Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

O CORRESPONDENTE

30
Mar19

Paulo Coelho descreve em artigo como foi torturado: “É isso que Jair Bolsonaro quer celebrar?”

Talis Andrade

paulo coelho.jpg

“Dizem que não quero cooperar, jogam água no chão e colocam algo nos meus pés, e posso ver por debaixo do capuz que é uma máquina com eletrodos que são fixados nos meus genitais", descreve o escritor

Paulo-Coelho.jpg

Forum - O escritor Paulo Coelho publicou, nesta semana, artigo no Washington Post onde, por conta do anúncio do presidente Jair Bolsonaro de querer comemorar ‘devidamente’ o golpe de 31 de março, descreve tortura sofrida por ele durante o regime militar.

O escritor conta que, em 28 de maio de 1974, seu apartamento foi invadido por um grupo de homens armados. “Começam a revirar gavetas e armários – não sei o que estão procurando, sou apenas um compositor de rock”, diz.

“Sou levado para o DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), fichado e fotografado. Pergunto o que fiz, ele diz que ali quem pergunta são eles. Um tenente me faz umas perguntas tolas, e me deixa ir embora. Oficialmente já não sou mais preso: o governo não é mais responsável por mim. Quando saio, o homem que me levara ao DOPS sugere que tomemos um café juntos. Em seguida, escolhe um táxi e abre gentilmente a porta. Entro e peço para que vá até a casa de meus pais – espero que não saibam o que aconteceu”, afirma.

O relato do escritor toma outro rumo: “No caminho, o táxi é fechado por dois carros; de dentro de um deles sai um homem com uma arma na mão e me puxa para fora. Caio no chão, sinto o cano da arma na minha nuca. Olho um hotel diante de mim e penso: ‘não posso morrer tão cedo’”, escreve.

“Sou levado para a sala de torturas, com uma soleira. Tropeço na soleira porque não consigo ver nada: peço que não me empurrem, mas recebo um soco pelas costas e caio. Mandam que tire a roupa. Começa o interrogatório com perguntas que não sei responder. Pedem para que delate gente de quem nunca ouvi falar. Dizem que não quero cooperar, jogam água no chão e colocam algo nos meus pés, e posso ver por debaixo do capuz que é uma máquina com eletrodos que são fixados nos meus genitais”, destaca.

O relato ganha ares de dor. “Entendo que, além das pancadas que não sei de onde vêm (e portanto não posso nem sequer contrair o corpo para amortecer o impacto), vou começar a levar choques. Eu digo que não precisam fazer isso, confesso o que quiser, assino onde mandarem. Mas eles não se contentam. Então, desesperado, começo a arranhar minha pele, tirar pedaços de mim mesmo”, diz o escritor, numa cena parecida com a que descreve em seu livro “Hippie”.

No dia seguinte, outra sessão de tortura, com as mesmas perguntas. “Depois de não sei quanto tempo e quantas sessões (o tempo no inferno não se conta em horas), batem na porta e pedem para que coloque o capuz. O sujeito me pega pelo braço e diz, constrangido: não é minha culpa. Sou levado para uma sala pequena, toda pintada de negro, com um ar-condicionado fortíssimo. Apagam a luz. Só escuridão, frio, e uma sirene que toca sem parar.”

“Quando acordo estou de novo na sala. Luz sempre acesa, sem poder contar dias e noites. Fico ali o que parece uma eternidade. Anos depois, minha irmã me conta que meus pais não dormiam mais; minha mãe chorava o tempo todo, meu pai se trancou em um mutismo e não falava”, escreve.

“Já não sou mais interrogado. Prisão solitária. Um belo dia, alguém joga minhas roupas no chão e pede que eu me vista. Me visto e coloco o capuz. Sou levado até um carro e posto na mala. Giram por um tempo que parece infinito, até que param – vou morrer agora? Mandam-me tirar o capuz e sair da mala. Estou em uma praça com crianças, não sei em que parte do Rio.”

O retorno à casa não deixa de ser dramático. “Minha mãe envelheceu, meu pai diz que não devo mais sair na rua. Procuro os amigos, procuro o cantor, e ninguém responde aos meus telefonemas. Estou só: se fui preso devo ter alguma culpa, devem pensar. É arriscado ser visto ao lado de um preso. Saí da prisão mas ela me acompanha. A redenção vem quando duas pessoas que sequer eram próximas de mim me oferecem emprego. Meus pais nunca se recuperaram.”

 

30
Mar19

Como o Império preparou a Lava Jato e copiou a Justiça brasileira

Talis Andrade


Já havia elementos suficientes mostrando a preparação da Lava Jato pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos. O encontro da AJUFE despertou pesquisadores, que localizaram um telegrama, no Wikileaks, que descreve com previsão como começou a Lava Jato

moro petrobras tio sam.jpg

 

Por Luis Nassif 

----

O próximo evento da AJUFE (Associação dos Juízes Federais), financiado pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos, é uma continuação do Projeto Pontes, que transformou definitivamente a Justiça e o Ministério Público Federal em instrumentos de disputas geopolíticas.

 

Já havia elementos suficientes mostrando a preparação da Lava Jato pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos. O encontro da AJUFE despertou pesquisadores, que localizaram um telegrama, no Wikileaks, que descreve com previsão como começou a Lava Jato.

 

De 4 a 9 de outubro de 2009, foi montado seminário similar no Rio de Janeiro, com o título “Crimes financeiros”, bancado pelo DoJ, com a participação de juízes e procuradores de cada um dos 26 estados brasileiros e do Distrito Federal, mais de 50 policiais federais e mais de 30 procuradores, juizes e policiais estaduais. Participaram também membros do México, Costa Rica, Panamá, Argentina, Uruguai e Paraguai.Foi um seminário de uma semana, sob o álibi genérico de combate ao terrorismo.

 

Foi o primeiro evento do Projeto Pontes, cuja missão era consolidar o treinamento das polícias para a aplicação da lei bilateral. Cuidou-se de concentrar em trabalhos práticos, evitando os temas teóricos – que, aliás, poderiam enveredar por aspectos legais da cooperação.

