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O ex-presidente Lula é representado pelo caricato ex-presidente Higino (Arthur Kohl)
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou que não vai ficar quieto diante do conteúdo da polêmica série de propaganda política da Netflix O Mecanismo, que recria facciosamente alguns dos episódios da Operação Lava Jato. "Nós vamos processar a Netflix, nós não temos que aceitar isso. Eu não vou aceitar", disse o líder petista.
Informa o jornal El País da Espanha: Nem Lula nem Dilma aparecem na série com os seus nomes, mas é muito fácil reconhecê-los nas personagens de João Higino e Janete Ruscov. Lula alegou que os roteiristas colocam na boca da sua personagem palavras que ele nunca disse. O ex-presidente se referia a uma das cenas mais polêmicas da obra, quando Higino fala da Lava Jato e diz que é preciso "estancar essa sangria". Essas palavras foram pronunciadas, na realidade, pelo senador do MDB Romero Jucá, segundo uma conversa que foi grampeada pelos investigadores do caso. Noutro momento, a personagem de Lula também conversa com a presidenta Ruscov sobre a necessidade de trocar o comando da Policia Federal, mais um fato que nunca apareceu no inquérito da Lava Jato.
No comício que fechou a caravana em Curitiba, Lula acusou os criadores da obra: "Eles produziram uma peça que é mais uma mentira". "Aviso que vamos denunciar os responsáveis aqui ou em qualquer lugar", acrescentou o ex-presidente em um discurso no qual lembrou os incidentes ocorridos ao longo do seu percurso pelos estados do Sul para tentar impedir os atos planejados pelo PT em várias cidades.
A Netflitx vem gastando milhões de dólares na série de propaganda política neste ano de eleições para presidente, governadores, senadores, deputados federais e estaduais. Uma série que se pode assistir gratuitamente aqui. E que também está sendo ofertada por partidos políticos, e adéptos de Temer, Bolsonaro, Henrique Meirelles, Marina Silva e Alckmin.
BBC, estatal do Reino Unido, apresenta as invenções do Mecanismo:
1. Lula falou sobre "estancar a sangria"? Falso
Na série dirigida por José Padilha, a frase é dita pelo personagem José Higino (que representa o ex-presidente Lula) ao "Mago", inspirado em Márcio Thomaz Bastos. O diálogo fictício ocorre em 2014, antes das eleições presidenciais. Mas a cena é fantasiosa.
2. A prisão de Youssef em 2014 aconteceu daquele jeito mesmo? Verdadeiro, mas…
Na série, o doleiro Roberto Ibrahim aproveita-se de um descuido do agente "China" para pegar um jatinho no aeroporto de Congonhas (SP) e se mandar para Brasília.
A diferença é que a polícia não deixou Youssef escapar e o doleiro tampouco estava em Brasília no momento da prisão.
Quando foi detido, Youssef estava no quarto nº 704 do Hotel Luzeiros, um dos mais requintados de São Luís (MA), com vista para o mar. Segundo o Ministério Público, a mala continha R$ 1,4 milhão em propina, vinda da empreiteira UTC, e que seria paga a um secretário do governo maranhense, na gestão de Roseana Sarney (MDB). A prisão ocorreu em 17 de março de 2014.
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Os donos do lava a jato em Brasília estão soltos e imensamente ricos
3. O posto de gasolina de Yousseff realmente existe? Verdadeiro
Na série, o local é chamado de "Posto da Antena". Na vida real, o estabelecimento funciona até hoje - trata-se do Posto da Torre, localizado no Setor Hoteleiro Sul, ao lado da Torre de TV, um dos cartões-postais de Brasília. O empreendimento foi alvo da primeira fase da Lava Jato.
Além de 16 bombas de combustíveis, o Posto da Torre abrigava uma lanchonete especializada em kebab e uma casa de câmbio - além de um lava-jato. O estabelecimento era comandado por Carlos Habib Chater, sócio de Youssef. Na série, Chater é representado pelo personagem "Chebab". Na vida real, o posto também serviu para de inspiração para a delegada Erika Marena ("Verena Cardoni") cunhar o nome "Lava Jato" para a operação.
