é compreender o funcionamento do regime democrático.

O presidente não está exercendo atividade político-eleitoral só no ano em que ele é candidato à reeleição a presidente da República. Ele tem de fazer isso. Ele tem de se articular politicamente o tempo inteiro. Então é bom que o juiz Marcelo Bretas receba agora essa censura porque ele precisa compreender que essa é uma maneira como ele não pode se comportar, independentemente de o culto ter tido um caráter mais preponderantemente religioso.

E a questão da inauguração da obra, nem é preciso dizer a natureza político-partidária, de promoção de políticos, que é a inauguração de uma obra pública, que não tem nada a ver com o Poder Judiciário. Ainda que tivesse, o juiz não está representando o Poder Judiciário nesse evento porque ele não tem procuração de nenhum de nós para representar o nosso tribunal em nenhum evento”.

 
 
 
 

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