 

Segundo a nota do Wikileaks, em geral as autoridades brasileiras preferiam termos mais genéricos, como “crimes transnacionais”, evitando qualquer referência ao terrorismo. Naquele ano, a conduta mudou. No telegrama da Wikileaks, anota-se o fato de que, ao contrário das reuniões com o Ministério das Relações Exteriores e da Justiça, onde se evitava o termo terrorismo, o público da conferência estava claramente interessado no tema.

 

Terrorismo, aliás, a palavra-chave para a cooperação internacional e, especialmente, para a parceria entre juízes e procuradores brasileiros com as áreas de segurança do governo americano – leia-se DHS e CIA.

 

O treinamento foi amplo e prático, incluindo a preparação de testemunhas. Nas conclusões do seminário estava a necessidade de, no futuro, as investigações se basearem em forças tarefas, como maneira mais efetiva “de combater o terrorismo no Brasil”.

 

Segundo as avaliações do telegrama, o seminário demonstrou claramente que os juízes federais, promotores e outros profissionais da lei estavam menos preocupados com o campo minado político e “genuinamente interessados em aprender como melhor envolver o processo judicial na luta contra o terrorismo”.

 

Os dois conferencistas mencionados no telegrama foram o Ministro da Justiça Gilson Diap e o juiz paranaense Sérgio Moro. Dipp participou por desinformação; Moro por estar plenamente integrado ao Departamento de Justiça, por conta da parceria no caso Banestado. Nos debates, o tema principal versou sobre as sugestões dos brasileiros sobre como trabalhar melhor com os EUA.

 

Entre as diversas solicitações, pedia-se treinamento especial sobre a coleta de provas, interrogatórios e entrevistas, habilidades em tribunais e o modelo de força tarefa proativa, com a colaboração entre procuradores e as forças de segurança. Saía-se do campo estritamente penal, para o campo geopolítico.

 

Pediram conselhos, também, para mudar o código penal. Os americanos defenderam mudanças recentes no código, como a exigência do exame direto das testemunhas pela promotoria e pela defesa, não pelo juiz, e o uso de depoimentos ao vivo, em vez de declarações escritas. No entanto, dizia o telegrama, os brasileiros confessaram não saber como utilizar as novas ferramentas, mostrando-se ansiosos para aprender.

 

Os especialistas americanos notaram que o fato da lavagem de dinheiro já estar na alçada dos tribunais federais tornava mais eficaz o combate à corrupção de alto nível. “Consequentemente”, diz o telegrama, “há uma necessidade contínua de fornecer treinamento prático a juízes federais e estaduais brasileiros, promotores e agentes da lei com relação ao financiamento ilícito de condutas criminosas”.

 

Sugeriu-se a preparação de um projeto piloto. Os locais ideais, dizia o telegrama seriam São Paulo, Campo Grande e Curitiba. Apresentou-se o desenho do piloto: “Forças-tarefa podem ser formadas e uma investigação real usada como base para o treinamento, que evoluiria sequencialmente da investigação até a apresentação e a conclusão do caso no tribunal”, diz o telegrama, corroborando a palestra de Kenneth Blanco, do DoJ, no Atlantic Council. ”Isso daria aos brasileiros uma experiência real de trabalho em uma força-tarefa proativa de financiamento ilícito de longo prazo e permitiria o acesso a especialistas dos EUA para orientação e apoio contínuos”.

 

A conclusão final do encontro é que o Projeto Pontes deveria continuar a reunir as forças de segurança americanas e brasileiras em diferentes locais, “para construir nossos relacionamentos e trocar boas práticas”. E concluía que, “para os esforços de combate ao terrorismo, esperamos usar a abertura que esta conferência proporcionou para direcionar o treinamento de forças-tarefa de financiamento ilícito em um grande centro urbano”.

 

A consequência foi a destruição de parte relevante da economia brasileira, desmonte do sistema político e das instituições democráticas, permitindo à Lava Jato se tornar sócia do poder, através de seu aliado Jair Bolsonaro. E jamais apareceu um terrorista de verdade para justificar a parceria. O então Ministro da Justiça Alexandre Moraes precisou inventar terroristas de Internet.

 

É inacreditável que um evento tão ostensivo como este tenha passado despercebido do governo Lula, na época, cego pelo sucesso que marcou seu último ano de governo. [Veja documentos sobre a rede de espionagem e agentes que atuaram na entrega da Petrobas no GGN]

petrobras_Amorim_.jpg

 

 

30
Mar19

Castello Branco e o golpe que não é de 64

Talis Andrade

torre-de-petroleo gif.gif

 

Como pode um grupo liderado por Castello Branco alijar das decisões de uma companhia estatal o acionista majoritário, a União. Como podem os jornais e jornalistas econômicos aventarem que isto é uma mera ação administrativa

privatizacaopetrobras castelo branco II.png

queima de dinheiro da petrobras.gif

 

Por Frederico Firmo

___

O desemprego no país cresce, a paralisia da área econômica, a fragmentação política no congresso e instituições como o judiciário na berlinda e sob ataque. Nos jornais a mídia dá voz a economistas e especialistas que remam sempre na mesma direção pedindo a Reforma do Fim do Mundo. O presidente vai a Jerusalém, provavelmente decretar guerra contra os Árabes e na volta talvez contra a Venezuela. Leva sempre com ele um dos filhos, que sem dúvida vão viajar muito neste mandato. Pelo twitter o presidente diz que fez as pazes com Maia, e mantém a sua agenda e ideia de que a articulação e defesa da Previdência deve ser feita por Maia. Maia pressionado entre sua falta de visão do país e a defesa de interesses, para não ficar mal com os seus, jura de pé junto que vai articular com Paulo Guedes a tal reforma que segundo eles se não for feita vai afetar os filhos e netos. Mais uma vez mentem, pois na verdade vai afetar os velhinhos diretamente, e os filhos e netos que, na ativa, vão ter que sustentar os seus pais na velhice. Guedes nada faz de efetivo para recuperar os 300 bilhões sonegados da previdência .

 

A notícia do desemprego começa a alarmar a mesma imprensa que escondeu e minimizou o problema. Afinal na imprensa, pensar realisticamente a economia é seguir Paulo Guedes em sua busca obsessiva pelos cortes e mais cortes e pelas privatizações.

