"A PM é a instituição mais genocida do Brasil"
Protesto contra violência policial no Rio de Janeiro: "vítimas são na grande maioria a população negra, jovem, favelada"
por Marcio Damasceno/ DW
A fabricante de armas Heckler & Koch (H&K), uma das maiores do ramo na Alemanha, anunciou na quinta-feira (27/08) que não exportará mais armamento para o Brasil, citando como motivos "as mudanças políticas" no país, "especialmente as agitações políticas antes das eleições presidenciais e a dura ação da polícia contra a população", conforme afirmou o porta-voz da empresa em reunião anual de acionistas.
O anúncio confirmou a decisão divulgada na reunião de acionistas da H&K do ano passado, de "não fornecer mais armas para o país depois da eleição de Jair Bolsonaro". A medida foi divulgada após questionamentos da Associação de Acionistas Críticos da Alemanha, entidade que forma uma rede de organizações alemãs que compram ações de empresas para cobrar delas respeito a temas como direitos humanos e meio ambiente, entre outros.
Na opinião do ativista Christian Russau, membro do conselho de direção da ONG, essa é uma pequena vitória para um objetivo ainda maior: a proibição da venda de armas alemãs para o Brasil.
"A Polícia Militar no Brasil é, na minha visão, a instituição mais genocida do país, e as vítimas são na grande maioria a população negra, jovem, favelada. Enquanto ainda faltar um controle democrático e efetivo das ações dessa polícia, não deveria ter exportações de armas da Alemanha", diz Russau.
Em entrevista à DW Brasil, o cientista político e escritor explica como a associação atua e quais os principais problemas abordados pela ONG sobre o papel de empresas alemãs em possíveis violações e abusos no Brasil.
DW Brasil: Pode-se dizer que a suspensão da venda de armamentos ao Brasil pela Heckler & Koch é uma vitória da Associação de Acionistas Críticos da Alemanha?
Christian Russau: É a vitória de muitos grupos que durante muitos anos criticaram a H&K por causa das armas que eles exportaram, por exemplo, para o México, algo proibido pela legislação alemã. Esses grupos fizeram muita pressão, então a imagem da empresa nos últimos anos vinha piorando bastante.
Pode ser que, considerando que as vendas para o Brasil não representam tanto financeiramente, a companhia tenha avaliado que a má imagem não era algo que compensasse nesse caso. Então eles talvez tenham preferido, dessa vez, fazer papel de bonzinhos.
Isso é para nós uma pequena vitória. Claro que queríamos que o Brasil fosse banido pelo Estado alemão de receber armas. A empresa Sig Sauer tem planos de fechar aqui e abrir uma joint venture no Brasil. Achamos que, segundo as leis de exportação alemãs, isso deveria ser proibido e também que a Glock, da Áustria, não deveria mais fornecer armas para o Brasil. Mas para que isso ocorra, os ativistas da Áustria deveriam fazer pressão sobre a Glock.
Por que a Alemanha deveria proibir a venda de armas de empresas alemãs ao Brasil?
A Polícia Militar no Brasil é, na minha visão, a instituição mais genocida do país, e as vítimas são na grande maioria a população negra, jovem, favelada. Enquanto ainda faltar um controle democrático e efetivo das ações dessa polícia, não deveria ter exportações de armas da Alemanha.
Como a associação tem agido em relação ao atual governo brasileiro?
Poucos meses antes das eleições, houve uma sabatina na Confederação Nacional da Indústria (CNI), e lançamos uma nota protestando contra o comportamento da CNI, elogiando um político que tem comportamento e discurso fascista, algo totalmente perigoso. Criticamos especialmente as empresas alemãs, que não são membros da CNI, mas, pelas suas filiais brasileiras, são membros das entidades empresariais estaduais.
Criticamos que as empresas alemãs estejam no Brasil fazendo negócios e até mesmo elogiando o governo Bolsonaro, dizendo que os ministérios da Economia e Infraestrutura estão levando o país para frente e que é necessário flexibilização das leis ambientais, desmantelar o sistema de licença prévia, licença de instalação e operação, algo que é muito importante para garantir o direito das pessoas e das comunidades que estão na área de grandes empreendimentos.
Então, fazemos as campanhas criticando, esperando que algumas delas acordem e comecem a se distanciar ativamente de um governo literalmente fascista, como avalio o governo Bolsonaro.
Pode citar algum exemplo de outros avanços já conseguidos no que diz respeito ao Brasil?
Tivemos sucesso, por exemplo, no caso da Allianz, que é uma das maiores seguradoras do mundo e fez uma parte do seguro da hidrelétrica Belo Monte. Em 2013, questionamos o papel da empresa na Belo Monte, em relação às consequências ambientais e também violações de direitos humanos. Desde então, a Allianz se comprometeu a não assegurar projetos em que o direito à Consulta Prévia, Livre e Informada (CPLI) dos povos indígenas não é respeitado.
Com isso, vários projetos na Amazônia, por exemplo, podem deixar de ser assegurados pela Allianz, se são empreendimentos em que a CPLI não é respeitada. E se soubermos que a Allianz está envolvida neles, poderemos protestar fortemente.
A ideia é que isso se dissemine para outras seguradoras, e que essas empresas tenham mais dificuldade em conseguir seguro, e mais dificuldades em conseguir financiamentos para empreendimentos e, dessa forma, mudar algo gradualmente. Somos nitidamente fracos porque só temos uma ação de cada empresa, mas podemos tentar algumas coisas. (Transcrevi trechos)