[Informa este correspondente: "Chebab" está solto e rico. Youssef está solto e rico. Ganhou do juiz Sergio Moro delação premiada no assalto ao BanEstado. E condenado a mais de cem anos de prisão, recebeu outra delação mais do que premiada do juiz Sergio Moro, porque também livrou a esposa, a amante, a filha doleiras independentes e associadas. A delegada Erika está envolvida no suicídio do reitor Cancellier].
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Ex-presidente Dilma Roussef ganha o nome russo Janete Ruscov (Sura Berditchevsky)
4. Youssef circulava pelo comitê de campanha de Dilma Rousseff? Falso
Logo no começo da série, o personagem Roberto Ibrahim (que representa o doleiro Alberto Youssef) aparece em uma cena dentro do comitê de campanha do "Partido Operário" - na vida real, o comitê de Dilma Rousseff (PT). "Você quer quanto? R$ 500 (mil) resolve, para esta semana?", pergunta o personagem a uma integrante do staff fictício. "R$ 600 (mil), meu amor. Para agora", responde ela.
Na vida real, esta cena jamais poderia ter acontecido: durante a campanha eleitoral de 2014, Alberto Youssef estava preso em Curitiba, no Paraná (ele foi detido na 1ª fase da Lava Jato, em 17 de março de 2014, e ficou na cadeia até 17 de novembro de 2016).
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Gerson Machado é representado por Marco Rufo (Selton Mello)
5. O policial Marco Rufo existiu realmente e fuçou extratos no lixo? Não foi bem assim...
Assim como outras figuras da série, o policial Marco Rufo é baseado em uma pessoa real - neste caso, um ex-delegado da PF, hoje aposentado, chamado Gerson Machado. Assim como Rufo, Machado é de Londrina (PR). Esta é também a cidade natal de Alberto Youssef (na série, Roberto Ibrahim).
Assim como Rufo - o da ficção - Machado investigou Youssef, e disse ter sido acusado de "perseguição" pelo doleiro. Na vida real, Machado abriu um inquérito sobre o caso em 2008, anos antes da Lava Jato começar. Ao jornal O Estado de S. Paulo, Machado disse em 2016 que foi afastado das investigações e depois "foi aposentado" precocemente, aos 49 anos de idade, em 2013. O afastamento o deixou deprimido.
6. Youssef realmente foi preso e fez delação uma década antes da Lava Jato? Verdadeiro, mas…
Em 1969, o Banco Central do Brasil editou uma norma, a Carta Circular nº 5, com o objetivo de facilitar a vida de brasileiros vivendo no exterior. A norma criou um tipo de conta bancária - batizada de CC5 em referência à Circular do BC - que permitia depositar dinheiro em moeda estrangeira no Brasil e sacá-lo no exterior.
Entre 1996 e 2003, um grupo de doleiros utilizou as contas CC5 do Banco do Estado do Paraná, o antigo Banestado, para enviar cerca de US$ 30 bilhões para fora do país. Um deles era Alberto Youssef. Ele admitiu mais tarde que efetivamente pagou propina, em nome de empresas, aos dirigentes do Banestado, para facilitar empréstimos a essas empresas. O nome do banco batizou o escândalo.
Youssef fechou seu primeiro acordo de delação premiada em 2004 - o acordo foi homologado pelo juiz Sérgio Moro. Em 2014, na segunda prisão do doleiro, o mesmo juiz invalidou o acordo de 2004.
A história é contada de forma resumida pela série de José Padilha - inclusive com uma menção às contas CC5. Mas há pelo menos dois pontos que merecem reparos. Ao ser preso, Youssef diz que não vai ficar muito tempo preso, já que o seu advogado "é o ministro da Justiça". Naquela época, o ministro era Márcio Thomaz Bastos ("O Mago", na série). Bastos nunca defendeu Youssef. Além disso, a série deixa de mencionar o fato de o esquema ter começado a funcionar em 1996, durante o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB).
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