 

E agora chegamos ao ponto. O cenário acima toma conta das manchetes, daqui para a frente vai tomar lugar do cenário Globo Lava-Jato. Mas este cenário, como o anterior, vai servindo de cortina de fumaça para o maior dos roubos, envolvendo também falcatruas contra a Petrobrás. Mas estas estão fora do radar de Dallagnol ou do atual ministro da Justiça e do nosso valoroso MP.

 

Nas páginas internas do Estadão me deparo com a manchete:

Acionistas da Petrobrás perderão direito de opinar sobre privatizações

Mudança na estrutura da estatal coloca Castello Branco à frente do programa de “desinvestimento” e vai dar mais relevância ao presidente e ao conselho; minoritários e a União não poderão mais avaliar ou se pronunciar sobre a venda do controle de subsidiárias"

 

A noticia apresentada pelo jornal sem muito alarde, apenas diz que é uma proposta controversa, mas a defende falando no aumento de agilidade. Segundo um dos especialistas do mercado, chamado a comentar, este desenho é comum na iniciativa privada. Curioso pois duvido que um acionista majoritário, como o é a União, abriria mão de opinar. Mas é por isto que os jornais e o MP de Curitiba gastam tanto tempo criminalizando a União, para justificar todos os crimes contra ela.

 

Na foto da matéria Castello Branco de hoje e não de 64, é a cara do golpe. Emplumado e fingindo ser um pensador, parece estar mostrando o dedo para todo mundo. O golpe desta vez não é o golpe militar, mas é contra uma companhia que não lhe pertence, e nem ao Conselho que ele mesmo montou. Este golpe é bem maior do que os 2 bilhões e meio de Curitiba. Não se sabe quanto vai ganhar nisto, mas imagino que não será pouco.

 

Castello Branco desde que assumiu o cargo jamais exerceu a presidência de uma das maiores petrolíferas do mundo. Ele não cuida da extração, do desenvolvimento tecnológico ou do planejamento estratégico da companhia. Ele sempre assumiu o cargo de vendedor, que em tucanês, é Diretor da Área de Aquisições ( inexistentes) e Desenvestimento. Quando o presidente da companhia se auto rebaixa para o cargo de vendedor, alguma coisa está errada. Ele, diferente de Parente, é histriônico e fala aos quatro ventos que o seu papel é privatizar tudo. O MP deveria investigar seu patrimônio antes e depois e analisar se vai cumprir alguma quarentena, ou sairá da Petrobrás para alguma outra companhia concorrente.

 

A Procuradoria Geral e o MP e a área de Economia parecem estar desinteressados no assunto. Nosso judiciário continua focado em sua briga interna pela cabeça de Lula. A pseudo luta dos costumes da moral e da ideologia toma conta do cenário, nossa economia fica estagnada, o desemprego e o desinvestimento cresce e Castello Branco avança em sua pilhagem. Este é mais um caso similar ao acordo de 2.5 bilhões, assinado por alguns que se auto outorgaram poderes sobre um assunto de seu interesse. Como pode um grupo liderado por Castello Branco alijar das decisões de uma companhia estatal o acionista majoritário, a União. Como podem os jornais e jornalistas econômicos aventarem que isto é uma mera ação administrativa, uma agilização comum nas empresas privadas. Se isto é comum nas empresas privadas me parece que elas são cada vez mais suspeitas. Não imagino lugar nenhum onde um acionista majoritário fique a mercê de um CEO de plantão.

 

E como no caso da Reforma da Previdência na mesma edição aparece uma jornalista afirmando que o atual governo está criando obstáculos para a privatização.

 

Reforma da Previdência e Privatizações parecem que se tornaram dogmas que são repetidos por um séquito de crentes ideológicos e de interesseiros que ganham ou que vivem esperando ganhar algumas sobras daqueles que de fato vão lucrar com tudo isto.

ribs petroleo trump.jpg

 

30
Mar19

Relator da ONU pede para Bolsonaro “reconsiderar” celebração do golpe

Talis Andrade

vitor ditadura .jpg

 

A ONU Direitos Humanos divulgou um comunicado nesta sexta-feira (29) no qual pede para que o presidente Jair Bolsonaro “reconsidere” os planos de comemoração do aniversário do golpe militar no Brasil, ocorrido em 31 de março de 1964. Em entrevista à RFI, o relator especial sobre a promoção da verdade, justiça, reparação e garantias de não-repetição, Fabián Salvioli, que assinou o comunicado, disse que os comentários do líder brasileiro a respeito da ditadura são “de uma gravidade inaceitável”.

Nesta semana, Bolsonaro solicitou que o Ministério da Defesa promovesse neste fim de semana “as comemorações devidas” dos 55 anos do golpe, que resultou em uma ditadura de 1964 a 1985. Depois, Bolsonaro recuou e falou em “rememorar” a data, mas até o momento não fez qualquer menção de condenação aos anos de chumbo em vigor no país, durante os quais os partidos políticos foram extintos e as eleições diretas, suspensas.

“Mais de 8.000 indígenas e pelo menos 434 suspeitos de serem dissidentes políticos foram mortos ou desapareceram forçadamente. Estima-se também que dezenas de milhares de pessoas foram arbitrariamente detidas e/ou torturadas”, afirma o texto divulgado nesta tarde. “No entanto, uma lei de anistia promulgada pela ditadura militar impediu a responsabilização pelos abusos”, lembra o comunicado.Além da publicação do documento, a missão diplomática do Brasil nas Nações Unidas foi contatada pelo órgão, ligado ao Alto Comissariado dos Direitos Humanos, com sede em Genebra. À RFI, Fabián Salvioli se disse “muito surpreso” e “preocupado” com as declarações de Bolsonaro sobre o assunto, e ressaltou que, enquanto chefe de Estado, ele tem “obrigações”.

 

Lúcia Müzell entrevista Fabián Salvioli

fabian2.jpg

Fabián Salvioli é relator especial sobre a promoção da verdade, justiça, reparação e garantias de não-repetição, ligado ao Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU.ONU/Rick Bajornas/ divulgação
 
 

RFI Brasil: Qual foi a sua reação ao tomar conhecimento das declarações de Bolsonaro?

Fabián Salvioli: Fiquei sabendo das declarações e fiquei muito surpreso com elas, vindas de um presidente de um país democrático. Celebrar um golpe de Estado é um pouco incompreensível, em primeiro lugar, mas é mais grave se consideramos que este golpe de Estado instalou um regime que perpetrou graves e massivas violações dos direitos humanos, constatadas pelo próprio Estado brasileiro.

O relatório da Comissão da Verdade é muito claro em relação a isso, assim como as sentenças da Corte Interamericana dos Direitos Humanos. É muito preocupante que o presidente Bolsonaro possa celebrar ou abrir a porta para uma celebração de um golpe de Estado responsável por torturas, desaparecimentos forçados e execuções extrajudiciais.

 

Bolsonaro nunca escondeu ser a favor do regime militar, mas agora ele é presidente do país. Isso muda tudo?

Sim, o papel de chefe de Estado engendra obrigações. Cada um e cada uma podem ter as suas opiniões pessoais sobre o golpe de Estado e sua posição política. Isso é uma questão. Mas enquanto presidente da República, é de uma gravidade inaceitável, porque tratam-se de declarações oficiais do Estado que permitem o cometimento de fatos gravíssimos. Na realidade, seria obrigação dos estados fazer investigações, identificar responsáveis e reparar as vítimas integralmente. São obrigações que ainda não foram cumpridas pelo Estado.

 

Bolsonaro e vários de seus aliados defendem até uma revisão dos livros de história sobre o período, com o argumento de que os historiadores escreveram a ditadura sob uma perspectiva de esquerda. Essa tentativa de reescrever a história da ditadura aconteceu em outros países latino-americanos?

Sim, sempre houve opiniões no sentido de gerar um recuo na história. Mas essas opiniões não têm nenhum apoio que possamos considerar sério. Há relatórios da Comissão Interamericana dos Direitos Humanos, há relatórios das Nações Unidas sobre a situação dos direitos humanos no Brasil e da situação na época [da ditadura], há também as sentenças da Corte Interamericana dos Direitos Humanos, além do relatório da Comissão da Verdade do Brasil. O que mais precisa? Isso não é um problema de direita ou de esquerda. É tortura, desaparecimentos e execuções extrajudiciais, e isso é inaceitável.

 

Tendo em vista os engajamentos do Brasil junto à ONU, inclusive no Alto Comissariado de Direitos Humanos, a atitude de Bolsonaro pode ter implicações?

Sim, é um Estado que ratificou instrumentos de proteção dos direitos humanos e deve não apenas transmitir relatórios periódicos ao Conselho de Direitos Humanos da ONU como aos órgãos que promovem a verdade, a exemplo dos comitês de direitos humanos e contra a tortura. Imagino que esses comitês vão observar com preocupação a esse tipo de declaração e serão objeto de debates públicos durante a próxima apresentação do Brasil diante desses dois órgãos.

Já enviei uma carta de alegações à missão diplomática do Estado brasileiro e um comunicado foi publicado ainda nesta sexta-feira. O comunicado lembra as conclusões da Comissão Nacional da Verdade do Brasil. Por exemplo, que mais de 8.000 indígenas sofreram violações dos direitos humanos, quase 450 dissidentes políticos foram executados ou desapareceram. Fazer apologia a esse tipo de coisa é algo insustentável.

.

Essa postura de Bolsonaro gera consequências junto à comunidade internacional? Pode isolar o país, já que o respeito aos direitos humanos e a não apologia a atrocidades como mortes e desaparecimentos políticos costumam ser condições para um país ser respeitado enquanto interlocutor, nas questões internacionais?

Sim, absolutamente. O Brasil sempre se comprometeu em compromissos internacionais nesse sentido. A diplomacia do Brasil sempre foi muito séria. Mas vemos um recuo, um recuo evidente e com consequências muito graves.

Espero que o presidente da República vá refletir e vá proibir todo o tipo de celebração de um golpe de Estado, enquanto presidente democrático. Mas também espero que ele condene os crimes cometidos pelo Estado, porque ele tem responsabilidades que não podem ser delegadas.

cacinho ditadura .jpg

 

30
Mar19

Bolsonaro um presidente vingativo capaz de perseguir humildes servidores que cumprem a lei

Talis Andrade

Ibama exonera funcionário que multou Bolsonaro por pesca em área protegida

 

Fabrício-Queiroz- jair Bolsonaro-.jpg

Multa já havia sido anulada em dezembro pela superintendência do órgão no Rio de Janeiro, após a vitória eleitoral de Bolsonaro
 
 
De origem pobre, o pai era protético, Jair Bolsonaro financiou os estudos pescando e vendendo peixes. 
 
 
Escrevem Tom C. Avendaño e Naiara Galarraga Gortázar, em El País: "Para cumprir sua obsessão e entrar no Exército, o jovem Bolsonaro necessitava de duas coisas que não possuía na época: dinheiro e estudos. Para o primeiro, contava com um sócio: seu melhor amigo, Gilmar Alves. 'Compramos uma vara e fomos pescar para vender: todo dia a gente ia para o rio, com frio ou calor', recorda Alves, hoje com o cabelo completamente grisalho, sentado num bar de Registro, cidade próxima a Eldorado, onde vive." Continue lendo. Uma história que mostra que Bolsonaro é uma pessoa falsa, sem amigos, sem palavra. Veja que Bolsonaro esperou oito anos para uma vingança contra um pequeno e humilde funcionário: 

 

José Olímpio Augusto Morelli, o servidor do Ibama que em 2012 multou o presidente Jair Bolsonaro (PSL), foi exonerado nesta quinta-feira (28) pelo órgão ambiental do governo federal. A multa, no valor de R$ 10 mil, foi aplicada porque o então deputado federal foi flagrado pescando na Estação Ecológica de Tamoios (Esec), uma área protegida em Angra dos Reis (RJ).  

Funcionário concursado, Morelli estava desde 2017 no cargo comissionado de chefe do Centro de Operações Aéreas do Ibama, subordinado à Diretoria de Proteção Ambiental. Há outros oito servidores no mesmo nível hierárquico dessa diretoria, mas até o momento Morelli foi o único exonerado pelo governo de Bolsonaro.

Na época da multa, em 25 de janeiro de 2012, Morelli fez o auto de infração e o relatório do flagrante de Bolsonaro. A situação irritou o atual presidente, que dois meses depois fez um pronunciamento duro contra o servidor no plenário da Câmara dos Deputados. 

“Fui abordado por um barco do Ibama. A primeira coisa que falou pra mim foi, que estava com duas pessoas da região, é: ‘sai!’. Esse cidadão aqui, repito o nome dele, José Augusto Morelli, falou: 'Sai! Aqui, ninguém pode pescar, seja deputado ou não seja, porque o decreto que vocês votam tem de ser respeitado'. Eu fui obrigado a responder no mesmo tom, adjetivando o senhor Morelli e dizendo que não votamos o decreto. Eu vou pescar no Carnaval lá. E não venham com ignorância porque o bicho vai pegar”, disse Bolsonaro na ocasião. 

Em dezembro, após a vitória de Bolsonaro na eleição presidencial, a multa foi anulada pela superintendência do órgão no Rio de Janeiro. Durante a campanha, Bolsonaro criticou com frequência o que define como uma “indústria da multa” do Ibama. A partir de uma notícia do RBA. Nas fotos, Bolsonaro com Fabrício José Carlos de Queiroz, famoso por ter depositado um cheque, no valor de cinco mil reais, na conta da primeira-dama Michelle Bolsonaro, e por suas ligações, mais do que perigosas, com o senador Flávio Bolsonário e o Escritório do Crime.

fabrício queiroz pescaria.jpg

Jair Bolsonaro e Fabrício José Carlos de Queiroz, suspeito de ser da milícia Escritório do Crime 

Onde-ta-o-queiroz.jpg

 

 
 
 
 
30
Mar19

"Lava jato" defende no Supremo acordo firmado com a Petrobras e esquece de avisar que já foram depositados 2,5 bilhões

Talis Andrade

 

Os procuradores da operação "lava jato" no Ministério Público Federal em Curitiba (PR) enviaram ao Supremo Tribunal Federal, nesta sexta-feira (29/3), uma manifestação a favor do acordo que previa a criação de um fundo com R$ 2,5 bilhões recuperados da Petrobras. A manifestação é uma resposta à ação da Procuradoria-Geral da República que levou à suspensão do acordo no dia 15 de março por decisão do relator, ministro Alexandre de Moraes.

"Previa". Verbo no condicional, quando o dinheiro da Petrobras já foi depositado em uma conta de nome secreto. Repetindo já foram depositados mais de dois bilhões e quinhentos milhões na conta de uma ong ou fundo de seu fulano ou cicrano ou fundação da Lava Jato ou lava mais branco. Numa conta gráfica a pedido dos procuradores. Uma conta na Caixa Econômica Federal de Curitiba. Falta saber se essa grana da Petrobras, depositada no dia 30 de janeiro último, teve algum saque escondido. Na escuridão. Desde que se trata de uma conta sob segredo de justiça, assim determinou a juiza Moro de saia, como gosta de ser chamada - assim diz a imprensa - Gabriela Hardt

No ofício, Deltan Dallagnol defendeu a legalidade do acordo homologado pela 13ª Vara da Justiça Federal do Paraná, destacando que o MPF não assumiu um papel na gestão do valor. "Não há, no texto do acordo, qualquer previsão que disponha sobre eventual gestão dos recursos por membros do Ministério Público ou de qualquer recebimento de recursos por parte dos membros do Ministério Público", diz.

Por que o dinheiro já foi depositado? 

MPF-criou o fundao com pedro parente .jpg

ong procurador lava jato .png

Deltan DD fundão.png

DD querido fundão.jpg

 

O caso ainda será analisado definitivamente pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, mas a data ainda não foi definida. Com informações da Agência Brasil. Falta responder por que a bufunfa, a bolada de mais de 2,5 bilhões foi parar em Curitiba. Dallagnol fez postagem do depósito do bagarote: "Petrobras deposita R$ 2,5 bilhões em benefício da sociedade...", escreveu. Esse termo "sociedade" tem 47 sinônimos para 5 sentidos da palavra:

Grupo de pessoas que estão próximas:

1 agrupamentocomunidadecorpo socialcoletividadegrupopovo.

Parceria entre pessoas:

3 parceriajuntaaliançaunião.

Conjunto das pessoas de classe alta:

4 alta-rodaaristocraciaeliteescolfina florflornatasoçaite.

Convivência entre as pessoas de um grupo:

5 comérciocomunicaçãoconsórciocontatoconvivênciaconvíviofamiliaridadefrequentaçãorelaçõestrato.

Esse Dallagnol é bom de jejum... 

jejum pra lula ser preso DD dallas.jpg

 

Clique aqui para ler a manifestação. A partir de uma notícia no ConJur

 

 

 

30
Mar19

Governo americano vai bancar seminário para a Associação dos Juízes Federais

Talis Andrade
29
Mar19

EUA pagam hotel e passagem para juízes brasileiros, mostra Nassif

Talis Andrade

justica corrupta temis.jpg

 

 

A magistratura brasileira, definitivamente, perdeu a vergonha e num sentido pior do que o daquele desembargador que apareceu ao lado do cantor Leonardo  dizendo que “ele segura e eu como”.

Luiz Nassif, no GGN, reproduz o edital 18/2019, da Associação de Juízes Federais, convidando magistrados para um “Seminário sobre Delitos de Informática e Evidências Eletrônicas” organizado pelo Departamento de Justiça, o equivalente ao Ministério da Justiça dos Estados Unidos.

O governo americano, preste atenção, pagará passagem, hotel, transporte e alimentação para Suas Excelências, durante três dias, em São Paulo, de seis a oito de maio, dias úteis e, em tese, de trabalho. Mas vão ganhar diárias, também, que maravilha!

A turma do governo norte-americano, como comprova a “bolada” repassada à “Fundação Lava Jato” do Deltan Dallagnol, não anda nada avarenta quando se trata de arranjar estes “bocões” para o Judiciário brasileiro.

Claro, sem nenhum interesse. Afinal, “americano é tão bonzinho”, não é?

Bem, eles estão cuidando do lado deles, mas é estarrecedor que não sobre aos nossos mui bem pagos desembargadores vergonha na cara para não aceitarem serem pagos por um governo estrangeiro, dentro do território nacional.

Não precisa nem do Leonardo para segurar.

 

justiça calcinha deusa temis.jpg

 

29
Mar19

A mídia e o golpe militar de 1964

Talis Andrade

vitor mito.jpg

 


Por Altamiro Borges

Segunda-feira, 1º de abril, marca os 55 anos do fatídico golpe civil-militar de 1964. Na época, o imperialismo estadunidense, os latifundiários e parte da burguesia nativa derrubaram o governo democraticamente eleito de João Goulart. Naquela época, a imprensa teve papel destacado nos preparativos do golpe. Na sequência, muitos jornalões continuaram apoiando a ditadura, as suas torturas e assassinatos. Outros engoliram o seu próprio veneno, sofrendo censura e perseguições.

Nesta triste data da história brasileira, vale à pena recordar os editoriais dos jornais burgueses – que clamaram pelo golpe, aplaudiram a instalação da ditadura militar e elogiaram a sua violência contra os democratas. No passado, os militares foram acionados para defender os saqueadores da nação. Hoje, esse papel é desempenhado pela mídia privada, que continua orquestrando golpes contra a democracia. Daí a importância de relembrar sempre os seus editorais da época:

 

O golpismo do jornal O Globo

“Salvos da comunização que celeremente se preparava, os brasileiros devem agradecer aos bravos militares que os protegeram de seus inimigos. Este não foi um movimento partidário. Dele participaram todos os setores conscientes da vida política brasileira, pois a ninguém escapava o significado das manobras presidenciais”. O Globo, 2 de abril de 1964.

“Fugiu Goulart e a democracia está sendo restaurada..., atendendo aos anseios nacionais de paz, tranqüilidade e progresso... As Forças Armadas chamaram a si a tarefa de restaurar a nação na integridade de seus direitos, livrando-a do amargo fim que lhe estava reservado pelos vermelhos que haviam envolvido o Executivo Federal. O Globo, 2 de abril de 1964.

“Ressurge a democracia! Vive a nação dias gloriosos... Graças à decisão e ao heroísmo das Forças Armadas que, obedientes a seus chefes, demonstraram a falta de visão dos que tentavam destruir a hierarquia e a disciplina, o Brasil livrou-se do governo irresponsável, que insistia em arrastá-lo para rumos contrários à sua vocação e tradições. Como dizíamos, no editorial de anteontem, a legalidade não poderia ter a garantia da subversão, a ancora dos agitadores, o anteparo da desordem. Em nome da legalidade não seria legítimo admitir o assassínio das instituições, como se vinha fazendo, diante da Nação horrorizada”. O Globo, 4 de abril de 1964.

“A revolução democrática antecedeu em um mês a revolução comunista”. O Globo, 5 de abril de 1964.

 

Conluio dos jornais golpistas

“Minas desta vez está conosco... Dentro de poucas horas, essas forças não serão mais do que uma parcela mínima da incontável legião de brasileiros que anseiam por demonstrar definitivamente ao caudilho que a nação jamais se vergará às suas imposições”. O Estado de S.Paulo, 1º de abril de 1964.

“Escorraçado, amordaçado e acovardado, deixou o poder como imperativo de legítima vontade popular o Sr João Belchior Marques Goulart, infame líder dos comuno-carreiristas-negocistas-sindicalistas. Um dos maiores gatunos que a história brasileira já registrou, o Sr João Goulart passa outra vez à história, agora também como um dos grandes covardes que ela já conheceu”. Tribuna da Imprensa, 2 de abril de 1964.

“Desde ontem se instalou no país a verdadeira legalidade... Legalidade que o caudilho não quis preservar, violando-a no que de mais fundamental ela tem: a disciplina e a hierarquia militares. A legalidade está conosco e não com o caudilho aliado dos comunistas”. Jornal do Brasil, 1º de abril de 1964.

“Golpe? É crime só punível pela deposição pura e simples do Presidente. Atentar contra a Federação é crime de lesa-pátria. Aqui acusamos o Sr. João Goulart de crime de lesa-pátria. Jogou-nos na luta fratricida, desordem social e corrupção generalizada”. Jornal do Brasil, 1º de abril de 1964.

“Pontes de Miranda diz que Forças Armadas violaram a Constituição para poder salvá-la”. Jornal do Brasil, 6 de abril de 1964.

“Multidões em júbilo na Praça da Liberdade. Ovacionados o governador do estado e chefes militares. O ponto culminante das comemorações que ontem fizeram em Belo Horizonte, pela vitória do movimento pela paz e pela democracia foi, sem dúvida, a concentração popular defronte ao Palácio da Liberdade”. O Estado de Minas, 2 de abril de 1964.

“A população de Copacabana saiu às ruas, em verdadeiro carnaval, saudando as tropas do Exército. Chuvas de papéis picados caíam das janelas dos edifícios enquanto o povo dava vazão, nas ruas, ao seu contentamento”. O Dia, 2 de abril de 1964.

“A paz alcançada. A vitória da causa democrática abre o País a perspectiva de trabalhar em paz e de vencer as graves dificuldades atuais. Não se pode, evidentemente, aceitar que essa perspectiva seja toldada, que os ânimos sejam postos a fogo. Assim o querem as Forças Armadas, assim o quer o povo brasileiro e assim deverá ser, pelo bem do Brasil”. O Povo, 3 de abril de 1964.

“Milhares de pessoas compareceram, ontem, às solenidades que marcaram a posse do marechal Humberto Castelo Branco na Presidência da República... O ato de posse do presidente Castelo Branco revestiu-se do mais alto sentido democrático, tal o apoio que obteve”. Correio Braziliense, 16 de abril de 1964.

 

Apoio à ditadura sanguinária

“Um governo sério, responsável, respeitável e com indiscutível apoio popular, está levando o Brasil pelos seguros caminhos do desenvolvimento com justiça social – realidade que nenhum brasileiro lúcido pode negar, e que o mundo todo reconhece e proclama”. Folha de S.Paulo, 22 de setembro de 1971.

“Vive o País, há nove anos, um desses períodos férteis em programas e inspirações, graças à transposição do desejo para a vontade de crescer e afirmar-se. Negue-se tudo a essa revolução brasileira, menos que ela não moveu o país, com o apoio de todas as classes representativas, numa direção que já a destaca entre as nações com parcela maior de responsabilidades”. Jornal do Brasil, 31 de março de 1973.

“Participamos da Revolução de 1964 identificados com os anseios nacionais de preservação das instituições democráticas, ameaçadas pela radicalização ideológica, greves, desordem social e corrupção generalizada”. Editorial de Roberto Marinho, O Globo, 7 de outubro de 1984.

atorres bolsonaro memoriza golpes.jpg

 

29
Mar19

MENINAS, PREPAREM-SE PARA SOFRER MAIS DO QUE OS MENINOS NA NOVA ONDA DE COLÉGIOS MILITARES

Talis Andrade

por Stéfani Fontanive Stéfani centro na formatura de boina.jpgStéfani (centro) na "formatura de boina" do CTBM-PF, em 2013. Foto: arquivo pessoal

 

Os fracos não entram. Os indecisos desistem. Só os fortes permanecem

ESSA ERA A frase que ficava exposta no CTBM-PF, no Rio Grande do Sul, para receber seus novos alunos. Um dos muitos bordões falados no colégio, que havia sido inaugurado em 2009. Eu fui uma dessas novas alunas, em 2013. Entrei com a expectativa de que a disciplina levasse a um ensino melhor. Ilusão.

Saída de um colégio particular, com muitos sonhos, resolvi que faria a prova para o militar. Escolhi ir, não foi algo imposto, como pode vir a ser para muitas crianças e adolescentes se as escolas começarem a trocar sua administração regular por administrações militares. Fiz até cursinho para passar na prova.

Comparada à antiga escola onde eu estudava, a infraestrutura deixava a desejar. Mas o colégio era novo. Fomos a quinta turma a entrar. Deixei passar, um pouco desapontada. A minha grande decepção foi a biblioteca. No ano em que entrei, a biblioteca ficava em uma espécie de casinha no meio do pátio, que foi destruída para fazerem uma quadra de esportes. Os livros ganharam um canto apertado em uma sala de convivência, bagunçados e desorganizados. A pouca importância que a escola dava aos livros sempre me chocou.

Ou você puxava o saco dos militares, seguia todas as regras, ou seria uma espécie de pária, escanteado, criticado

 

Para entender o colégio, é importante entender o seu funcionamento. No meu ano, eram 60 vagas para entrar, 40 para a comunidade civil, 20 para filhos de militares – sim, havia cotas para filhos de militares. Todos os que pretendem entrar para o CTBM têm que fazer as três fases da prova: teórica, médica e física. A parte teórica possui 50 questões: 25 de português e 25 de matemática. Se tiver um bom número de acertos, passa para segunda fase: a médica, em que tem que se fazer uma série de exames – porque “aluno Tiradentes” tem que ter o corpo saudável. A terceira fase é a física, em que se deve correr 1.600 metros em 12 minutos, fazer 25 abdominais em 1 minuto e 8 apoios em tempo livre.

Passado a prova, entram os 60 alunos, e agora a história começa de verdade. Primeiro, os pais assinam um termo de compromisso, dizendo que vamos seguir as regras e que aceitamos nos basear no regulamento do Tiradentes. Os alunos do 1º ano têm que chegar uma semana antes, para participar da “Semana Zero”. Nela, aprendemos o que é e como “entrar em forma”, que é ficar parado um do lado do outro, cuidando a “cobertura e o alinhamento” (se os alunos estão em uma fila reta) e os comandos, como sentido, descansar, como virar para a direita e para a esquerda em forma. E é “em forma” que se faz a revista dos uniformes: é preciso estar sempre com a saia passada e o sapato lustrado. Até para a trança existem regras: não podem ter fios soltos. A unha deve ser curta e limpa, e só pode ser pintada com tons pastéis, como rosa e nude – uma vez fui com um azulzinho e fui “alterada”. Ah, sim, se você não está com o uniforme e aparência corretos, recebe uma “alteração”, fica de FT e é obrigado a ir para o colégio no sábado de manhã. Quem avalia se os alunos estão “certos ou errados” são os alunos do terceiro ano, os veteranos. Se o aluno do terceiro ano não gosta de você, as alterações tendem a ser frequentes. Eles comandam a formação. E essa formação se divide em duas companhias, uma feminina e uma masculina, que se dividem em pelotões.

Também nos ensinam a marchar e a cantar diariamente o hino. Temos de aprender os lemas das companhias. O da masculina diz “Brigada acima de tudo e Deus acima de todos” – qualquer semelhança com o slogan de Jair Bolsonaro não é mera coincidência.

Além de todo esse controle diário, existia o CAL, comandado por um tenente, que cuidava da disciplina dos estudantes. Porque em colégios militares, além de se preocupar com as notas das matérias, é preciso tomar cuidado com a nota disciplinar. Todos começam com a mesma nota, que podem aumentar se você faz coisas pelo colégio, ou diminuir, caso você cometa alguma infração – como ir à aula de unhas vermelhas.

Alguns comportamentos eram ainda mais combatidos, como pensamentos feministas. Apesar das “zero um” – primeiras colocadas na classificação – serem todas mulheres, o machismo estava entranhado naquele lugar. Tínhamos que nos provar mais capazes. Não acreditavam em nós. Lembro até hoje de uma das formaturas de sexta-feira em que um dos responsáveis pelo comando estava muito bravo.

Ele destilou quase uma hora de xingamentos ininterruptos. Críticas a governos “populistas”, ao Bolsa Família. Lá pelas tantas, disse algo mais ou menos assim: “Mas vocês, meninas Tiradentes, não são meninas comuns, vocês são fortes, meninas comuns são fracas, vocês são fortes, porque, se não, não estariam aqui”. Lembram do lema de que só os fortes permanecem?

“Quem não puxa saco, puxa carroça”, outro famoso bordão dito pelo comandante. E, lá, isso era real. Ou você puxava o saco dos militares, seguia todas as regras, ou virava uma espécie de pária, escanteado, criticado. Eu estava nessa segunda posição. Eu incomodava muita gente. Muitos colegas. Muitos professores. Muitos militares. Quando descobri que as minhas posições e opiniões tinham esse poder de incomodar, passei a usufruir dele, apesar das represálias.

 

Assim que o sargento saiu, fui obrigada a revidar: 'a buceta é de vocês, vocês dão pra quem vocês quiserem'

 

Muito do que acontecia no colégio ficava lá dentro. Não podíamos postar nas redes sociais e precisávamos nos comportar como “alunos Tiradentes” em todos os lugares. Não podíamos fazer comentários políticos em redes sociais. Não podíamos andar de mãos dadas com namorados. Não podíamos sentar na grama na praça perto do colégio. Não podíamos fazer piadas ou brincadeiras nas redes sociais com assuntos do colégio, porque manchava a imagem da instituição.

Em 2014, ano das eleições, eu e meus amigos apoiamos o petista Tarso Genro para o governo do estado e postamos uma foto nas redes sociais com a bandeira de um partido dito de esquerda. A legenda da foto era uma antiga música portuguesa, que dizia: “quem tem medo do comunismo, são os latifundiários, são os monopolistas, são os colonialistas, enfim, os parasitas”. Não acho que soubéssemos exatamente o que era o comunismo, ou se concordávamos com o partido, mas concordávamos com a parte dos parasitas. E essa foto rendeu. O comandante comentou que devíamos crescer e trabalhar antes de pensar em comunismo. Respondemos que o capitalismo não fazia bem para todos. Fomos elogiados, fomos criticados. Mas souberam quem nós éramos. E não esqueceram mais. Porque comentários políticos não eram comportamento de um “aluno Tiradentes”.

Encontrei outros métodos de provocar, inclusive nos trabalhos obrigatórios para todos os alunos. No segundo ano, os alunos têm que fazer um curta-metragem baseado em obras de autores nacionais. No meu ano, o escolhido foi Erico Verissimo. O meu grupo fez o curta baseado em Incidente em Antares, que é a história de sete mortos que, em dezembro de 1963, por não poderem ser enterrados devido a uma greve dos coveiros na cidade, voltam à vida e expõem todos os podres dos habitantes locais. O livro foi lançado em 1971, sendo uma forte crítica à ditadura militar. Como os militares da época (e os do meu colégio) não entenderam? Até hoje não sei. Mas as represálias pelo curta vieram. O colégio inscreveu todos os curtas para o CinEst, o Festival Nacional de Cinema Estudantil, e Incidente em Antares foi o único premiado. Melhor direção de arte. Estava com o meu nome. Eu não pude ir. Quando o prêmio chegou ao Tiradentes, não fui chamada para receber.

“Nem melhor, nem pior: diferente”. Um terceiro lema do Tiradentes. Não éramos melhores do que as outras escolas, só tínhamos o militarismo que nos diferenciava. Mas ninguém acreditava realmente nisso. A ideia de superioridade, de pertencer a uma elite, convencia muito bem. Os alunos tinham muito orgulho de estar ali – o que eu entendo, devido à dificuldade de entrar e de permanecer –, e concordavam e perpetuavam os ideais do colégio.

Quando estava no terceiro ano, fui chamada para fazer parte dos alunos que ensinam os que ingressavam no primeiro. Viver a semana zero mais uma vez. E, um dia, eu e meus colegas estávamos na sala, conversando com os primeiro-anistas, quando um sargento entrou na sala e resolveu contar uma história: “era uma vez, uma chave e uma fechadura. Essa chave abre várias fechaduras, e era considerada uma chave-mestra. Agora, a fechadura que abre com muitas chaves é uma fechadura vagabunda. A fechadura que vale, é a que se abre com só uma chave”.

“Assim é a vida, meninas”, ele finalizou. Eu estava estarrecida e pulei da mesa que estava sentada. Assim que o sargento saiu, no exato momento que a porta fechou, fui obrigada a revidar. A única coisa que saiu da minha boca naquele dia foi impensada, mas significativa: “a buceta é de vocês, vocês dão pra quem vocês quiserem”. Algumas meninas me olharam indignadas. Outras concordaram comigo.

Também eram comuns comentários sobre nossas roupas nas festas – o controle e o militarismo iam além das portas do colégio. Qualquer mínima exposição de liberdade, de não seguir os padrões, de supostamente “não se respeitar”, virava assunto no colégio. As meninas tinham medo de “ficarem faladas”. E todos falavam! No dia seguinte às festas jovens promovidas pelo colégio, o assunto era quem ficou com quem. Os meninos eram vangloriados; as meninas, criticadas.

Lembro de uma vez que o julgamento partiu dos militares, e não dos colegas. Estava abraçando e brincando com uns amigos, não lembro direito o que estávamos fazendo, mas ríamos bastante. E fui chamada no CAL. Não chamaram meus amigos. Só eu.

Finalmente, depois de muito estresse, chegou o dia da formatura. Era dezembro de 2015. Uma nova liberdade desconhecida. Entrei com a música Survivor, da Destiny Child, na versão de Clarice Falcão, que casava perfeitamente com o que eu senti e queria expressar – bom, menos a parte de que eu não falaria na internet, pois é o que estou fazendo agora. Quando recebi o diploma, olhei diversas vezes para o comandante que tentou tornar minha vida um pequeno inferno por três anos. Ele não olhou para mim. Ficou com a cabeça baixa olhando para o celular. Incomodei até o último minuto.

estudantes disciplina não é educação.jpg

 

Mais sobre mim

foto do autor

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Arquivo

  1. 2024
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2023
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2022
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2021
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2020
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2019
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2018
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
  92. 2017
  93. J
  94. F
  95. M
  96. A
  97. M
  98. J
  99. J
  100. A
  101. S
  102. O
  103. N
  104. D
Em destaque no SAPO Blogs
pub